28.1.09

Palma de Ouro: Fa qual cosa di calcio

O futebol é um desporto popular. Jogo do povo, da malta simples, terra-a-terra, que só quer dar uns pontapés nalguma coisa ou agredir verbalmente, com insinuações simultaneamente do foro oftalmológico e de filiação materna, alguém invariavelmente culpado pelas nossas derrotas.


Esta bonita tradição (como todas as tradições) tem outras também graciosas (ou não fossem elas tradições) que a antecederam. Entre a perseguição dos romanos aos cristãos, a dos cristãos aos pagãos, a dos homens às mulheres, dos brancos aos pretos, dos pretos aos hispânicos, do Bush a todos os “diferentes”, a verdade é que a culpa morre mais vezes viúva do que solteira.


O futebol, como novo circo, é menosprezado pela elite intelectual (aqui, como a quero insultar, chamá-la-ei pseudo-intelectual), por ela considerado uma bacoca actividade menor; à qual jamais epitetam de arte. Pois… mas é, arte, e uma arte multifacetada, alterando entre o bailado elegante (Barcelona) e a profundidade lenta e aborrecida de um filme bergmaniano (Benfica).


A forma pausada e meditativa com que os jogadores do glorioso abordavam cada jogada, o dilacerar interior do Suazo ante as bolas lançadas à toa na sua direcção, a agorafobia entorpecedora do Reyes, a angústia paralisante de Quique ante a imperiosa necessidade de decidir, o desespero impotente do adepto ante o marasmo de Belém, o tédio dos 90 minutos, o frio sueco às vistas do Tejo; todos os condimentos de um bonito filme europeu se reuniram naquela partida.


Desafio esses (pseudo) intelectuais a menosprezarem a contribuição do Benfica para o enobrecimento da cultura portuguesa, desafio os benfiquistas a não se lançarem aos colarinhos de Quique exigindo uma jogada, uma jogadinha de jeito, uma ténue brisa de vontade de vencer, andiamo Quique, di qual cosa di sinistra, fa qual cosa di calcio, ma calcio vero, senza niente di italiano, per favore!


Mas não consegue, Quique ambiciona jogar com 4 centrais e 3 médios defensivos, mesmo que fora de posição, e fazer pontapear a bola para Suazo, Cardozo, ou Nuno Gomes, seja qual for o exilado de serviço. Para um futebol assim, não precisávamos de ti, ó Flores. Para isso ficávamos com o teu adversário de sexta-feira. É daqueles honestos como tu, mas pelo menos já conseguiu ganhar alguma coisa.


E agora, para animar, vou ver os Morangos Silvestres.


Belenenses, 0 - Benfica, 0

Se a Taça da Liga cair na floresta e não estiver lá ninguém para ouvir, será que o Maxi Pereira faz barulho?

Devido aos profundos conhecimentos de simbologia que adquiriu durante os seus anos académicos (e também por ser um insuportável pedante), o OSP confessa-se incapaz de olhar para o mundo com olhos maravilhados e crédulos (invejando ao mesmo tempo quem ainda o consegue fazer, como, por exemplo, as redacções do Almanaque Borda D’Água e da revista Dragões). Deste modo, a maldição do OSP é ter de estar sempre à procura da verdadeira natureza dos signos, é não olhar para as coisas senão de forma simbólica, é não ter interesse senão na alegoria. Cínico, não consegue apreciar um livro, um filme ou o Jornal Nacional da TVI pelo seu valor facial, visto que está sempre à procura de ligações, citações, ícones, índices.


