23.10.08

"Só tu é que marchas bem"

Há poucas afirmações que provoquem tanto aceno afirmativo de cabeças como “os jogos decidem-se no meio-campo” ou qualquer outra que integre as palavras “Soraia”, “Chaves” e “boa”.
A unanimidade está longe de ser um carimbo de veracidade, mas, no primeiro caso, a afirmação comprova-se pelo menos desde o Brasil de 70 (quanto ao segundo caso, é tema para desenvolvimento de outros blogues).
O meio-campo impõe o ritmo do jogo: pela maneira como procura conquistar a bola e em que ponto do campo o faz, pela velocidade com que troca a bola e quando é que a solta para os atacantes, pela elasticidade na união à linha defensiva ou à linha atacante. Uma equipa muito boa impõe o seu ritmo à equipa adversária, condicionando-a a jogar o que a primeira deixa.
Ainda é cedo para definir globalmente o perfil de Quique Flores. Mas, pelas primeiras impressões, o sobrinho de Lola entende o meio-campo como um guarda de passagem de nível: dá instruções para a bola passar. Claro que se trata de uma evolução enorme face a Camacho, que assumia o meio-campo como um controlador aéreo, mas, ainda assim, e apesar de no OSP cedo termos adivinhado que nos esperava uma equipa “de ir para cima deles”, temos algum pejo em incomodar sistematicamente o Prof. Fernando Pádua.


Mas em Berlim, mais uma vez, lá estivemos à beira de um AVC. Aquele 4 de hoje, apesar de integrar Reyes, o melhor alto-pressionador desde o Derlei de Mourinho, com um tempo e uma intensidade próximas da perfeição, integra, também, um geneticamente inábil para o efeito (Nuno Gomes) e dois exclusivamente virados para o ataque, com um deles amiúde mais virado para o absoluto imobilismo (Cardozo).
Com Yebda a acompanhar Katso, a “coisa” disfarça-se, porque o calmeirão sabe receber uma bola, tocá-la, passá-la, enquanto distribui umas encostadelas encorpadas. Mas com Bynia, o disfarce é de loja de chineses, desfazendo-se rapidamente.
Com o golo de Di María, muitíssimo próximo de um enchido, surgiu a oportunidade, através das substituições, de pelo menos passar o meio-campo para três. Mas, apesar dos conselhos de Álvaro Magalhães – “Iehhh… agora deverá sair Nuno Gomes ou Di María… iehhh…para entrar Carlos Martins, para que… iehhh… o Benfica retome o meio-campo” –, Quique, substituindo Katso por Carlos Martins, ainda o reduziu, passando a jogar em 4 - 1,5 - 4,5.
O Hertha não tem equipa para um real massacre, mas, ainda assim, nos últimos 20 minutos esteve tanto tempo na área do SLB como Quim. Valeram Luisão e Sidnei, que, quais David Robinson e Tim Duncan, lá foram varrendo a bola dali para fora.

O resultado foi bom. E foi justo, porque o Sidnei fez aquele passe à Aldair para o Suazo (no OSP, defendemos que há certos passes que deveriam ser considerados golos – Rui Costa teria recebido diversas Botas de Ouro).

No OSP, não somos pró-modernidade ou ovelhas do rebanho da contemporaneidade. Mas convenhamos: nenhuma equipa que aposte em ganhar alguma coisa no Velho Continente alinha, hoje em dia, em 4-2-4.
Mantemos a esperança que Quique Flores não seja como aquelas mães que insistem que o seu filho é o único que está a marchar correctamente na parada. Por isso, vamos presumir que o 4 da frente se deveu à ausência de Rúben Amorim e de uma alternativa válida para Yebda.

Hertha de Berlim – 1, SLB - 1

20.10.08

Não brinquem com isto, pá

Estava eu ainda com trabalho para fazer, o laptop já ligado, antes do jogo já a escrever mentalmente este post, ia escrever que o Penafiel me faz lembrar o Nuno Brás, um relator monocórdico que acompanhou o meu despertar para o futebol, nomeadamente no Mundial de 82, e como o homem me irritava, porque tinha uma absoluta incapacidade de identificar os jogadores da minha RFA, e punha muitas vezes o Dremler a cruzar para o cabeceamento do mesmo Dremler, e o que liga esse tal Nuno Brás ao Penafiel é um jogo com o SLB que julgo que acabou empatado e em que o Nuno Brás passou a jogo a fazer as habituais referências ao relvado – “as equipas entram no relvado”, “o jogador encontra-se prostrado no relvado”, etc. –, só que o jogo foi num pelado, e daí eu partiria para referências aos anos 80, e a equipa actual do Penafiel muito ajudaria a isso, porque ainda tem jogadores com duplos diminutivos como “Zé Nando”, e equipamento de marcas exóticas como “Desportreino”, o que me fez lembrar dos ténis Sanjo e os equipamentos Marsil, que me arrasaram, quando jogava futebol de salão, os pés e as virilhas, e ainda o bigode professornequiano do seu treinador, e, resumindo, teria um post com tudo isto e uns comentários lacónicos aos golos do SLB.


