29.2.08

E é tão difícil dizer adeus

A grande ambição por detrás do nascimento do OSP, mais vale confessá-lo desde já, é ver um dia o verbete “obrigadosápíntico” estampado no Houaiss (ou no mínimo, vá lá, no dicionário da Academia das Ciências):

obrigadosápíntico (m.q. obrigadosápinto) Datação: séc. XXI

  • adjectivo

1 que ou aquele que não tem ou não demonstra ter medo; bravo, destemido valente, raçudo
Ex.: [Agripa era um centurião o.]
2 que ou aquele que demonstra firme disposição e energia diante de situações difíceis ou críticas
Ex.: [povo o.] [tarefa só para os o.]
3 diz-se de atitude, decisão etc. caracterizada por audácia, ousadia, destemor
Ex.: [gesto o.] [ideias o.]
4 em estado de fúria; brabo, danado, irado
Ex.: [ficou o. com a sua omissão da lista de convocados]
5 que se irrita facilmente; de mau génio; brabo, irritadiço, irascível
Ex.: [não o provoque, ele é muito o.]
6 que tem um tendão de cadáver enxertado
Ex.: [ele só continua a jogar porque tem um joelho o.]
7 que se caracteriza pela honestidade; íntegro, honesto
Ex.: [um amigo o., um homem às direitas]
8 tempestuoso, revolto, violento
Ex.: [mar o.] [tufão o.]
9 não cultivado; bravio, agreste, brabo, inculto
Ex.: [terras o.] [pereira o.]
10 de muita intensidade; alto; brabo, forte
Ex.: [febre o.] [saudade o.]
11 que se baba todo depois de ser expulso de uma competição desportiva
Ex.: [depois do cartão vermelho, o Sá Pinto comportou-se de forma o.]
12 digno de admiração; notável, celebrado, insigne
Ex.: [um orador o.]
13 generoso, humanitário
Ex.: [S. Francisco de Assis teve sempre uma conduta o.]
14 amante fogoso, caracterizado pela resistência e criatividade
Ex.: [ele era o. debaixo dos lençóis]
15 de grande benfiquismo, religiosamente lampião
Ex.: [apesar das origens do seu nome, o OSP é a coisa mais o. que há]

Antónimos: ver sinonímia de arturjórgico

Sem dúvida que se trata de hubris, há que assumi-lo, mas o OSP dá a cara por ela, assume-a e identifica-a como sendo um efeito secundário da sua paixão por livros e bibliotecas. Ainda hoje o OSP gosta de folhear um dicionário, quando precisa de serenar.

Para que tal desejo se concretizasse, contudo, o OSP precisaria de exposição, mediática ou não, e sempre teve relutância em tentá-la, devido à natureza discreta da sua pessoa. Parecia, pois, que teria de se contentar com ser o Porto Canal dos blogues sobre o SLB, mas então surgiu algo na sua vida que o fez pensar que não teria outro remédio senão aventurar-se na esfera pública: angustiado pela possibilidade de perder para sempre o futebol do Rui Costa, o OSP considerou redigir uma petição para que ele não deixasse novamente vazio aquele número 10, pelo menos já no fim desta época. Na realidade, seria, mais do que uma petição, uma carta de amor que todos os que, como o OSP, se confessam devotos do Rui Costa poderiam assinar.

É certo que, com isto das internets, o acto da petição se vulgarizou, e também é verdade que as petições deveriam estar reservadas a assuntos sérios e essenciais (apesar de o OSP assinar quase toda a porcaria que recebe na sua caixa de correio electrónico, desde petições pela defesa do direito de o Sousa Tavares e o Pulido Valente poderem fumar para cima de quem lhes apetecer em restaurantes, até abaixo-assinados a implorar que haja um entrevistador-basta-só-um-unzinho da televisão que por-favor-faça-perguntas-não-custa-assim-tanto ao Pinto da Costa relativamente ao conteúdo das escutas), contudo o facto de haver a possibilidade de nunca mais se poder ver o Rui Costa a jogar ao vivo era, para o OSP, um assunto da maior seriedade e importância. Merecia ser peticionado, apesar da esperança oferecida pelo Sport Lisboa e Saudade.

Agora, porém, o OSP já não fará a tal petição: primeiro, porque ela já circula por aí, e depois porque, no jogo com o Braga, o OSP viu, pela primeira vez, desespero preud’hommiano nos olhos do Rui Costa, aquela sensação de condenação a uma realidade menor do que aquela à qual se pertence. Todos os benfiquistas a conhecem, ou não a tivessem visto em tantas ocasiões nos cerúleos olhos metálicos do Preud’homme, que foram perdendo o cromo com o passar dos anos. Afinal, ele veio para o SLB aos 35 anos na esperança de grandes vitórias e de uma existência tranquila como guarda-redes de uma equipa grande, após uma carreira em clubes médios da Bélgica. Quando o Preud’homme chegou, porém, já o SLB estava em pleno declínio, e os próximos cinco anos só lhe renderam: 1) uma Taça de Portugal, 2) inúmeras presenças na linha de tiro em que se transformou, então, a baliza do SLB e 3) um sem-número de suplicantes olhares de desconsolo lançados na direcção do Bermúdez, do Jorge Soares, do Tahar e do Pedro Henriques.

E se o Rui Costa, com todo o seu benfiquismo, se sente assim, dentro de campo, a olhar para os marretas que andam por ali a correr vestidos de vermelho, o melhor mesmo é os benfiquistas deixarem-no ir e guardarem, num canto qualquer a que ninguém chegue, os apesar de tudo poucos momentos de prestidigitação que o Rui Costa lhes concedeu na Luz, sobretudo aquele jogo com o Parma; a esperança que ele lhes acalentou, à distância, ao longo de 12 anos; o ter tornado os jogos da selecção imperdíveis; o facto de terem passado a conhecer melhor a cidade única que é Florença; e a evidência de, quando no banco, ele nunca ter aplaudido um golo contra a sua equipa do coração marcado pela sua equipa em Itália.

Além do mais, o OSP está convencido de que só com o Rui Costa como director-desportivo alguma coisa pode mudar no SLB. Não é que o Luís Filipe Vieira não perceba nada de bola, é só que… não, ele não percebe mesmo nada de bola. Nadinha. Népia. Puto.

