Não é fácil vir aqui ao Estádio da Luz e colocar o Benfica a fazer antijogo e com medo do Feirense.
Uma das locuções, não!, uma das instituições do futebol que o Obrigadosápinto mais aprecia é o “olhólhólhólhólhólhó”. Toda a gente a conhece, aquela consoante palatal lateral repetida vezes sem conta (no mínimo seis), quando uma jogada perigosa ou mesmo de potencial desastre para uma equipa se desenrola pouco a pouco perante os olhos dos seus adeptos. Para prover esta afirmação com exemplos práticos, aqui ficam dois, adaptados à realidade do SLB e perfeitamente aleatórios: “Olhólhólhólhólhólhó, que o Luisão passou a bola ao Luís Filipe” e “Olhólhólhólhólhólhó, que o extremo-esquerdo dos gajos está a ir para cima do Luís Filipe”.
O olhólhólhólhólhólhó, pelo menos no espírito do Obrigadosápinto, é, pelo seu carácter institucional, algo de precioso, faz, tal como uma entrevista-relâmpago do Jorge Jesus, parte da cultura seminal do futebol e, como todas as coisas preciosas e seminais, não deve ser desperdiçado, não é para ser derramado on the dusty ground. Hoje em dia, contudo, assiste-se a uma verdadeira praga de olhólhólhólhólhólhós no Estádio da Luz, olhólhólhólhólhólhós esses que, nos últimos 15 minutos de jogo, são exclusivamente estribilhados por adeptos do SLB.
Como é que isto aconteceu? Desde quando é que o SLB tem de acabar os jogos aflitinho a defender o 1-0? Desde quando é que o SLB tem de acabar os jogos aflitinho a defender o 1-0 contra o Feirense e o Nuremberga? E o problema maior disto tudo é que se perdeu completamente o carácter, a exclusividade do olhólhólhólhólhólhó: ele costumava estar reservado para jogos com grandes equipas com grandes jogadores (o Kostadinov continua a ser provavelmente o maior olhólhólhólhólhólhó que o Obrigadosápinto já viu na Luz: bastava ele relancear a bola ou o Fernando Mendes para um murmurinho temeroso nascer nas bancadas), mas agora quaisquer badamecos chegam à Luz e induzem-no. Pior, depois de verem o SLB a jogar na televisão, e num sinal de enorme falta de respeito, começam mesmo a pensar em induzir os olhólhólhólhólhólhós vários dias antes do jogo, apesar de, por uma questão de pundonor, dizerem o contrário nas conferências de imprensa. Como as coisas mudaram: neste momento, já todos sabem que o SLB vai nu.
Muito, claro, é culpa própria: seja na Taça de Portugal com o 12.º classificado da II Liga, seja na Taça UEFA com o antepenúltimo da Bundesliga, o SLB faz com que qualquer equipazeca (com ofensa) entre no seu estádio e, qual convidado abusador, de imediato comece a mexer em tudo como se fosse seu: desarrumam-se livros, vai-se ao frigorífico sem pedir, fazem-se perguntas sobre as fotografias de família, não se descalçam os sapatos enlameados. E o que é que a equipa do SLB faz? Rigorosamente nada: porta-se como uma excelente anfitriã, sempre com um sorriso, recusa-se a impor as regras da sua casa, e no fim os treinadores das outras equipas ainda dizem mal da comida. É a indignidade. É o mesmo que o Pedro Paixão sair de casa do Hemingway a dizer que a escrita dele é estereotipada.
Em tempos, todo o jogo na Luz começava com 15 minutos à SLB™, mas a equipa actual já se mostrou incapaz até de pôr o Celtic em sentido; o que interessa é que os adversários estejam confortáveis. Como a totalidade dos benfiquistas, contudo, o Obrigadosápinto está farto de que a equipa do SLB se comporte como uma sr.ª Dalloway cuja sanidade depende de os convidados se sentirem bem em sua casa, está farto de que o último quarto de hora de jogos com Feirenses e Nurembergas consista em sucessivos olhólhólhólhólhólhós. Há que acabar com este complexo dos 15 minutos à Feirense™.
No Estádio da Luz, então, era tão bom como as grandes equipas estrangeiras que lá iam jogar: Arsenal, Juventus, Parma, Barcelona, ninguém vinha cá e parecia ser de outra galáctica.
Até que um dia, num previsível repente, tudo mudou, e o Obrigadosápinto estava lá, inclusive, quando a viragem se deu. Foi em 1999/2000, numa noite de chuva: num jogo com o Dínamo de Bucareste, o SLB perdia por 1-0, e o jogador que saiu do banco para inculcar o medo de Deus no coração dos romenos foi o Tote. Como é que, a partir daqui, o SLB podia aspirar à respeitabilidade europeia? (Dois meses depois, como que a confirmar essa ideia, o Obrigadosápinto ouviu dizer que aconteceu qualquer coisa em Vigo.)
(SLB, 1 – Nuremberga, 0)
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