E passa-se o mesmo com a forma como o OSP olha para os jogadores de futebol, ou não houvesse alguns que o fazem de imediato pensar em realidades diferentes — que, inclusive, as simbolizam. Pensando em grandes competições, por exemplo, todos concordam que o Mundial de 1966 é simbolizado pelo Eusébio, o de 74 pelo Cruyff, o de 86 pelo Maradona, o de 94 pelo Preud’homme, e por aí fora. Raras vezes, contudo, se encontra uma relação simbólica como a que existe entre a Taça da Liga e o Maxi Pereira, daí que seja fácil imaginar a alegria do OSP por, no jogo da Taça da Liga entre o SLB e o Belenenses, ter tido o privilégio de vislumbrar uma simbiose de tal maneira acabada. Por isso é que o OSP se denomina agora o padrinho simbólico da Taça da Liga, hoje em dia a sua competição preferida, como outrora o foi a Taça de Honra da AF Lisboa.

É que, para falar a verdade, ninguém liga grande coisa à Taça da Liga, e mais valia que o campeonato tivesse 18 ou 20 equipas, ou então que se ressuscitasse a referida Taça de Honra, a que também pouca gente ligava, mas na qual em tempos um jovem avançado chamado Tó Portela (sem relação de parentesco) marcou dois golos ao Sporting, enchendo de expectação entusiasmada o jovem OSP.


E é também que, para falar a verdade, ninguém liga grande coisa ao Maxi Pereira, que tem sido tão-só o jogador mais consistente do SLB este ano e se tornou absolutamente imprescindível para a equipa (bem como para o coração normalmente pétreo do OSP). Por “consistente”, atenção, não se entenda que o Maxi joga com a incapacidade de passar da desesperante mediania de um Rui Jorge ou de um Paulo Ferreira, ambos jogadores normalmente classificados como "consistentes",mas sim que ele é incapaz de jogar senão dando o máximo. O OSP vê-se forçado a admitir que percebe agora o favoritismo do Camacho em relação ao Maxi, se bem que ainda não consiga perceber como é que El Sudoroso alguma vez se lembrou de que ele poderia jogar em todas as posições do meio-campo.


O OSP tem, aliás, farta penitência que fazer em relação ao Maxi, a quem já deu pancada quanto baste no passado (como tudo poderia ter sido diferente, se ao menos o Maxi não fosse um tão claramente separado-à-nascença do Emplastro...), mas viu agora claramente visto que ele é, na realidade, um defesa-lateral à OSP — e, mais importante ainda, à SLB. À primeira vista, o que se nota no Maxi, no fim de contas, é que é à custa de determinação que ele sobrevive entre jogadores que, em 90% dos casos, têm mais talento do que ele. Mesmo que pouco mais tivesse para dar (contudo até tem, e muito), menos o Maxi nunca daria e, nisso, situa-se na linha de laterais do SLB como o Ângelo, o Cavém, o Veloso ou o Álvaro, que compensavam todas as suas escassezes com uma impecável noção do que era o serviço à equipa.


Tendo-se, pois, penitenciado ligeiramente, o OSP, que nunca corre o risco de ser humilde em excesso, deseja agora louvar a sua própria presciência, pois já augurara o ano passado, quando toda a gente batia no médio Maxi, que era como defesa-direito que ele poderia vir a fazer alguma coisa no SLB.


No jogo com o Belenenses, no qual para aí uns oito jogadores do SLB pareciam estar em campo a fazer um frete desgraçado (sem contar com o Suazo, que esse parece estar a morrer de tédio em cada jogo, agora que se acabou a UEFA e está confinado unicamente a jogos em Portugal), tornou-se mais uma vez evidente que o Maxi nunca tira folgas. Sendo discreto, como a própria Taça da Liga, ele encara, no entanto, todos os jogos com igual atitude, vê-os a todos como importantes. À luz deste facto, e tendo em atenção que o traidor do cabrão do palhaço dessa merda de homem do Rodríguez um compatriota do Maxi que, ao que dizem ao OSP, ainda joga em Portugal encara os jogos exactamente da mesma maneira, o OSP gostava de humildemente sugerir ao Rui Costa que contrate para aí uns seis uruguaios para a época que vem. No mínimo. Ou pelo menos que leve a equipa a fazer o estágio de pré-época em Punta del Este.