Como antigamente (wishful thinking)

O OSP cresceu a caminhar para a Luz em tardes de Domingos. Também se iniciou na álgebra, contando os golos do Benfica que, na altura, eram constantemente referidos no plural e atingiam dimensões próximas da meia dúzia.
Eram os tempos em que as equipas tremiam na Catedral, apesar do forte sol de inverno. Equipas que ostentavam, na sua maioria, o sufixo “ense”.

Farense, Portimonense, Campomaiorense, Tirsense e outras que um qualquer acordo ortográfico varreu completamente da agora Super Liga. Os seus jogadores, quando, quase por absurdo, conseguiam pontuar, eram apelidados de heróis. O OSP recorda um jogo em que o Tirsense (com o seu inevitável sufixo) conseguiu empatar a zero e o seu guarda-redes (um tal de Lúcio, se a memória está certa) saiu do campo em ombros.

A visita do Moreirense à Luz trouxe muita calma ao OSP. Voltavam, por um dia, os tempos em que a pergunta “Como é que ficou o Benfica?”, não duvidava do sinal da equação do jogo. Queria apenas a quantificação da vitória.
Também a não transmissão do jogo em nenhum canal de TV, cena tão abundante no passado como estranha hoje em dia, reforçou o cheiro do tempo antigo.
E quando o OSP foi verificar “Como é que ficou o Benfica?” lá estava um 2 no nosso lado e nada no outro. Como antigamente, parecia.
Aprofundando a informação, os saudosos 20 minutos à Benfica passaram para o fim. Fosse apenas essa a diferença. E quando na cabeça começaram a passar imagens do Bento, Pietra, Humberto, Alves, Chalana, Shéu… e no momento seguinte Luís Filipe, Zoro, Edcarlos, Nuno Assis… o OSP entendeu por bem agarrar no Almanaque do Benfica e recordar, jogo a jogo, toda a época de 1980/81. Antes de se fecharem, os olhos passavam pela vitória na Taça de Portugal ao Sacavenense. 4 a 0 e o sufixo "ense" encharcaram o sono de uma acalorada nostalgia.

(Benfica, 2 – Moreirense, 0)

28.2.08

Questões laterais de identidade

Antes de escrever sobre um jogo do SLB, a estratégia do OSP passa normalmente por ver os 90 minutos com concentração máxima (uma tarefa que esta época tem um teor de S&M impossível de menosprezar), à espera de um pormenor, qualquer coisa à margem, que seja motivador e sobre o qual se possa arrazoar. Quando algo assim acontece, para o OSP é sempre mais interessante do que as grandes tendências da temporada ou do que aquilo de que todos os jornais falam. À laia de exemplo – perfeitamente aleatório, claro –, um passe mal feito pelo Luís Filipe ou uma perda de bola do Luís Filipe não seriam relevantes para o OSP, visto que não podem exactamente ser descritos como marginais, antes sendo mainstream na carreira deste jogador; já se ele, correndo da direita para o meio, fintasse o lateral-esquerdo adversário, os dois centrais e um dos trincos, que viriam todos à dobra, simulasse que ia chutar para sentar o guarda-redes (o que faria por duas vezes) e depois marcasse, tal mereceria um ensaio de pelo menos 6000 palavras, cerca de 38 000 caracteres, no OSP.

Em relação ao jogo com o Braga, contudo, o OSP há muito que sabia qual o tema que iria abordar, se bem que na semana passada, como fosse um sonho, lhe tenha assomado à ideia a possibilidade de abordar o potencial choque de titãs entre o Miguelito e o Luís Filipe que iria ocorrer nas faixas laterais do relvado da Luz. Contudo, se o Manuel Machado cumpriu, já o Camacho não fez a vontade ao OSP e não pôs o Luís Filipe a jogar. Porquê, não se sabe, mas não é de descartar a possibilidade de o Camacho ter acordado com uma cabeça de cavalo na cama. O OSP, aguerrido defensor dos direitos dos animais, não o recomendaria, mas também sabe que a paciência dos benfiquistas tem limites.

Em virtude desse episódio de razoabilidade camachiana, vingou a ideia original do OSP: fazer uma homenagem a um jogador de que aprendeu a gostar desde que ele começou a jogar no SLB – a correr ao abandono, como uma flecha loira (por fazer madeixas), a pressionar todos os jogadores adversários, incluindo o guarda-redes, quando eles tinham a bola, ou a dar tudo por tudo, tudo o que tinha, enquanto espumava baba e ranho, na defesa não só da sua grande área, mas também de uma mística que o SLB em tempos teve –, que com muita pena viu sair e cuja carreira, sobretudo este ano, tem seguido com atenção. Principalmente por causa do jogador actualmente no SLB para cujo lugar ele foi contratado este ano pelo Braga.

No jogo de domingo, o João Pereira demorou dez minutos até tocar na bola pela primeira vez (o OSP, mercê de uma adolescência com demasiado tempo livre e marcada pelo seu pouco talento para a sociabilidade, dedica de facto a sua atenção a este tipo de coisas), mas foram, até ao momento, e no contexto desta época do SLB, os minutos que o OSP viveu com maior expectativa e intensidade.* Ao primo toque, porém, deu logo para ver quais as virtudes do João Pereira: simplicidade e – o que tanta falta faz ao SLB actual – vontade.

Quando ele começou a jogar no SLB, como um extremo-direito improvisado lançado pelo próprio Camacho – que no Real Madrid era também, e sobretudo, um jogador de vontade inquebrantável –, o OSP nunca deixou de se entusiasmar com aquele miúdo que, sendo de recursos físicos e futebolísticos limitados, simplesmente se recusava a que alguém trabalhasse mais que ele, se esforçasse mais, quisesse mais a bola. Em tempos, quem assim jogava, compensando a falta de talento com querença, podia mesmo chegar a figura do SLB (a linhagem vai pelo menos do Ângelo ao Veloso); hoje, com o clube perdido entre as obscuras vontades de dirigentes não benfiquistas, empresários com vontade de fazer negócio e treinadores umbiguistas, o João Pereira foi visto primeiro como um tapa-buracos (pelo Camacho), depois como dispensável (Koeman) e por fim como trocável pelo Luís Filipe (Luís Filipe Vieira). Novamente, só a infinita sabedoria do Trapattoni o soube aproveitar, pondo-a a jogar na sua posição, lateral-direito, onde ele é agora o jogador mais regular do Braga e não deixa nenhum extremo ou lateral-esquerdo passar por ele, com falta ou sem falta, como o Léo e o Di María podem atestar.