Mas não. Três horas estive eu naquele sofá, e é tamanha a minha incredulidade (que supera, largamente, a minha fúria) que em vez de ter ido trabalhar ainda estou para aqui a escrever isto. Mas isto do Queiroz pega-se, é? Vamos lá a ver: o Moreira continua, apesar de já ter o rabo quadrado, a ser o melhor guarda-redes do SLB, o Miguel Vítor um puto muito jeitoso e o Luisão e o Sidnei muito sólidos. Por aqui tudo bem. O pior foram os restantes 7: o Léo, de repente, sentiu o peso da idade; o Balboa é, na verdade, o Apollo Creed, logo após ter levado aquele valente “banano” do Ivan Drago; o Binya é o Binya; o Rúben jogou ao lado do Binya; o Urreta até não teria jogado mal, se tivesse a idade do Léo, mas tem metade; o Di María cada vez mais parece um daqueles jogadores das escolas do Sporting que não passou nem pelo Barcelona, nem pelo Man Utd; o Makukula é como o Binya, mas em maior.
O Reyes e o Suazo juntaram-se à festa e já nem me lembro se entrou mais algum.

Mas que merda, meus amigos. Reparem: eu não estou à espera de espectáculo, até porque i) sou benfiquista ii) desprezo qualquer tipo de espectáculo circense, inclusive o tal do Soleil iii) sou um de dois portugueses que gostam de ver futebol italiano (o outro é o Luís Freitas Lobo, mas ele gosta de futebol italiano, como gosta do inglês, brasileiro, vietnamita, islandês, coreano… o não ter nada para fazer deverá contribuir para isso; aquela voz dele entre o anasalado e o adamado deve impedir o fim da sua solidão). Mas estou, natural e obviamente, à espera que ganhem a uma equipa da 2.ª divisão, catano.



Não só espero como exijo que não me voltem a fazer perder três horas de um domingo com uma série de penalties numa qualquer eliminatória da Taça de Portugal ou da Liga.

Não brinquem com isto, pá.

SLB, 0 – Penafiel, 0 (5-3 após g.p.)

18.10.08

O regresso de Artur Jorge

Por detrás da complexidade formal da crise dos mercados financeiros, a sua génese encontra explicação nas costumeiras e simples razões que explicam tudo o que a humanidade toca. Tal como no futebol, há uma multidão que exige resultados imediatos, gestores e trabalhadores que os procuram a todo o custo e entidades públicas inoperantes. E substituam o futebol por marcenaria, advocacia ou arquitectura paisagística, que vai dar no mesmo: qualquer crise ou sucesso encontra explicação nas mesmas causas e no mesmo tipo de actores.

É tentador tratar esta crise – até pela espantosa amplitude do seu impacto – como um feito isolado, desligado do resto do mundo e das pessoas comuns. Mas os tais mercados que agora ocupam as capas dos jornais não são obra de um sucedâneo do HAL: são conduzidos pelos biliões de decisões que todos nós tomamos a todo o momento, de acordo com as nossas necessidades, caprichos, preconceitos, convicções, deficiências e virtudes. Não há separação entre o “económico” e o “social” (a economia, para o caso de alguém não saber, é uma ciência social). Por isso, todos tivemos a nossa parte – por muito pequena que fosse – de responsabilidade nesta crise e todos partilhamos da ganância apontada aos gestores dos bancos em causa.

A ganância vive do curto prazo. De ter mais, mas agora. O longo prazo é um luxo exclusivo das sociedades ocidentais que, contudo, estas desprezam. Esperar é morrer, infere-se de uma máxima de Keynes. Tratamos então, recorrendo aos bancos, de ter a casa, o carro e o plasma que os nossos pais nunca tiveram ou tiveram bastante mais tarde. Até a nossa reforma empurramos para ser paga pelos nossos filhos e netos.
As tentativas de colar a ganância ao capitalismo são tão velhas como ridículas. Não há “ismo” com diluente suficientemente forte, porque o terceiro pecado mortal integra profundamente a natureza humana. Não é defeito, é feitio.