É que acaba por ter de ser o Maxi — que, é sempre bom lembrá-lo, é estrangeiro e por isso nem tem sequer de fazer ideia do que é a mística do SLB, clube que, para ele, podia ser somente a sua entidade empregadora — a mostrar que nenhum jogo é banal, quando se tem aquela camisa encarnada vestida. Nem hoje, na Taça da Liga, nem no passado, na Taça de Honra da AF Lisboa (que, se não serviu para mais nada, serviu para fazer do Tó Portela um imortal, o que é muito).


E o que o OSP mais aprecia no Maxi é a natureza throwback do seu jogo (algo que, o OSP repete, o situa na tal linhagem gloriosa de defesas-laterais do SLB), que se vê, sobretudo, na sua completa ausência de relutância em despachar bolas de qualquer maneira, em balão ou não, para tão longe da sua grande área quanto possível, mesmo que para a bancada. É lindo de ver, um chutão do Maxi sem qualquer preocupação estética. Numa época oca em que a imagem é tudo, é bom haver alguém como ele a borrifar-se para o próprio ego e para o que os outros possam pensar do seu estilo de jogar, alguém a assumir a sua falta de elegância — a abraçá-la, mesmo — e a lembrar que um defesa-lateral é, antes de tudo, um defesa.


Em Portugal, o Maxi é criticado por muitos, até, ou sobretudo, pelos benfiquistas, pelas suas limitações, mas é raro ser louvado pelos seus méritos. Há poucos benfiquistas que o OSP conheça ou jornalistas que o OSP leia que não achem que o SLB precisa é de comprar um lateral-direito (de preferência um daqueles assim “modernos”) assim que puder. Só que jogar simples é bem mais complicado do que parece, e o Maxi não inventa, não precisa de fingir que sabe fintar para se realizar dentro de campo, nunca faz o que não sabe. E depois há aquele seu vaivém constante durante os jogos e os cruzamentos que ele faz, quase sempre excelentes e com a tensão necessária para convidarem ao desvio do avançado, bem como a consciência táctica que demonstra (consciência não só da sua própria posição em campo, mas também dos sacrifícios que tem de fazer pelos colegas, razão pela qual o maxipereirismo é toda uma ética), que desmentem a ideia de que o Maxi seja o jogador troglodítico que tantas vezes dele querem fazer.

Como se costuma dizer, o Maxi mete a cabeça onde os outros têm medo de meter os pés — e que razão têm eles em fazê-lo, pois os seus pés é que têm algo a temer, quando pelas redondezas anda a cabeça decerto granítica do Maxi. A disponibilidade para dar o corpo ao serviço da equipa é algo que ele tem de sobra, e é o mais importante num defesa. Todos os benfiquistas deviam ter isso presente, quando virem o Maxi a fazer mais um carrinho, vindo de trás, a correr deseperadamente atrás do adversário, sem se preocupar se se vai magoar ou não, sem sequer pensar se pode bater com a cabeça no poste ou na rótula de um jogador adversário, e apreciá-lo pelo que ele é, que não é pouco.


Como não o foi aos 89 minutos, quando colocou o corpo na trajectória de um remate forte do Vinícius e impediu que fosse golo do Belenenses ao levar com a bola nas costas. O remate saiu forte (ao OSP, ter-lhe-ia doído, o OSP não tem vergonha de admiti-lo, ainda para mais com o frio que estava), mas o Maxi não se importou e foi logo colocar-se junto ao primeiro poste para defender o canto que acabara de conceder. E mostrou, ao David Luiz, ao Sidnei, ao Jorge Ribeiro e a todos os defesas que gostam de jogar em souplesse (mas não se chamam Beckenbauer, Hansen, Mozer, Koeman ou Baresi), como é que as coisas se fazem.