Que contraste com o Luís Filipe, esse grande Midas de extremos-esquerdos, ou não transformasse ele todo e qualquer um deles que apanha pela frente automaticamente no melhor jogador da sua equipa. Uma simples coincidência, sem dúvida, mas oh se verificável. Não é nada de se deitar fora, pois, este talento do Luís Filipe, e ele tem outros, nomeadamente o de ser um talentoso provocador instantâneo de olhólhólhólhólhólhós e o de ter sido capaz de fazer com que o OSP sentisse compaixão pelo Fernando Santos, que dispensou o Luís Filipe no Sporting apenas para ver o Luís Filipe Vieira comprá-lo para o seu plantel três anos depois. Esta terá sido mesmo a maior proeza do Luís Filipe.

Sempre se falou, se bem que seja uma afirmação que vem perdendo actualidade nos últimos anos (foram demasiados anos de Kings, Paredões, Rojas, Uribes, etc.), que há jogadores que não são para o SLB. Em relação ao Luís Filipe, o OSP assume que para si é doloroso vê-lo a jogar com aquela camisola, e já o era antes daquela falha de jogador do Inatel no segundo golo do Nuremberga. Aliás, para o OSP, o momento mais escandalosamente vulgar e vexaminosamente revelador do Luís Filipe este ano não foi este na Alemanha, foi antes aos 22 minutos do jogo em Setúbal para o campeonato (o OSP também os contou então), quando o Luís Filipe, com um adversário à frente, tentou driblá-lo para o lado direito com plena convicção, sem se aperceber de que estava somente a um metro da linha lateral. O OSP não brinca com coisas desta seriedade: na cara do Luís Filipe, na sua comprometida linguagem corporal, quando ouviu os apupos dos vitorianos, viu-se nitidamente que ele não sabia que a linha estava ali tão perto, e foi isso que o levou a fazer algo que não se costuma ver senão em jogos de escolas (até aos 10 anos de idade, portanto). Depois desta demonstração de sentido de orientação absolutamente chocante num tipo que não faz senão jogar futebol há pelo menos duas décadas, o facto de o Luís Filipe não ter feito puto de ideia de que o Saenko ia a correr atrás dele só pode pasmar os mais desatentos.

Perante tudo isto, o OSP ficou a saber que só a amizade entre o presidente do Benfica e o do Braga, um qualquer favor antigo por pagar ou a mistura empresários+comissões podiam ter permitido que o Luís Filipe não só viesse para o SLB, mas também que custasse 750 mil euros. E mais: que um jogador que faz tudo o que ele faz, mas bem, e que ainda por cima é benfiquista, não esteja hoje no SLB. Se dessem, ao OSP, o poder de decidir, aliás, ele trocava um pelo outro e deixava, grato, o Braga ficar com os 750 mil euros como gorjeta.

Como se sabe, o pouco apreço e a pouca atenção dados a quem é formado no SLB não são de agora, mas encontram expressão completa na dicotomia João Pereira-Luís Filipe: podendo ter um lateral-direito feito em casa, que sentia – e como sentia a camisola, que jogava com a raça do Domingos Sávio, que nunca se preocuparia se jogava ou se era suplente, estando apenas interessado em contribuir para a causa encarnada, o SLB preferiu emprestá-lo e mais tarde vendê-lo, e trazer para o seu lugar um jogador que não oferece, à equipa, metade do que ele oferecia, um jogador com mais talento, talvez, mas com muito menos nervo e coração. E, se derem ao OSP a escolha entre talento e coração num defesa, ele escolherá sempre o segundo. Sobretudo se for num jogador que gostava do SLB como o João Pereira, alguém que, até pelas suas limitações, é a verdadeira representação dos benfiquistas em campo, a materialização da vontade de jogar pelo SLB, alguém com quem todos aqueles que queriam jogar no clube, mas não tinham o engenho, se podiam identificar. Além do mais, depois daquilo com o Hugo Viana, os sportinguistas passaram a odiar de morte o João Pereira, e isso, para o OSP, é quanto baste.

A dicotomia supramencionada revela ainda, e de forma pornográfica, duas coisas: a péssima política do futebol do SLB e a diluição da identidade e da mística do clube – em relação a esta última premissa, aliás, há homens bem melhores que o OSP a dizerem isso mesmo. Para o João Pereira, para quem o SLB significava alguma coisa – porque ele cresceu lá, apanhava o autocarro em Campo de Ourique para ir treinar a Benfica, jogou derbys com o Sporting desde os 12 anos –, o amargor de ter sido tratado como foi é bem visível, mas acreditem que ele não jogou com a garra com que jogou no domingo por causa dessa sensação – não, ele joga sempre assim.

O Porto tem uma identidade, sobretudo baseada em jogadores com coração (os feios, porcos e maus identificados pelo Padinha) rodeados por três ou quatro craques, e como que roubou a mística ao SLB; o Sporting também tem identidade, só que neste caso assente em jogadores jovens formados no clube (o problema aqui é que os dirigentes do SCP têm sido tão inacreditavelmente maus ao longo dos anos que não sabem o que hão-de fazer com os áureos produtos de um sistema sobretudo criado pelos treinadores da formação e pela rede de olheiros do clube). O SLB, hoje em dia, o que tem? À primeira vista, além do exemplo vivo do que resta da mística que é o Rui Costa (que perdeu a época passada quase toda para ajudar a equipa a ganhar um jogo em casa com o Aves, no qual jogou lesionado), tem um capitão e um treinador que não se coíbem de elogiar o Porto e uma série de jogadores tantas vezes comprados em série que pouco sabem da história do clube. Sim, é mais ou menos isto. Só que aquilo de que o Nuno Gomes e o Camacho se esquecem é de que não têm de olhar para norte para verem como se faz: falem com o Humberto, com o Veloso, com o Álvaro. Melhor ainda: vejam-nos.

À luz do fastidioso facto de o Luís Filipe se estar ultimamente a transformar num dos seus objectos predilectos, o OSP promete que tudo fará para ignorar o jogador em questão daqui em diante, até porque já está enjoado dele… mas às vezes, claro, vai ser difícil, muito difícil… ignorar esse cepo, alguém que de forma tão óbvia mete o “anal” em “banal”.