O OSP está preocupado com esta crise. Não com os seus efeitos imediatos, que poderiam resultar na perda das poupanças das pessoas, porque a população portuguesa, engenhosa, preparou-se atempadamente, endividando-se. Sendo-se devedor, não há problemas de cobrança. O que realmente nos preocupa são os seus efeitos futuros. E para os tentar antever, vamos analisar as causas e consequências da crise do SLB. Reafirmamos: qualquer crise ou sucesso encontra explicação nas mesmas causas e no mesmo tipo de actores desta tempestade dos mercados financeiros. E no SLB não foi diferente.

A crise do SLB teve o seu epicentro entre os finais dos anos 80 e os primórdios da década seguinte. Sob a gestão de Jorge de Brito, primeiro com o testa-de-ferro João Santos, depois democraticamente assumida, a pressão dos adeptos era imensa, especialmente depois da vitória dos portistas em Viena e da derrota do SLB em Estugarda. Era urgente resgatar o SLB Europeu. E Jorge de Brito, no seu benfiquismo irracional, passe a redundância, fez-nos a vontade, construindo uma equipa perto do fabuloso, mas que apenas durou os 90 minutos da final da Taça de 10 de Junho de 1993.
O problema dessa equipa é que não era sustentável. Os milhões (de antigos contos) investidos em Futre, João Pinto ou Isaías não tinham companhia, e os seus salários deixaram de ser pagos. O Pacheco e o fdp fugiram para o lado errado da Segunda Circular, João Pinto foi ainda resgatado algures em Espanha e Futre vendido a preço de saldo.


Mas, apesar do “Verão Quente”, o SLB retomou o seu rumo e venceu mais um título.
A crise financeira ainda não estava debelada, mas o SLB mantinha a sua actividade “core” de acordo com os seus pergaminhos.
Mas a liderança algo anárquica de Toni não satisfez a turba. Era preciso outro tipo de liderança. Uma que impusesse mais regras, um pulso firme que limitasse os devaneios dos jogadores, que acabasse com as noitadas de vodka e os resultados de 4 a 4.
E veio Artur Jorge, que correspondeu a todas as expectativas. Não mais se viram as correrias loucas de Isaías ou os dribles de Paneira, mas antes o rigor táctico de Nelo ou o profissionalismo de Paulo Pereira. O balneário do SLB encheu-se de activos tóxicos: King, Paulo Pereira, Marinho, Paredão, Paulão, Nelo, Marcelo, Tavares (este, em Milão, foi um activo literalmente tóxico) e muitos, muitos outros. O clube que tinha engrandecido à custa de coragem, ousadia, espírito de luta e capacidade de superação via-se agora amarrado, com as mãos algemadas a um guião detalhado.
As fundações do clube onde todos os treinadores se arriscavam a ser campeões desapareceram, soterradas debaixo de um mundo novo à la Huxley, com a sua infinita ordem e mediocridade.


Por tudo isto, não foi a crise financeira que levou o SLB a uma contemporaneidade repleta de insucesso. Foram as medidas tomadas para a corrigir. E, depois disso, a costumeira ganância, com a sua visão de curto prazo, que queimou uma infinidade de jogadores e treinadores na fogueira inquisitória em que se transformou o Estádio da Luz.

Voltando à crise dos mercados financeiros: pede-se, agora, mão firme, a limitação da actividade dos traders e gestores financeiros, com mais regulação e intervenção do Estado. E os diversos governos, que assumiram com particular incompetência um papel paradoxalmente designado como de supervisão, colocaram as capas e querem salvar o mundo – depois de terem assistido à construção da crise como se esta estivesse revestida de chumbo.

Lembrem-se da crise do SLB: têm a certeza que querem um mundo à Artur Jorge? Tudo se está a preparar para isso.
Como, no OSP, sabemos muito bem o que essa escolha custa, aconselhamos um mundo mais à Quique: com alguma ordem, sim, mas também com a liberdade que, dando origem a muitos erros, nos fará com certeza mais felizes.

Vão pensando nisto.