SLB, 1 - Belenenses, 0

16.1.09

Afinal, o que nos separa do título é apenas um bilhete de época

“Um campeonato é uma prova de regularidade” é um daqueles chavões cuja veracidade é regularmente apedrejada com fervor fanático.
Em primeiro lugar, porque “regularidade” incorpora dois possíveis significados: trabalho acertado e de qualidade constante ou conformidade com as regras. Por isso, e atendendo a que o Porto ganhou a maior parte dos campeonatos das últimas duas décadas e considerando o segundo possível significado da palavra em questão, o campeonato português foi sim uma prova de clara irregularidade.

Em segundo lugar, e focando o tema no importante, os dois últimos campeonatos ganhos pelo SLB foram, e agora pensando na mais comummente aplicada designação de regularidade, tão regulares como a vida amorosa da Elsa Raposo.

Eram duas equipas com desequilíbrios profundos, que terminaram os campeonatos sem a tranquilidade que qualquer uma das “regularidades” permitiria.

E, em ambas, um jogador demarcou-se dos demais: primeiro João Pinto, depois Mantorras. João Pinto, que durante cerca de 80 minutos foi o melhor jogador do mundo, tornou-se o antecessor do erro informático que afectou as máquinas do Casino de Lisboa, dando o jackpot de 3-6 ao SLB, nesse jogo de belíssima memória.
Já Mantorras foi ainda mais do que isso: foi um irmão de Cristo, que durante semanas a fio, ao invés de transformar pedras em pão, transformou bolas transviadas em golos, numa sequência de milagres, pueris aos olhos de cristãos, mas maravilhosos perante os nossos.

O SLB de Quique dá-nos meia confiança, pois apresenta um forte traço da inconstância daqueles dois momentos, mantendo-se na linha de cima. Mas não se vislumbra um Mantorras, nem sequer o próprio do Mantorras, e muito menos o João Pinto. O OSP nunca o revelou, mas até acreditava que Balboa poderia o ser o “tal” desta época, mas era uma crença – completamente esfumada, adiante-se – mais baseada numa bondade à Padre Américo, que acredita que todo o ser humano, e em especial o jovem, tem sempre alguma qualidade.

Pois no mais improvável dos jogos e até das competições (apesar de o OSP prezar muito competições patrocinadas por cervejas – se a UEFA fosse a Taça Heineken e a Taça de Portugal a Taça Super Bock, diz-nos a sensibilidade obrigádosápíntica que ainda estaríamos em competição), surgiu um esboço de uma luz, apontado a um jogador que até apresenta um nome fortemente bíblico.

Di María é estruturalmente inconsciente – o que o aproxima de Mantorras – e, no jogo com os algarvios, foi, durante 20 segundos, o melhor jogador do mundo (se conseguisse manter aquele nível por mais 79 minutos e 40 segundos, aproximar-se-ia de João Pinto). Mas, realmente, nunca o tínhamos visto fazer nada de similar por aqui. A explicação é óbvia, assumida pelo próprio, e escarrapachada em tudo o que era capa de jornal: a presença de Maradona.

Temos então aqui uma maneira de arranjarmos o nosso Mantorras-João-Pinto desta época e, consequentemente, um caminho claro para o título: um bilhete de época para o Maradona. E até podemos pagar viagens, estadias, comida e bebida (e mais qualquer coisita, caso vícios antigos venham à tona). Para quem já deu 3 milhões pelo Balboa, seria uma absoluta pechincha.

SLB, 4 – Olhanense, 1

14.1.09

Ganhar à Porto, parte II?

Ser ou não ser fora-de-jogo, eis a questão.


Dizia há uns tempos que o Benfica, depois de anos e anos, joga para ganhar (e anos e anos e anos...), e confesso que a minha veia de desportista não dopado quer é ver o Benfica a jogar para ganhar, a marchar para cima deles, e o resto que se lixe (já a veia de desportista dopado quer ganhar com um penalty, mal assinalado, cobrado com a mão – mas é veia que mantenho bem garrotada)!