* Na verdade, o OSP só se conseguiu interessar pelo jogo a partir dos 11 minutos porque passou os primeiros dez em choque, limitando-se a repetir, balbuciante de incredulidade e a balançar o corpo para trás e para diante: “O Camacho deixou o Maxi Pereira no banco, o Camacho deixou o Maxi Pereira no banco…” Escapou à maioria das pessoas que se tratou, em 2008, da possível abertura de um dos selos do Apocalipse.

(SLB, 1 - Braga, 1)

26.2.08

Homo Budisticus


No Porto o Lucho ou o Quaresma fazem falta, no Benfica é o Binya. O Benfica do Camacho é o Benfica que sente a falta do Binya. O do «aquele cujo nome não pode ser pronunciado» sentia a do Tavares. As melhorias existem, mas são um pouco para o residuais, não fosse o Binya ter braços à Diamantino. O Benfica do Camacho é o que dá nove minutos ao Di María e três ao Adu. E acha muito. O raio dos putos jogam bem à bola e isso é chato quando o que se quer é ver futevólei.

Ao contrário do que corre por aí Camacho, não está desmotivado, não revela a apatia de uma amiba, nem sequer a cobardia do cão da pradaria ante o coiote. O Camacho está a fazer um belo trabalho para ir para a selecção espanhola. Ele está sempre a ver o que há em Espanha para se escapulir da Luz, onde vem ganhar uns cobres quando está entre empregos. Lançamos um esquizofrénico alerta para o desespero do pobre Camacho. Consta que ele não entende, que se esforça tanto para que as coisas corram mal e o libertem de futuros compromissos, e ninguém lhe dá a carta de alforria.

O osp está a ter déjà vus. E o osp é particularmente sensíveis a déjà vus que envolvem criaturas que andam aos caídos pelo mundo em busca de biscates, tendo no rosto um carro-vassoura incorporado. Nos tempos de «aquele cujo nome não pode ser pronunciado» jogávamos à Camacho: três trincos, jogadores de posições trocadas, à defesa contra equipas do nível do Carcavelhinhos, amantes no campo (ninguém me tira da cabeça que entre o Nelo e ele havia qualquer coisinha), etc.

Mas nem tudo é banal. Camacho é um homem de milagres, de grandes milagres. Só um milagreiro faria os benfiquistas terem saudades do Fernando Santos. Bem, talvez saudades seja um pouco forte, menos pena talvez, um pouco mais de compreensão. O Camacho está empenhado em fazer de todos os benfiquistas budistas, que em vez do «om» que antecipa o nirvana murmuram um «epá, afinal o gajo não era assim tão mau». O Camacho fez mais pelo budismo em Portugal do que o Amado ao não receber o Dalai Lama.


[ Nuremberga 2 - Benfica 2 ]

22.2.08

Kick and Stroll

A globalização rodeou-nos de janelas com vistas privilegiadas do que antigamente só descobríamos em bibliotecas ou em memórias de gente viajada.
E as janelas ganharam trincos fáceis de desbloquear, com o levantamento gradual de barreiras – legais e financeiras – que permite a milhões misturarem-se com as diferenças.
No futebol a globalização foi galopante. A outrora rigidez nacionalista, com uma limitação aos toques na bola por jogadores de outros países, foi arrasada por um jogador belga, de quem ninguém recorda um golo que seja, mas cuja teimosia deu nome a uma lei.
Bosman deu, então, início à mistura. A palete de cores, outrora de cores tão distintas, viu-se escorrida e misturou as cores vivas da América do Sul e de África com os cinzentos do Norte da Europa.
Perdeu-se a diversidade, desarrumaram-se os estilos. A frieza alemã, a racionalidade holandesa, a esperteza belga e o kick and rush britânico, e o seu sucesso, morreram nos braços da globalização. Corrijo: o sucesso nunca se aplicou ao kick and rush.
Esta forma de empurrar a bola para a baliza, a mais próxima da génese do futebol, proporcionava batalhas gloriosas, mas escassos sucessos.
Na Europa, uma ou outra taça secundária, a última das quais do fabuloso exército do Everton de Southall, Reid e Gray. Convém não se deixarem confundir com o domínio absoluto do futebol inglês entre o final da década de 70 e a tragédia de Heysel Park. Tanto o Nottingham Forest, como, principalmente, o Liverpool, colocaram de forma bem vincada o pass e o dribble antes do kick, mantendo o rush, e apresentando, como natural consequência ou, melhor, motivo, um lote de fabulosos jogadores (Keegan, Dalglish, Souness, entre muitos mais), que inventaram vários dos movimentos hoje em dia tão banais, como as tão frequentemente referidas pelos comentadores diagonais.
O kick and rush só se encontra hoje nas divisões secundárias inglesas e nas fraquinhas divisões dos restantes países britânicos. E, inesperadamente, em Portugal. Sim, e no Benfica.

Não há memória recente de uma contratação tão necessária a um estilo de jogo como a de Makukula. O distribuidor de jogo do Benfica, Quim, encontrava em Cardozo um receptor insuficiente para os seus lançamentos constantes. Makukula dá, sem quaisquer ironias, consistência ao Benfica de Camacho.

Sendo rigoroso, no Benfica não se verifica um verdadeiro kick and rush, porque falta um rush mais global, alguém que acompanhe o Binya e o Rodriguez. Com as passadas mais calmas de Assis, Maxi, Katsouranis e Petit, temos, na verdade, uma versão mais calma, um kick and stroll.

Tal está esta relíquia britânica já enraizada no Benfica 2008 que o golo nasceu de um típico lance de televisão a preto e branco da década de 70: lançamento longo de linha lateral, cabeceamento para trás para novo cabeceamento para a baliza.
E a simetria continuou com o Benfica Football Club com imensas dificuldades perante uma equipa que jogava à latina, trocando a bola de pé para pé.
Mas lá veio o homem que pura e simplesmente estraga tudo, que destrói em meia dúzia de minutos um esquema de jogo coerente. Rui Costa, com aquela sua mania de andar com a bola no pé e de passar – imaginem! – bolas rasteiras por entre os defesas adversários já habituados a ter sempre os olhos no ar, quebrou a lógica do jogo, e o Benfica, por um brevíssimo momento, voltou a ser o SLB e a marcar um golo com base numa jogada com vários passes e apenas um kick (o do golo).