Ele do que a gente precisava era de um Pinto da Costa

O OSP tem uma maneira de distinguir os jornalistas desportivos que têm verdadeira cultura geral daqueles que, sem a ajuda da internet, não passariam de funcionários de junta de freguesia secretamente simpatizantes do PNR: fá-lo quantificando o uso que eles dão à palavra “interregno”, quando surgem os períodos em que o campeonato pára para os jogos da selecção. Os jornalistas sofríveis preferem usar “pausa” ou “interrupção” para se referirem a estes dolorosos momentos sans SLB, no que é a solução simples, maquinal, imponderada, a escapatória de quem não cogita (sobretudo no mal que o raio da selecção faz a um campeonato que, com franqueza, parece que ainda nem começou). Já os jornalistas que são artesãos da palavra optam sempre por “interregno”, escolhem tactear a raiz, cogitar na significação etimológica de interregnum, pois alcançaram que neste momento não há uma única razão válida para ver jogos da selecção. Porque perceberam que existe hoje um vazio régio na selecção, é empregando essa palavra que tentam transmitir isso, obrigatoriamente de forma dissimulada, aos leitores mais atentos.

Foi em Julho de 2004 que o OSP, sempre dos primeiros a despertar de sonos dogmáticos, chegou a essa inferência, e desde aí que não consegue ver um jogo da selecção senão com módica atenção. E tudo aconteceu pouco depois de o Rui Costa ter anunciado que ia deixar de jogar por Portugal, o que levou o OSP a cogitar que a qualificação para o Mundial da Alemanha marcaria a primeira vez em 20 anos que teria de ver a selecção jogar sem o Rui Costa ou sem um extremo-esquerdo canhoto fora de série. Para quê ver, então? E, para ser sincero, o OSP não tem, nem nunca teve, grande paciência para o faux patriotismo (hoje, o OSP sente-se como que leclezianamente enamorado da língua francesa) associado: i) aos jogos da selecção; ii) às carrinhas familiares que ostentam autocolantes com o emblema monárquico na porta da mala; iii) aos gajos que atam bandeiras portuguesas aos piscas traseiros das motas, quando chega a altura de ir à concentração de Faro; iv) em geral a tipos que gostam do José Hermano Saraiva.


Há quatro anos, então, que as coisas são assim para o OSP, e, olhando para o conjunto de jogadores que aí vem, parece que assim se manterão, pelo menos até o Sporting deixar o João Moutinho ir jogar para o estrangeiro para ele se tornar no jogador que o OSP sabe que ele pode ser.(1) Aí, talvez valha a pena voltar a ver a selecção. Afinal, não há hoje jogador português mais inteligente e mais limitado no lote de seleccionáveis, logo não há hoje jogador português que com mais inteligência consiga superar as suas próprias limitações. Era admirável, uma verdadeira aula de obrigadosápintismo, ver o Moutinho a jogar futebol, quando ele apareceu – aliás, era admirável vê-lo a pensar, enquanto calhava estar a jogar futebol, em como encontrar maneira de extrapassar os adversários e os obstáculos que aqueles lhe punham no caminho –, mas agora já não é tanto. Em verdade o OSP diz que já lhe pareceu vislumbrar, uma ou duas vezes, um brilho baço de Custódio nos olhos do Moutinho.

Portanto, sem jogos do SLB, e com o OSP algo desacoroçoado por o José Rodrigues dos Santos ter sido mais uma vez injustamente desconsiderado pelo comité de selecção do Nobel da literatura, o que resta? Cogitar sobre o SLB, claro. E não faltam motivos ao OSP para cogitar. Contudo, o OSP não pretende escrever sobre o desassossego que vai na sua glândula pineal com a perspectiva de o Suazo estar quase a voltar a jogar (o que assegurará por si só que o SLB não mais perderá pontos [sim, pontos; nem sequer se está a falar aqui de jogos] este ano contra os Leixões e as Navais deste país); não, desta vez pretende iniciar uma relação metatextual (plena de recato, respeito e consideração, claro está, de acordo com os seus valores de gentil-homem) com um texto sobre o SLB e o OSP que leu recentemente.

Claro que esse texto (cujo conteúdo o OSP chancela a 100%, diga-se de passagem, pois concorda plenamente com as verdades nele reveladas) já tem para aí umas três semanas, porém há bons motivos para o OSP só agora ter decidido divulgar as suas cogitações sobre o que ele expressa. Por um lado, quando cogita, o OSP não se limita a parecer um falso lento – é realmente um cogitador lento (pois só sobre a relva é que acredita na rapidez do génio); por outro, ordenar todas as notas de rodapé foi uma tarefa demorada, mas usá-las era a única maneira de o OSP conseguir controverter questões tão complexas, de versar todas as ligações que os metatextos necessariamente estabelecem.(2) E, por último, as cogitações do OSP levaram-no a ter de olhar para a própria natureza do benfiquismo, um tema que não se pode de modo algum abordar com ligeireza, com insouciance, ou sem cumprir intricadas abluções várias vezes ao dia.