O Quique enganou-me, já sabemos. Eu às vezes desgarroto, para não ter de amputar, mas golos fora-de-jogo é coisa que não me faz sofrer (a não ser que nos sejam marcados pelo Demo). E com isto respondo à pergunta que faço em título. É coisa que faço com frequência, responder-me; mais ninguém consegue responder às minhas complexas questões.

O OSP gosta de ataque, gosta de golos e respeita pouco árbitros com a postura de uma serpente, quando na vertical. O medinho, sentimento que faz tanto parte do ADN português quanto o pastel de nata e o bacalhau no Natal (há quem coma outras coisas, mas nem todos são medrosos), transpira (demasiado literalmente quando nas Antas nome muito mais apropriado do que Dragão, e nós aqui gostamos de chamar as Antas pelos nomes) pelos (e aqui consigo colocar mais uns parêntesis, normalmente associados a quem gosta de inserir notas no corpo do texto, fazendo transparecer outra bela palavra erudição) juízes (e... não, afinal não tenho nada para dizer aqui) do nosso futebol.

Resumindo, para quem gosta de português, os árbitros portugueses são uns maricas de m***a e, por isso, marcam foras-de-jogo quando há cinco defensores entre o marcador e a linha do golo, e evitam marcar penalties a não ser que haja sangue, se jogue nas Antas, ou esteja em campo o Jardel.

Os foras-de-jogo são para marcar quando NÃO há dúvidas, por isso nunca nos insurgimos contra nenhum dos 28 golos marcados pelo Hélder Postiga em tal posição. Queremos é golos, ontem na baliza do Eduardo, hoje na do Bruno Veríssimo, amanhã na do Júlio César. É esse o sal do futebol (acho que aqui me antecipei às minhas outras personalidades), ver a bola a balouçar lá, onde as aranhas fazem o seu ninho.

Balouçou uma vez, com um belo cabeceamento, de um belo rapaz.
O Benfica lidera.
Está, pois, on side.


Benfica, 1 - SPORTING de Braga, 0

12.1.09

A vez do Iznogoud *

Os pecados do OSP são, na sua maioria, confessáveis. Um desses confessáveis pecados é a inveja que sentiu do Sporting por este ter o Vítor Damas. Sim, o melhor guarda-redes era nosso, mas o Manuel Galrinho Bento, do excelente guarda-redes que indubitavelmente era, só tinha mesmo o génio. Quanto à condição de elegância que o OSP já, e principalmente na sua tenra idade, considerava essencial para o mui digno exercício de defesa das balizas, zero. Bento era um cruzamento de cantor pimba com gajo de Alfama. Uma adamada permanente, com um viçoso bigode. E nos braços, para piorar a já feiosa cena, a manga curta, algo que, nos keepers, a FIFA, em vez de impor a camisola por dentro dos calções – à velho –, deveria punir severamente.
O Damas, embora não tão bom como o Bento**, que defendia as redes a golpes de pau e tiros de morteiro, usava florete, limpando o perigo com a elegância de um nobre Mosqueteiro, com o cabelo – curto – alinhado e composto com um longo calção preto. Um verdadeiro guarda-redes na óptica obrigadosápíntica, tal como os russos Aranha Negra e Dassaev, o italiano Zoff ou o nosso Costa Pereira.


A inveja desapareceu, mas a tristeza não, e até se agudizou. A substituição de Bento manteve a deselegância, mas retirou-lhe o brilho e somou-lhe o ridículo mal-educado. O OSP não quer falar mais do personagem do que é necessário, mas Silvino Louro, além de sofrer golos de qualquer tipo que conseguisse levantar uma bola por cima de uma barreira, lançou a técnica de se mandar sempre para o chão independentemente da altura a que a bola se preparava para entrar na baliza. Foi assim que sofreu um golo de Jaime Magalhães na Luz, golo esse que o próprio do Louro, com a cara contorcida por dores derivadas das varizes, classificou de “um ganda golo”. E a esta vocação de fiscal de baliza somava o tal ridículo mal-educado, que se consubstanciava em vestir, regularmente, um uniforme integralmente de cor verde.