Urge, assim, encostar Rui Costa no banco e deixar o Quim com os seus Makukula e Cardozo. The Kick and Stroll must go on.


(Naval 0, - SLB, 2)

17.2.08

A verdade é que ver um jogo inteiro do SLB é mais chato do que uma retrospectiva do Manoel de Oliveira na Cinemateca

Não é fácil vir aqui ao Estádio da Luz e colocar o Benfica a fazer antijogo e com medo do Feirense. Luís Miguel, treinador do Feirense, 19.01.2008

Na primeira parte, jogámos como em casa. Thomas von Heesen, treinador do Nuremberga, 14.02.2008

Uma das locuções, não!, uma das instituições do futebol que o Obrigadosápinto mais aprecia é o “olhólhólhólhólhólhó”. Toda a gente a conhece, aquela consoante palatal lateral repetida vezes sem conta (no mínimo seis), quando uma jogada perigosa ou mesmo de potencial desastre para uma equipa se desenrola pouco a pouco perante os olhos dos seus adeptos. Para prover esta afirmação com exemplos práticos, aqui ficam dois, adaptados à realidade do SLB e perfeitamente aleatórios: “Olhólhólhólhólhólhó, que o Luisão passou a bola ao Luís Filipe” e “Olhólhólhólhólhólhó, que o extremo-esquerdo dos gajos está a ir para cima do Luís Filipe”.

O olhólhólhólhólhólhó, pelo menos no espírito do Obrigadosápinto, é, pelo seu carácter institucional, algo de precioso, faz, tal como uma entrevista-relâmpago do Jorge Jesus, parte da cultura seminal do futebol e, como todas as coisas preciosas e seminais, não deve ser desperdiçado, não é para ser derramado on the dusty ground. Hoje em dia, contudo, assiste-se a uma verdadeira praga de olhólhólhólhólhólhós no Estádio da Luz, olhólhólhólhólhólhós esses que, nos últimos 15 minutos de jogo, são exclusivamente estribilhados por adeptos do SLB.

Como é que isto aconteceu? Desde quando é que o SLB tem de acabar os jogos aflitinho a defender o 1-0? Desde quando é que o SLB tem de acabar os jogos aflitinho a defender o 1-0 contra o Feirense e o Nuremberga? E o problema maior disto tudo é que se perdeu completamente o carácter, a exclusividade do olhólhólhólhólhólhó: ele costumava estar reservado para jogos com grandes equipas com grandes jogadores (o Kostadinov continua a ser provavelmente o maior olhólhólhólhólhólhó que o Obrigadosápinto já viu na Luz: bastava ele relancear a bola ou o Fernando Mendes para um murmurinho temeroso nascer nas bancadas), mas agora quaisquer badamecos chegam à Luz e induzem-no. Pior, depois de verem o SLB a jogar na televisão, e num sinal de enorme falta de respeito, começam mesmo a pensar em induzir os olhólhólhólhólhólhós vários dias antes do jogo, apesar de, por uma questão de pundonor, dizerem o contrário nas conferências de imprensa. Como as coisas mudaram: neste momento, já todos sabem que o SLB vai nu.

Muito, claro, é culpa própria: seja na Taça de Portugal com o 12.º classificado da II Liga, seja na Taça UEFA com o antepenúltimo da Bundesliga, o SLB faz com que qualquer equipazeca (com ofensa) entre no seu estádio e, qual convidado abusador, de imediato comece a mexer em tudo como se fosse seu: desarrumam-se livros, vai-se ao frigorífico sem pedir, fazem-se perguntas sobre as fotografias de família, não se descalçam os sapatos enlameados. E o que é que a equipa do SLB faz? Rigorosamente nada: porta-se como uma excelente anfitriã, sempre com um sorriso, recusa-se a impor as regras da sua casa, e no fim os treinadores das outras equipas ainda dizem mal da comida. É a indignidade. É o mesmo que o Pedro Paixão sair de casa do Hemingway a dizer que a escrita dele é estereotipada.

Em tempos, todo o jogo na Luz começava com 15 minutos à SLB™, mas a equipa actual já se mostrou incapaz até de pôr o Celtic em sentido; o que interessa é que os adversários estejam confortáveis. Como a totalidade dos benfiquistas, contudo, o Obrigadosápinto está farto de que a equipa do SLB se comporte como uma sr.ª Dalloway cuja sanidade depende de os convidados se sentirem bem em sua casa, está farto de que o último quarto de hora de jogos com Feirenses e Nurembergas consista em sucessivos olhólhólhólhólhólhós. Há que acabar com este complexo dos 15 minutos à Feirense™.

Sendo progressista, o Obrigadosápinto confessa-se, não obstante, conservador em alguns aspectos, por isso lembra-se do velho Estádio da Luz com algum saudosismo. Sobretudo, e de olhos embaciados, lembra-se das equipas do SLB que lá jogavam. Até porque ainda não era nascido, o Obrigadosápinto não está a falar da década de 1960, e nem é preciso: basta lembrar o princípio da de 1990, quando o SLB ainda era a segunda equipa com maior número de pontos na história da Taça dos Campeões Europeus e o Michael Laudrup veio jogar à Luz pelo Barcelona e disse que o SLB era a melhor equipa que alguma vez tinha visto. As equipas adversárias respeitavam a “Catedral”, mas o SLB deixou de exigir esse respeito. Já nem o Luís Miguel o oferece agora.

Costumava ser, até, que os jogos da UEFA fossem, para os benfiquistas, um refrigério de desilusões internas. Estimulado pelo seu sangue azul e aproveitando uma recente efeméride relativa à realeza, ao Obrigadosápinto até apetece dizer que, para o SLB, sair de Portugal era a oportunidade de, pelo menos por momentos, ir para longe da piolheira. Na verdade, tirando alguns jogos com o Liverpool na década de 1980, o SLB fazia sempre boa figura na Europa, estava entre pares. Era verdadeiramente parte da aristocracia europeia.

No Estádio da Luz, então, era tão bom como as grandes equipas estrangeiras que lá iam jogar: Arsenal, Juventus, Parma, Barcelona, ninguém vinha cá e parecia ser de outra galáctica.