Pois bem, o OSP até acha normal que se seja da opinião que os sportinguistas escrevem melhor sobre futebol (e porventura mesmo tout court, embora para defender esse ponto de vista seja mister descartar, em ambos os casos, a prosa marialva do Eduardo Barroso, algoz do Bilro) do que os benfiquistas: afinal, tal não expressa senão a diferença entre ter estudado no St Julian’s ou na Escola Secundária de Sacavém. O OSP acha ainda natural a acusação que já lhe fizeram de escrever sobre o SLB como se fosse um sportinguista, visto que, por ser nu de complexos, tem noção do muito que une benfiquistas e sportinguistas, nomeadamente o facto de ambos passarem a maior parte do tempo a falar sobre o SLB.(3) Nada de anormal até aqui, portanto.(4)

Já no que o OSP não pode estar de acordo é que caiba somente ao Sporting a natureza trágica com a qual se diz (com a-propósito) que se faz a grande literatura. Na noção de benfiquismo do OSP, pelo menos, nunca assim foi.

“Se tens dor, transforma-a em poesia”, lembra-se o OSP de ler, adolescente, numa antologia de poemas do Goethe. Contrariamente ao que é sua prática corrente (que decorre, aliás, da sua erudição, aliás reconhecida), o OSP não se lembra desta vez do original alemão, mas a tradução portuguesa ficou gravada no seu espírito e serviu-lhe de gérmen e justificação para todos os arremedos poéticos, com fins de estrofe invariavelmente de tema em -a, que constam da juvenília do OSP. Já do que o OSP se lembra é que sempre intuiu, desde criança, que o SLB tinha uma natureza trágica por baixo do seu manto glorioso de clube português com mais títulos. Havia ali uma mágoa inexprimível que o OSP, na realidade, entreviu desde sempre no bigode melancólico e lusitano do Toni.


Uma vez, o OSP tentou mesmo levar o tema “Benfica, clube trágico?” a debate na sala de convívio do antigo Estádio da Luz. Idealizava-o assim como uma mesa-redonda igual às do Franco-Portugais, o que daria de imediato credibilidade ao acto de polemizar, mas os reformados residentes não acharam piada, não levaram o OSP a sério e, inclusive, ameaçaram-no fisicamente. Há certos assuntos de que não se pode falar, e muitos benfiquistas acham realmente que estar no Guinness com 150 mil sócios prova que o SLB é o maior clube do mundo – e que isso interessa (5) – e que o estatuto do clube é intocável, logo não se admitem discussões sobre a sua gloriosidade.

Só que, para o OSP, o SLB tem também um lado trágico, e é fácil perceber porquê se se tiver em mente seis anos diferentes: 1963, 1965, 1968, 1983, 1988 e 1990. Em todos eles o SLB sofreu derrotas em finais europeias, cinco delas na Taça dos Campeões (a verdadeira, antes do advento do apalhaçado hino da “Champions”) e que, a terem sido ganhas, fariam com que o SLB tivesse hoje sete Taças dos Campeões, dignidade que partilharia unicamente com o Real Madrid e o Milan. Só que em 1963, o Germano estava lesionado e não pode jogar a final com o Milan, e o SLB acabou por levar dois golos incríveis pelo meio; em 1965, o Costa Pereira lesionou-se durante o jogo, e o SLB teve de jogar com dez mais de meia hora; em 1968, o Eusébio não marcou o 2-1 no último minuto, quando ia isolado para a baliza e só tinha o guarda-redes à frente, o que nunca, mas NUNCA, acontecia; e, em 1988, cinco dias antes da final com o PSV, o melhor jogador do SLB, o Diamantino, então na sua melhor forma de sempre, fez uma rotura de ligamentos.

Se não há tragédia nestas seis verdadeiras tragédias, então a mágoa no bigode do Toni iludiu o OSP estes anos todos. E, aceitando isto, como se pode achar que no SLB não mora também a dor da derrota que produz a grande literatura? É preciso é ter bravura para admitir que essa dor trágica existe.