Inibimo-nos de qualificar mais este indivíduo, que foi, entretanto, arrumado num canto escuro da história, e avançamos no tempo até chegar a mais um génio da grande área, este até melhor que Manuel Bento: Michel Preud'Homme.

Se Eusébio nos empurrou para a Europa, Preud'Homme segurou-nos na primeira divisão. A tal melhor defesa de sempre que atribuem a Banks, a parar um cabeceamento de Pélé, era replicada semanalmente por Preud'Homme, embora a parar remates de avançados sem pedigree.
Mas, Michel, dit nous: porquê aquele cabelo? Porquê? Estar a uma simples tesoura da perfeição e preferir fingir que se toca guitarra com o Freddie Mercury é atitude que ainda hoje deixa perplexo o OSP.

Depois dessa breve era, a baliza do SLB voltou a ser profana. Mas, entre promessas (Enke) e pesadelos (Bossio), renasceu a esperança. Surgiu Moreira.

O OSP tem a característica de estimar como ninguém os filhos do SLB, os miúdos criados no clube e que assomam à primeira equipa. Não os defende com unhas e dentes, porque a coragem física não é o seu forte, mas não há comentário depreciativo que não seja contra-atacado com uma vigorosa retórica.
Bruno Caires era gordo e não cortava uma bola? Sim, mas fazia passes a 60 metros (na verdade fez só um, contra o Sporting, na Luz, salvo erro). Kenedy não sabia driblar? Sim, mas era um poço de força. Paulo Madeira foi o pior central que já alinhou com a camisola encarnada? Provavelmente não, até porque o Jorge Soares também a envergou, mas, assumindo que sim, lembrem-se que ele usava aquele cabelo, passe o eufemismo, devido a uma promessa que envolvia a sua mãezinha, e tudo o que tem a ver com mãezinhas deve merecer o nosso máximo respeito. E assim sucessivamente, com Rui Pedro, Padinha, Edgar, Diogo Luís, Hugo Leal, até aos mais recentes João Pereira e Manuel Fernandes, a merecerem todos o cobertor de compreensão da retórica cá da casa.
E Moreira também. Mas este, com o seu cabelo à homenzinho, com a sua postura hirta, com os calções e as mangas compridas, parecia revestir-se, acima de tudo, de sonho: um bom e elegante guarda-redes.
E assim foi durante uns bons tempos, em que olhámos para a baliza sem irritação, mas também sem a admiração do extraordinário. Apenas com um sorriso pueril nos lábios, de quem tem ali um sobrinho a defender a nossa cor.

Até que Moreira foi vítima de uma das maiores injustiças – e não só desportivas – da história contemporânea. Após um jogo catastrófico, em que Moreira foi claramente o melhor jogador, o velho Trap escolhe-o – por ser um alvo fácil – como símbolo da mudança. E regredimos cerca de 15 anos, voltando a ter um sósia do Silvino Louro, com aquele ar desgraçado (que os jornalistas apelidam de “humilde”, essa característica tão sinónima de mediocridade) de quem está constantemente a pensar “ai, ai, que lá vou eu levar outro golo” e que se apoderou da nossa primeira camisola.
Moreira ficou-se ora pelo banco de suplentes, ora pelo banco do hospital, num suplício partilhado por muitos e, principalmente, pelo OSP.
Esta época prometia mais do mesmo, apesar da vistosa pré-época deste nosso sobrinho. Mas, graças a Queiroz, o Louro II não conseguiu disfarçar por mais tempo a sua insofismável tendência “frangófona”.

E Moreira, finalmente, retomou o seu trono, num assomo de justiça para o próprio e de intensa alegria e descanso para o OSP.

Entretanto, frangou contra o Trofense. É verdade, mas com inegável elegância.