Até que um dia, num previsível repente, tudo mudou, e o Obrigadosápinto estava lá, inclusive, quando a viragem se deu. Foi em 1999/2000, numa noite de chuva: num jogo com o Dínamo de Bucareste, o SLB perdia por 1-0, e o jogador que saiu do banco para inculcar o medo de Deus no coração dos romenos foi o Tote. Como é que, a partir daqui, o SLB podia aspirar à respeitabilidade europeia? (Dois meses depois, como que a confirmar essa ideia, o Obrigadosápinto ouviu dizer que aconteceu qualquer coisa em Vigo.)

A sofisticação aristocrática que o SLB tinha na Europa já não passa, assim, de uma memória, mas condicionou de tal maneira o jovem Obrigadosápinto que o adulto Obrigadosápinto ainda espera que ela surja a qualquer momento. Contudo, os valores são agora outros, o mundo é diferente, e as certezas estruturalistas já de nada valem a um benfiquista como o Obrigadosápinto. Chegou talvez a altura, pois, de ele abraçar o pós-modernismo.

Sem recorrer a metanarrativas, há que aceitar as coisas como elas são e ver que, presentemente, o SLB da UEFA joga mais ou menos o que joga o de Portugal: pouco, sem qualquer estro e, ao que parece a um observador exterior como o Obrigadosápinto, com muito pouca vontade. Mais que perdidos, os jogadores parecem francamente aborrecidos em campo, e, por muitas voltas que se dê, não se podem fazer somente dois remates à baliza num jogo em casa com o Nuremberga, uma equipa cujo Angst actual é de tal ordem que a sua esperança de salvação da época foi depositada na contratação de um ponta-de-lança com 34 anos, os joelhos de um membro da gerúsia e a mobilidade de uma arca de mogno. A marcá-lo, o Luisão até parecia o Mozer, e ao menos esse flashback foi consolador para o Obrigadosápinto.

(SLB, 1 – Nuremberga, 0)

Quase tão feio quanto o jogo do Benfica

11.2.08

Amancebados e tácticas

O ilustre táctico que orienta o Benfica deu finalmente a mão à palmatória. Jogos atrás de jogos optou por colocar em campo uma estratégia brilhante, que apenas toda a gente não entendia:

dez jogadores atrás da linha do meio campo e o primeiro a recuperar a bola (necessariamente fruto de um erro adversário) pontapeava-a para a frente na esperança que o Cardozo a recebesse entre 7 adversários, aguentasse os pontapés à Bruce Lee (não assinalados) de 4 deles, um puxão na camisola de 2 e uma festinha no rabo do outro; depois de aguentar as sevícias por 2m e 33s aparecia um segundo jogador (quase sempre o Rui Costa, na sua passada larga) para dar o necessário apoio. Camacho provou que é um táctico lúcido e avesso a teimosias. Logo ao 34º jogo percebeu que talvez não fosse a melhor forma de Salir a ganar, e inovou!

A inédita táctica passava agora por ter dez jogadores atrás da linha do meio campo e o primeiro a recuperar a bola (necessariamente fruto de um erro adversário) pontapeava-a para a frente na esperança que o Makukula a recebesse entre 7 adversários, aguentasse os pontapés à Bruce Lee (não assinalados) de 4 deles, um puxão na camisola de 2 e uma festinha no rabo do outro; depois de aguentar as sevícias por 2m e 33s aparecia um segundo jogador (quase sempre o Rui Costa, na sua passada larga) para dar o necessário apoio. Brilhante!

A capacidade de adaptação deste nosso estratega é quase tão boa quanto a de Nuno Assis, um jogador talhado para jogar em qualquer posição, excepto naquela em que as suas características teriam melhor uso. Parece destinado, aliás, a ser um brilhante médio-direito. A sua capacidade de aceleração não engana!

Contudo, o seu brilhantismo não fica por aí, não pensem! O Zé Tó, depois de uma noite de galdeirice com seu amante, optou por pô-lo a jogar a médio defensivo. Aí sim, fez toda a diferença! Principalmente porque não deixou o lado direito do Benfica coxo.

O que seguramente o Zé Tó não quer é pô-lo a jogar a ponta-de-lança (e o Maxi até já lho pediu); ter-lhe-á respondido: «del miodo que yo piongo el equipa a jogar jamás jugariás a delantero. Hasta puedes juguiar a portero pero a delantero jamás, que iesse rabinho es solo mío!


[ Benfica 4 - Paços de Ferreira 1 ]

Bruto pé esquerdo

Quando o Cardozo marca um penalty, a bola só vai àquela velocidade porque está a fugir com medo de levar outro pontapé dele.

7.2.08

El Cid

Já se sabia que o Maxi Pereira, sem dúvida um bom lateral-direito, era o jogador preferido do Camacho no plantel (talvez em todos os plantéis do mundo) e que só não joga se um dia rasgar totalmente o ligamento poplíteo arqueado, mesmo aí não havendo certezas. O que se tornou agora claro é que, depois de ele ter tido permissão para fazer de Rui Costa na segunda parte do jogo com o Nacional – i.e. jogando com liberdade para aparecer onde queria –, há aqui outros factores em jogo, na forma de uma man crush absolutamente indissimulável.


Os pensamentos e as preces do Obrigadosápinto estão, neste momento, com a sra. de José Antonio Camacho e com as provas documentais que ela descobrirá no portátil do marido um dia destes.

6.2.08

Golpes de pancrácio obrigadosápínticos (MCMV)

"Trabalhei com Camacho durante um ano e meio e, na minha opinião, há algum défice de qualidade de treino. Camacho é mais um treinador intuitivo do que académico. E julgo que é perceptível que, no futebol do Benfica, há um défice de organização e de modelo de jogo. A equipa joga em função da inspiração de cada jogador e não de um modelo concreto. Parece que a equipa não sabe o que fazer com a bola quando a tem", António Simões in Público

O nosso Quaresma

Quaresma definido em três linhas:
- É imprevisível
- Muitos golos nascem pelo seu flanco
- É assobiado pelos adeptos da sua equipa
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......
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Luís Filipe definido em três linhas:
- É imprevisível
- Muitos golos nascem pelo seu flanco
- É assobiado pelos adeptos da sua equipa

Já só nos falta um Lucho Gonzalez.