E talvez estes últimos 20 anos tenham sido necessários para o SLB redescobrir a natureza trágica do desporto, a natureza de que o SLB também é parte e da qual os benfiquistas se tinham esquecido. Em 1993, por exemplo, o SLB ganhou a final da Taça de Portugal ao Boavista com uma das suas melhores equipas de sempre, à qual não foi dado o tempo para se tornar verdadeiramente imortal.(6) Depois do jogo e da vitória, o OSP lembra-se que a reportagem no balneário mostrou a toda a gente um plantel calmo, sem euforias, demasiado profissional. Os jogadores vestiam-se, arranjavam-se, penteavam-se, quase em silêncio. Habituado a ganhar, o SLB trivializara essa acção, e os seus jogadores já não sentiam necessidade de saltarem em cuecas em frente às câmaras (aqui, talvez essa escolha tenha sido acertada, admite o OSP, ainda e para sempre horripilado pela imagem recorrente do Paulinho Santos, cuecas salpicadas sabe-se lá de quê, a festejar depois das vitórias do Porto), de celebrarem depois de terem feito parte de uma das melhores exibições de sempre de uma equipa numa final da Taça de Portugal. No meio de toda aquela fleuma, um único jogador andava por ali aos saltos, ele sim eufórico, ele sim percebendo que ganhar não é um meio para alcançar um fim. Esse jogador, para sorte actual dos benfiquistas, era o Rui Costa.(7)

Só a nobreza do saber perder permite ter elevação quando se ganha. Olhando para a história recente do futebol português, não é difícil começar-se a cogitar que não se têm visto muitos exemplos desse tipo de atitude. E pode ser que o SLB do OSP seja um clube trágico, mas é também por isso que é um clube poético: é um clube cujos sócios ajudaram activamente a construir o antigo Estádio da Luz; é um clube cuja equipa de futebol cumprimenta os espectadores com uma vénia depois de entrar em campo; é um clube que ao longo dos anos teve capitães como o José Águas, o Coluna, o Simões, o Humberto Coelho, o Veloso e o Ricardo Gomes, que são personificações antes de tudo de espírito desportivo, e só depois do SLB (8); é um clube cujo melhor jogador de sempre apertava a mão aos guarda-redes, quando achava que eles mereciam ser cumprimentados por o terem impedido de marcar um golo; é um clube que não pode ser limitado pela vã glória de ganhar.(9)

(1) Isto em vez do choramingas em que ele se tornou, que passa a vida a mandar-se para o chão, a reclamar com os árbitros, a pedir cartões amarelos para os adversários e, mal aconselhado, a achar que a sua vocação na vida é jogar como número 10. O OSP só sabe que, se as coisas continuarem assim, consegue, com relativa nitidez, visualizar o Moutinho (1,70 m) a ser a estrela do meio-campo do Guimarães daqui por quatro/cinco anos. É por isso fundamental que o Sporting reduza os 25 milhões que pede por ele aí uns dois terços e o deixe ir para o Barcelona aprender com o Xavi (1,70 m) e o Iniesta (1,69 m) nos treinos. É importante, é o futuro do OSP como apoiante da selecção que está em jogo.

(2) Por isso é que o OSP foi obrigado a fazer (por irritante que isso seja, porque o é) um texto à David Foster Wallace – um pasticho, por assim dizer. Mas só no que toca à estrutura, deve ressalvar-se, que o OSP é homem o suficiente para admitir que não percebeu peva do Infinite Jest.

(3) Isto não é imaginoso: veja-se qualquer declaração pública ou entrevista ao Diário Económico do Filipe Soares Franco, presidente, logo macho dominante, do Sporting.

(4) Contudo, é necessário ter presente que dizer que é preciso ser do Sporting para se escrever bem afronta 93,7% dos elementos da redacção de A Bola entre 1960 e 1990, sem dúvida o segundo melhor período literário de sempre de uma publicação portuguesa, logo a seguir aos 13 anos da Presença. Até o grande Ruy Belo confessou que foi a ler A Bola que aprendeu a escrever. E note-se ainda que quem melhor escreve sobre futebol em Portugal na imprensa continua a ser, goste-se ou não dela, a Leonor Pinhão (mesmo dando de barato que o argumento do Corrupção foi, de facto, o Na Outra Margem, Entre as Árvores da sua carreira).

(5) Deste modo, chega-se ao ponto de a validação da grandeza do clube pelo exterior ganhar uma importância maior (e há um clube no Porto que é um exemplo de levar essa vontade de validação ao ponto da monomania) do que a paixão pessoal pelo próprio clube, que, não obstante poder ser consequência de transmissão familiar (e normalmente é-o), não é racionalizável, e muito menos quantificável ou estatisticável.

(6) O tempo flui, cruel; como nas finais da Taça dos Campeões perdidas, aos benfiquistas só resta pensar, até à morte, no que podia ter sido. E transformar a dor em poesia.

(7) O Padinha acha que a indiferença do plantel nessa ocasião se devia a para aí cinco meses de salários em atraso, mas eu, Tó Portela, recordei-lhe que o OSP jogaria no SLB de graça e sem seguro de acidentes pessoais.

