22.2.08

Kick and Stroll

A globalização rodeou-nos de janelas com vistas privilegiadas do que antigamente só descobríamos em bibliotecas ou em memórias de gente viajada.
E as janelas ganharam trincos fáceis de desbloquear, com o levantamento gradual de barreiras – legais e financeiras – que permite a milhões misturarem-se com as diferenças.
No futebol a globalização foi galopante. A outrora rigidez nacionalista, com uma limitação aos toques na bola por jogadores de outros países, foi arrasada por um jogador belga, de quem ninguém recorda um golo que seja, mas cuja teimosia deu nome a uma lei.
Bosman deu, então, início à mistura. A palete de cores, outrora de cores tão distintas, viu-se escorrida e misturou as cores vivas da América do Sul e de África com os cinzentos do Norte da Europa.
Perdeu-se a diversidade, desarrumaram-se os estilos. A frieza alemã, a racionalidade holandesa, a esperteza belga e o kick and rush britânico, e o seu sucesso, morreram nos braços da globalização. Corrijo: o sucesso nunca se aplicou ao kick and rush.
Esta forma de empurrar a bola para a baliza, a mais próxima da génese do futebol, proporcionava batalhas gloriosas, mas escassos sucessos.
Na Europa, uma ou outra taça secundária, a última das quais do fabuloso exército do Everton de Southall, Reid e Gray. Convém não se deixarem confundir com o domínio absoluto do futebol inglês entre o final da década de 70 e a tragédia de Heysel Park. Tanto o Nottingham Forest, como, principalmente, o Liverpool, colocaram de forma bem vincada o pass e o dribble antes do kick, mantendo o rush, e apresentando, como natural consequência ou, melhor, motivo, um lote de fabulosos jogadores (Keegan, Dalglish, Souness, entre muitos mais), que inventaram vários dos movimentos hoje em dia tão banais, como as tão frequentemente referidas pelos comentadores diagonais.
O kick and rush só se encontra hoje nas divisões secundárias inglesas e nas fraquinhas divisões dos restantes países britânicos. E, inesperadamente, em Portugal. Sim, e no Benfica.

Não há memória recente de uma contratação tão necessária a um estilo de jogo como a de Makukula. O distribuidor de jogo do Benfica, Quim, encontrava em Cardozo um receptor insuficiente para os seus lançamentos constantes. Makukula dá, sem quaisquer ironias, consistência ao Benfica de Camacho.

Sendo rigoroso, no Benfica não se verifica um verdadeiro kick and rush, porque falta um rush mais global, alguém que acompanhe o Binya e o Rodriguez. Com as passadas mais calmas de Assis, Maxi, Katsouranis e Petit, temos, na verdade, uma versão mais calma, um kick and stroll.

Tal está esta relíquia britânica já enraizada no Benfica 2008 que o golo nasceu de um típico lance de televisão a preto e branco da década de 70: lançamento longo de linha lateral, cabeceamento para trás para novo cabeceamento para a baliza.
E a simetria continuou com o Benfica Football Club com imensas dificuldades perante uma equipa que jogava à latina, trocando a bola de pé para pé.
Mas lá veio o homem que pura e simplesmente estraga tudo, que destrói em meia dúzia de minutos um esquema de jogo coerente. Rui Costa, com aquela sua mania de andar com a bola no pé e de passar – imaginem! – bolas rasteiras por entre os defesas adversários já habituados a ter sempre os olhos no ar, quebrou a lógica do jogo, e o Benfica, por um brevíssimo momento, voltou a ser o SLB e a marcar um golo com base numa jogada com vários passes e apenas um kick (o do golo).

Urge, assim, encostar Rui Costa no banco e deixar o Quim com os seus Makukula e Cardozo. The Kick and Stroll must go on.


(Naval 0, - SLB, 2)

1 comentário:

Tó Portela disse...

Decorrid... sobrevividos seis meses desta temporada, tem de ser o Padinha, um modesto bloguista (contudo já imortalizado na história do futebol por ter cunhado a expressão “Kick and stroll”), a fazer a análise mais profunda e corajosa do verdadeiro problema do SLB: o facto de ser o Quim o distribuidor de jogo. Houvesse mais Rui Santos por essas conferências de imprensa do SLB a confrontar o Camacho com esta realidade, tudo seria diferente.