3.2.08

A simplicidade de Camacho

Uma das virtudes apontadas a Camacho é o seu discurso simples. No Obrigadosápinto, navegam almas que integram gerações traumatizadas pelos “se quiser”, “coisas bonitas”, “jogadores escondidos” e outras expressões de Artur Jorge, que ainda hoje nos irritam a pele, pelo que um discurso simples é, se não estimulante, pelo menos reconfortante.
Mas a simplicidade de qualquer discurso só encontra verdadeiro mérito se a realidade a que ele se refere for complexa.
Carlos Lopes, após vencer uma maratona, apontou como motivo para a vitória correr mais do que os outros. Mas nós sabíamos que o caminho até a meta estava cheio de táctica, de contenção em determinados momentos e aceleração noutros.
No caso de Camacho, quando ele aponta invariavelmente a não marcação de golos como motivo exclusivo de não somar mais três pontos, ele retrata fielmente a forma como aborda os jogos. Escolhe 11 e a bola entra (como em Guimarães) ou não entra (como ontem, ou contra o Leixões ou contra o Porto ou nos outros jogos que a nossa memória já começa a repelir).

Um jogo com 22 jogadores aos pontapés numa bola, num terreno de 100 por 60 metros, gera um sem número de variáveis. O papel de um treinador é o de aproximar várias dessas variáveis a constantes. E isso começa com a escolha dos jogadores.

Quando se faz alinhar um Luís Filipe, a aleatoriedade do jogo dispara. Quando, por infortúnio, Luís Filipe agarra na bola, ninguém sabe onde a bola vai parar, a começar por ele próprio. “Vou passar a bola ao Maxi”, pensa ele, e lá vai a bola para o Petit (na melhor das hipóteses) ou para um adversário (na maior parte das vezes).
Outro aspecto também estranho a Camacho, é o das saídas para o ataque. Rui Costa, ainda na Fiorentina, retratava as horas semanais que passavam só a treinar este aspecto. Com Camacho, este aspecto é despachado de forma simples (lá está novamente o “simples”): dá-se a bola ao Quim e a transição para o ataque fica feita com um charuto para o outro lado.

O problema não está na meta (nos golos) mas no que (não) se faz durante a corrida. O facto é que, como se comprovou ontem, o futebol da equipa de Camacho é tão imprevisível como uma eleição para secretário-geral do PCP.E na Luz já se vota de braço no ar. Só que agitando lenços brancos.


(Benfica 0 – Nacional 0)

O triste regresso do OQEQOAJFNS

Aos 68 minutos, o SLB está ainda empatado em casa (0-0) com o nono classificado, de um campeonato de 16 equipas. OQEQOAJFNS? Tirava o lateral-direito adaptado a lateral-esquerdo para meter um lateral-esquerdo. Além disso (para esfregar sal na ferida), deixava em campo um lateral-direito que faz qualquer extremo-esquerdo parecer o Rivelino e cujos cruzamentos de merda atraem repetidamente os cortes dos defesas adversários, como se fossem moscas.

2.2.08

"O Silvino não tem de provar nada a ninguém" / "Toda a gente conhece o Silvino" / "Toda a gente sabe do que o Silvino é capaz"

Esta é, nos últimos oito dias, a segunda referência aqui feita a um jogador do Sporting, pelo que o Obrigadosápinto está a ficar com comichões e a sentir necessidade de tomar um prolongado duche.

Antes, contudo, não pode senão confessar-se nostálgico depois de ler esta muito curta entrevista do novo Ronaldinh do Celsinho, na qual ele se refere a si próprio na terceira pessoa por cinco vezes. Extraordinário. Talvez quase-histórico.

É que o Obrigadosápinto tem uma predilecção por atletas que falam de si próprios na terceira pessoa – no que é uma espécie de singular majestático –, e desde os tempos de Silvino Louro que não via alguém fazê-lo com tamanha convicção.

Agora o Obrigadosápinto pôs-se a pensar que se calhar é essa ausência de transpessoalidade no plantel que tem andado a lixar o SLB na última dúzia de anos. Isto enquanto o Silvino andou a ser campeão no Porto, a chutar bolas na direcção do a treinar o Petr Cech e a ser visita da casa londrina do Baltemar Brito, que por sua vez era no prédio da Monica Bellucci. A verdade, então, é que o Silvino é um vencedor, e o SLB devia ter sempre um jogador que seja capaz de ser actor e espectador de si mesmo em campo. O Luisão, em média, só fala de si na terceira pessoa duas vezes por conferência de imprensa completa. Não chega.

O Obrigadosápinto vai agora pôr a água do duche a correr.

1.2.08

Tomas o comprimido vermelho e ficas no País das Maravilhas

O amor à primeira vista não é mais que uma fantasia a que homens e mulheres se agarram ao fim de décadas de casamento, a recordação já desfocada do/a amigo/a da meninez, da paixão de Verão, do/a colega de faculdade, que surge como um consolo em meio ao gris da prática conjugal diária. O Obrigadosápinto não acredita em grandes começos.

Um exemplo: quando, ainda um jovem, viu o Matrix no cinema, o Obrigadosápinto pensou que estava a testemunhar em primeira mão um dos maiores filmes jamais feitos, que juntava de forma culta, mas não pedante, as tendências nerds do Obrigadosápinto e a sua fascinação por filmes de porrada. Era, ao mesmo tempo, um grande filme e um ganda filme. Ao ver aquela mistura de Baudrillard e Capitão Marvel, de angústia do capitalismo tardio e kung fu, o Obrigadosápinto deu por bem empregues aquelas tardes passadas a ler gibis da Editora Abril. Foi um grande começo.

O Reloaded e o Revolutions, contudo, meteram as coisas no devido lugar: os Wachowskis eram sobretudo tipos com problemas de sociabilidade que, quando a ideia boa que tiveram se esgotou, foram aumentando as explosões e as cenas de pancadaria à medida que as especulações pseudofilosóficas das personagens acerca da natureza da realidade se iam tornando mais caricatas e dolorosas de ouvir. A rave gigantesca em Zion, uma discoteca de escala citadina onde toda a gente dança num uníssono suado, só podia ter saído da cabeça de dois homens que, na adolescência, se entregaram de forma consistente, metódica e dedicada à quiromania.

No futebol, é a mesma coisa (no que diz respeito aos começos, não à quiromania). O que são, afinal, o Padinha e o Tó Portela, para usar dois românticos exemplos bem próximos, senão bons começos que nunca tiveram continuidade? Parece, ao Obrigadosápinto, que pode haver nisto uma lição de vida. Às vezes, talvez seja melhor começar devagar, ir mostrando um pouco e depois tirar finalmente as vestes, mas com decoro. É possível que o mostrar demasiado demasiado depressa extinga rapidamente a chama. Há aqui, de facto, uma moral.