(8) E há hoje esperança de que a capitania possa voltar a valer mística, depois de demasiados anos de Joões Pintos e Simãos. Voltou a haver quem desde pequeno sonhe em ser capitão do SLB.

(9) Hã? Que psicotrópicos é que o OSP andou a tomar? Para falar a verdade, Lourenço, esquece tudo isto que o OSP escreveu. O OSP quer é que o SLB ganhe e, para isso, de bom grado mandaria o Brilliant Orange para o caixote do lixo e se passaria a inspirar no Vocês Sabem do que Estou a Falar.

17.10.08

Golpes de pancrácio obrigadosápínticos (MCMVII)

“Em relação ao que se pode chamar o ‘futebol do Benfica’, temos de reconhecer que ele não se impôs e fez respeitar em todo o Mundo por via erudita, isto é, porque tivesse traça técnica ou conteúdo táctico marcador de um universalista cientifismo futebolístico.”

Vítor Santos, citado por Leonor Pinhão, A Bola, 02.10.08

12.10.08

Parábola do Golias

Medinho, Golias teve medinho ante David, e levou com uma pedrada mesmo no meio da testa. E ficámos a saber que David ganha pela persistência, já que pedradas foram lançadas e relançadas, sucessivamente, pelo diminuto inimigo. Golias fraquejou e os Fariseus avançaram, fugindo e gargalhando como hienas feridas. David gosta das hienas, as hienas dão-lhe de comer não raras vezes. As hienas riem-se das maleitas de Golias enquanto lançam os seus nauseabundos odores. Mas é Golias que desejam emular, mesmo quando pilham cadáveres de outros seres, mesmo quando a sua pestilência sufoca o mundo e a sua iniquidade se torna regra.


Golias, perdido, procurou o consolo do pastor camaronês, na ilusão da fuga a David. David é pastor, não se amedronta com um qualquer seu congénere. A solução é a astúcia e a elegância do ataque pelos pés do Sansão de farta cabeleira. Representa ele a força da qual Golias não se pode afastar, nem sequer simbolicamente.

O inexorável ataque aos seus inimigos é a única solução. É esse o caminho das pedras que nos levará ao aparecimento do Salvador. E este Salvador está dentro de nós. Só nós importamos, o mundo deve adaptar-se a Golias, não Golias ao mundo.

Leixões 1 - Benfica 1

3.10.08

Darwin (não) explica

O acaso levou-me a Munique, no último fim-de-semana. Uma cidade baseada em régua, esquadro e esfregona, tal a rectidão das suas linhas e a limpeza das suas ruas. Nos semáforos, um vermelho para os peões implicar parar, mesmo que o único carro visível esteja algures em Moscovo. Os papeis e outros dejectos – todos eles são para colocar nos caixotes de lixo. As pessoas circulam na rua com a calma aparentemente apática que uma ordem desta dimensão proporciona (ou força).
Com um enquadramento assim, o futebol alemão, e particularmente o da Baviera (fonte principal do seu extinto fulgor), só poderia ser assim mesmo: recto, eficaz, organizado e bonito.

Somos crias do meio ambiente em que crescemos, o que não espantará ninguém, e jogamos o futebol de acordo também com essa fatalidade: o futebol brasileiro tem uma alegria indolente, o dos argentinos a arte combinada com a faca na liga, o dos ingleses um orgulho inconsequente, e umas boas dezenas de bons exemplos apresentaria aqui, se a hora da escrita fosse outra, para comprovar esta regra.
Mas a maldita da excepção também borra esta regra. O que dizer do pedaço de terra que nos deu Dante, Pratt, Antonioni, Fellini, Botticelli, Da Vinci, Rossini, Verdi, a Ferrari, a pasta e o mais próximo que existe de uma prova da existência de um deus – afinal, acolhem o epicentro católico com os milagres sob a forma de mulheres de Loren, Cardinale e Belucci?
O futebol italiano teria de ser belo, emotivo, raivoso, desesperado e permanentemente coberto de um pano negro de tragédia.
Mas não: a beleza é desprezada, a emoção é contida, a raiva é inexistente, o desespero é raro ,e a tragédia invade, invariavelmente, os outros.
Darwin não explicou esta.