Valéry escreveu que "Elegância é a arte de não se fazer notar, aliada ao cuidado subtil de se deixar distinguir." E escreveu-o, imaginem, mesmo sem nunca ter visto o Moreira.

* Não pretendemos comparar Moreira a Iznogoud. Moreira não engana: é com certeza moço sério, casadoiro, extremoso pai e marido, incapaz de pensar mal de um companheiro de equipa, quanto mais de fazer o que quer que seja de incorrecto para subir na vida. O Iznogoud somos nós, todos nós, aqueles que, com Moretto na relva a ser assistido, umas épocas atrás, gritámos pelo Moreira, numa raivosa e violenta demonstração de querermos, sem olharmos a meios, outro “Califa”.

** A comparação qualificativa que apresentamos refere-se à década de 80. Não teríamos pejo em assumir que o Damas dos setentas poderia ser melhor do que o Bento que vimos, mas o OSP não era graúdo o suficiente para assistir a jogos nessa altura. Infelizmente. Infelizmente, porque também teríamos a alegria suprema de ter visto Eusébio, naquilo que constitui, praticamente, o que o OSP tem de reaccionário.

11.1.09

Savoir-fouler

Tirando os tempos em que seguia religiosamente, semana após semana, o Ponto de Encontro, o OSP nunca aprendeu grande coisa com a SIC. Contudo, durante o Guimarães-SLB de quarta-feira as coisas mudaram, e o OSP enfim aprendeu. Aprendeu muito a ver a SIC. Aprendeu, por exemplo, porque é que o Carvalhal, esse ressabiado antibenfiquista, foi despedido outra vez (o OSP pode avançar que tal se prende com o facto de ele ser um chato e um peneirento do caraças que se julga o Hermes Trimegisto de um jogo que consiste essencialmente em pontapear uma bola) e também que, apesar de as coisas não estarem famosas no SLB neste momento, existe uma solidariedade, um certo companheirismo, entre os jogadores do plantel que é tranquilizadora — os prolongados abraços trocados entre todos os jogadores de campo depois do golo do Carlos Martins foram, mais do que quadros vivos de um homoerotismo suado, um sinal de que ao menos há por ali querença para jogar em prol dos companheiros de equipa. (Depois de manter um blogue sobre futebol durante mais de um ano, o OSP conseguiu finalmente utilizar a locução “em prol de”. Esta falha inadmissível, até agora por todos inobservada, para alívio do OSP, foi finalmente suprida.)


Mas, sobretudo, o OSP aprendeu que está a ficar velho. Há muito tempo, nos anos em que começou a frequentar a Luz, o OSP lembra-se, não só de ficar com as nádegas entorpecidas por causa do frio das graníticas bancadas do antigo estádio — do verdadeiro estádio —, mas também de se sentir fascinado com a sapiência daqueles benfiquistas mais velhos que, no princípio de cada época, eram capazes de definir a qualidade e o futuro imediato no SLB dos reforços da equipa só pela corrida destes. Para esses sábios, dava para ver se um jogador era ou não “jogador pò Benfica” pela sua maneira de correr. Como o OSP ouviu a um deles uma vez, um jogador só era bom, se “soubesse pisar”; se pisasse mal, isto é, de forma pesada, abrutada ou em esforço, bem como de forma demasiado suave, era descartado para sempre pelo Terceiro Anel. Quantas vezes viu o OSP benfiquistas negarem à partida jogadores que desconheciam só por o estilo de corrida deles não lhes agradar...


Errónea ou não, o facto é que esta ideia germinou no espírito do jovem OSP e ganhou consistência à medida que o jovem OSP foi vendo jogadores que, mesmo que algum dia jogassem calçados com umas Doc Martens, iram sempre parecer estar de pantufas: o Sócrates, o Luisinho, o Antognoni, o Chalana, o Van Basten, o Laudrup, o Aldair ou o Redondo, afinal, foram jogadores de pés tão ligeiros que seriam capazes de atravessar um campo minado a driblar por entre cones (num exercício revolucionário possivelmente imaginado pelo Carvalhal) e sair de lá indemnes. Nenhuma mina explodiria ao ser tocada por aquelas quase-etéreas extremidades de membro inferior.