Para o Obrigadosápinto, o Di María é, quer no SLB, quer em qualquer outra equipa cujos jogos sejam regularmente transmitidos pela Sport TV, o jogador com mais potencial, o mais excitante, o mais impossível de classificar, aquele no qual a bola mais parece, não uma extensão do próprio corpo, não um objecto de trabalho, mas sim um brinquedo. O Di María não é um Quaresma, que, ao contrário do que parece, é um produto de mecanização, alguém que treinou milhares de vezes a trivela e a finta com o calcanhar para o interior do campo, quando parece que vai para a linha final; só após um cuidado programa de dopagem poderia ser uma maravilha física como o Cristiano Ronaldo, e nunca terá a sua altura ou ossatura; não é um decalque como o Messi, alguém cujo futuro já existiu no passado; não é um gingão já espartilhado num sistema e numa táctica europeus como o Robinho.

O Di María é diferente de todos eles, porque, em qualquer jogo, parece que acabou de sair do seu primeiro treino organizado nos iniciados, no qual passou metade do tempo a recrear-se com a bola, sem ouvir o que o treinador dizia; é diferente porque nunca se faz a mínima ideia (ele próprio certamente não fará) do que sairá daqueles pés, quando eles pegam na bola. Em 75% dos casos, o Di María perde-a de maneira tão estupidamente infantil que dá vontade de espancá-lo num beco escuro (como, na escola, o Obrigadosápinto gostava de ter feito, mas nunca fez, àqueles miúdos que não passavam a bola a ninguém), mas há tanta recompensa naqueles 25%, tanto potencial, que a seguir dá vontade de cobri-lo de beijos. Gordos. O que ele tem não se treina – aliás, é bem possível que o treino dê cabo daquilo que ele tem. Aquilo só se brinca.

O futebol dele é excitante também por ser perigoso, sobremaneira por isso, se calhar. É uma certeza que ele vai perder uma ou outra bola à entrada da área que até pode (vai) dar golo à equipa adversária, e não faltará quem apareça então a falar da imaturidade do Di María, do quando é que ele se tornará finalmente um jogador de equipa. Por cada vez que isso suceda, porém, há sempre a possibilidade, por remota que seja, de que aconteça algo como o que aconteceu no sábado.

O miúdo é imprevisível, e o seu ar desconjuntado, aquela maneira de correr eléctrica, os pés para o lado, o ele não saber jogar em affetuoso (vê-se que quer ir para a baliza assim que recebe a bola, nem que seja à saída da sua própria grande área), só aumentam o encantamento de o ver com a bola nos pés. Todos os defesas do mundo hão-de saber, um dia, que o Di María pára apenas por milissegundos antes de, ao melhor estilo matrixiano, acelerar para a baliza, porque ele só sabe jogar para a frente. Ao seu lado, atrás de si, biting his dust, como agentes Smith, todos os adversários e companheiros parecem estar parados. O Di María pode ser o Neo não só do SLB, mas de todo o futebol, o escolhido para derrubar um desporto-rei (há muito que o Obrigadosápinto queria escrever “desporto-rei”) cada vez mais sistematizado, mais robotizado e mais artificialmente glossy. (Durante a sua passagem por Portugal, talvez o Di María até consiga derrubar o totalitarismo socrático, ou inspirar uma geração de portugueses, futebolistas e não só, a fazê-lo.)

É sempre esta, no fundo, a tensão que existe no futebol, que aqui se realiza, num daqueles momentos de clareza, como maravilhosa metáfora da existência: a tensão entre o instinto e a razão, entre o improvisado e o mil vezes treinado, entre a individualidade e o colectivo, entre o liberalismo e o comunismo. Se o Maradona tivesse sido treinado pelo Mourinho, tinha gramado muito banco e muita conferência de imprensa do treinador a acusá-lo de ser um mau profissional por passar os treinos a dar toques malabares na bola (em vez de treinar a 80% da intensidade de um jogo, é claro) e por não correr atrás dos adversários depois de a perder; pelo Obrigadosápinto, o Di María bem pode não fazer a compensação às subidas do lateral-esquerdo umas quantas vezes por jogo. Quanto pode o indivíduo ousar sem comprometer a ordem social à sua volta? Questões interessantes, o Di María põe-nos.

A expectativa que houve, ao princípio, em redor do Di María não se deveu necessariamente ao facto de os benfiquistas saberem que era ele quem vinha para o SLB; foi mais por vir para cá um jogador canhoto argentino de 19 anos. Esta premissa já arquetípica tem tantas conotações que nem vale a pena aprofundá-la. Contudo, passada aquela expectativa do novo, depressa os benfiquistas se começaram a irritar com o individualismo, as perdas de bola, as fintas sem sentido, a irregularidade. Ao vivo, na Luz, aquele entusiasmo inaugural (de quem estica os lábios e aspira ar pela boca) pelo Di María começou a dar lugar a um burburinho de desaprovação (de quem sussurra para o espectador do lado) sempre que ele perdia uma bola ou falhava um passe. De maneira que, para o Di María, não foi chegar e conquistar, como aconteceu ao Rodríguez, que tem tanto de criativo como de objectivo. O começo do Di María no SLB foi, desta forma, e tomando em consideração tudo o que o rodeou desde que chegou, um mau começo, mas com aquele ocasional levantar do véu que vale o preço de 25 bilhetes para a bancada central.

E ainda bem que o Di María começou mal no SLB; não só porque pode (vai) acabar bem, mas também porque, enquanto isso não acontece, vai fazendo o Obrigadosápinto devanear com o que poderá ser. O futebol, afinal, ainda é sobretudo projecção, sobretudo promessa, é ver seis jogos num só fim-de-semana e arriscar a felicidade conjugal na expectativa de ver um golo ou uma finta que nunca mais se esquecerá. Para um benfiquista, nestes últimos anos, ver futebol é, mais do que expectativa, pura esperança, e, para quem ainda gosta do futebol primordial, do prazer de ver alguém tentar que os seus pés façam alguma coisa de insólito com a bola, por estes dias felizmente há o Di María e a Taça das Nações Africanas.