Do Nápoles, seguindo a regra, esperar-se-ia algo de Camorra. Um destempero, um laivo de sangue nos olhos, uma agressividade latente. Mas não: o Nápoles é uma equipa absolutamente italiana. No seu acantonamento, transformando a sua área num Álamo, e no seu ataque sniper, preparado para liquidar, furtivamente, os seus adversários.
O SLB da 1.ª parte foi longo e largo, controlado e preciso, entusiasmado – e, por vezes, entusiasmante – e decidido, mas improfícuo. Uma personagem de ópera, poderia adivinhar-se, trespassado mortalmente entre trinados de dor no último acto. E a adivinha teve quase aderência à realidade, quando, com o intervalo à ilharga, um jogador de azul teve tudo – menos o talento – para focar o SLB apenas nas competições indígenas.
Na 2.ª parte, o Nápoles começou a sair do Álamo. O SLB perdia tino. Mas também os nossos lads, embora oriundos de vários cantos do mundo, fazem aquilo que vêem em Portugal fazer. E o Katsouranis lá desenrascou um passe para um Reyes que atinou com os remates daquele lado.


Os italianos, empurrados para a frente pelo resultado, quais escorpiões, não conseguiram fugir à sua natureza. Continuaram com três centrais, na expectativa do erro alheio, refugiados e a tentar explorar o espaço que o SLB já não dava.

O dois a zero foi o carimbo de uma vitória histórica: a primeira eliminação de uma equipa italiana em mais de 20 anos. E – wishful thinking – o princípio de uma mutação do SLB: uma equipa que consegue ganhar aos contra-natura italianos.

SLB – 2, Nápoles 0

Jogadores de todo o plantel do SLB, uni-vos


“Os jogadores foram solidários, oxalá se repita daqui para a frente." Quique Flores, a seguir ao jogo com o Sporting

“Há solidariedade entre os jogadores e muita qualidade.” Yebda, antes do jogo com o Nápoles


Ainda a respeito do antepenúltimo texto antes deste, nem de propósito o OSP ter falado da noção de propriedade no futebol. Nestes tempos de crise do subprime, de comprovada invisibilidade da mão invisível e da revelação de que afinal os capitalistas mais puros e mais duros são tão emancipados do estado como o Jorge Coelho, é bom ver que, no SLB, se estão a criar laços cada vez mais sólidos e autênticos entre o plantel, no qual se rejeita em bloco a exploração do homem pelo homem. Com os treinadores e os jogadores a uma só voz, as palestras em que o Quique anuncia o onze titular devem parecer um congresso da CGTP em Maio de 1974, onde cada um tem direito ao seu parecer. Talvez ainda não seja tarde para o OSP fazer renascer as suas quimeras de comités técnicos no SLB e de comissões dos jogadores do plantel.



A reserva ficou em nome de OSP, se faz favor


Ainda a respeito do penúltimo texto antes deste (que foi escrito já depois da vitória com o Nápoles, daí o seu carácter semi-hagiográfico), e apesar de o que vai dizer poder alimentar mexericos de acordo com os quais o maior desejo actual do OSP seria um jantar com o Quique Flores, eventualmente à luz de velas (“Por favor, llámame Enrique, OSP”), para que ele explicasse qual a ligação entre o seu contacto com a arte da Lola Flores e a sua concepção do futebol – o OSP também gostaria de abordar a relação desta concepção com o descarte da cultura de massas que o actual sistema de jogo do SLB representa, o que porventura teria de esperar pela sobremesa e café –, o OSP não pode deixar de voltar a notar o contraste entre o Quique Flores e outro mestre do futebolzinho apoiado, neste caso o Fernando Santos, de que se lembrou há pouco.



Há quase dois anos, sem o Luisão, castigado, e com poucos centrais disponíveis, o Fernando Santos não quis meter o David Luiz, então com 19 anos e acabado de chegar à Luz, a titular contra o Aves e preferiu recuar o Katsouranis. “É muito jovem”, “Está há pouco tempo no SLB, não conhece a nossa realidade”, “Ainda lhe prejudicava a carreira, se o jogo lhe corresse mal”, “Rezei a Nosso Senhor Jesus Cristo com a fé que todos me conhecem, mas Ele não me mandou nenhum sinal para que eu pusesse o David na equipa”, “Então e se aquilo corre mal, quem é que paga? É o Nando, pois claro”, terá afirmado então o Fernando Santos. Um mês depois, afirmava mesmo que o David Luiz lhe lembrava o Ricardo Carvalho.

Provando que Deus tem de facto um sentido de humor doentio, o Quique teve de tomar decisão semelhante a apenas 16 km da Vila das Aves, e não hesitou. Depois continuou com os dois teens no centro da defesa contra o Sporting. É um facto: os papa-hóstias são sempre os mais poltrões.