Assim, passados mais de 20 anos sobre ter ouvido falar pela primeira vez da importância do saber-pisar, o OSP teve como momento mais significativo do jogo de Guimarães o da substituição do Aimar. Quando se deu o obrigatório close-up do rosto do Aimar, enquanto ele caminhava/trotava em direcção ao suplente que iria entrar para o seu lugar, o OSP prendeu a respiração. Até agora, no mais das vezes em que o Aimar aparecia em close-up na televisão, ou depois de um sprint ou no momento em que era substituído, a sua fisiognomia contava histórias sobre o que se estava a passar no mais profundo das suas miofibrilas. As dores musculares faziam com que o passo do Aimar fosse o de alguém que tinha as virilhas perpetuamente assadas, e o seu esgar desvendava sempre mal-estar e esforço e desconforto excessivos — no fundo era um ríctus que revelava que o corpo do seu portador estava cheio de caruncho. Para o OSP, ver o Aimar sair de campo era uma experiência quase tão incómoda como uma entrevista em inglês conduzida pelo Mário Augusto.


Até quarta-feira, efectivamente, a palavra que o OSP mais associava ao Aimar era “caruncho”, porém tudo mudou aos 77 minutos. Enquanto o Aimar era substituído, as feições do seu rosto eram perfeitamente normais: cansadas, mas normais. Não havia nelas indícios de dor lancinante ou de simples desconforto. Até quando correu ligeiramente para apressar a substituição, o Aimar não fechou os olhos ou enrugou o nariz ou cerrou os dentes para disfarçar qualquer transtorno físico: saiu calmo, cumprimentou quem o substitui e foi para o banco, onde o OSP presume que se sentou sem sentir grandes dores nos glúteos.


Enquanto esteve em campo, o Aimar de Guimarães continuou, claro, a só jogar em repentes (como o OSP já disse, é essa a natureza do génio, e o OSP aceita-a com um reverencial abaixar de cabeça), contudo pela primeira vez este ano correu como um desportista, não como um sócio do INATEL. Nesses repentes, foi um prazer vê-lo jogar, ver como o instinto dele o leva sempre a correr para o lado certo, a passar sempre para o companheiro de equipa certo, ver como a bola sai sempre culta daqueles pés que pisam como poucos — não há uma tabela (acção em que é um superior intérprete magnussoniano) ou um passe em que ela não vá perfeitamente controlada para o companheiro de equipa, numa maravilhosa economia de inércia.


Sobre o árbitro assistente que marcou mal fora-de-jogo naquela jogada aos 23 minutos em que o Aimar passou, longo, alto e diagonal, para o Di María (que estava para aí dois metros em jogo) com o corpo completamente torcido e a apontar para outro lado, e a bola a fazer um efeito banana semi-impossível num passe feito com o pé sinistro por um jogador destro, poderá não constar nada no relatório do observador da Liga, contudo aquele terá de viver para sempre com o opróbrio de ter destruído um lance em que futebol foi criado, e isso é pior do que qualquer negativa numa avaliação. O OSP estará doravante de olho em ti, Valter Oliveira, e o olhar do OSP é plúmbeo e castigador.


Mesmo que esta época não traga títulos ao SLB, se ao menos devolver o Aimar ao futebol mundial já terá valido a pena, porque às vezes é mesmo preciso pensar primeiro na grande ordem das coisas.


Guimarães, 0 - SLB, 2

7.1.09

A implosão da mama de Quique

A “boa aparência” era, em tempos idos, uma condição importante para o bem-estar social (e obviamente financeiro), mas consistia, em geral e apenas, numa imagem cuidada. Hoje, a “boa aparência” passa por corpos infiltrados de músculos ou silicone, consoante o género, e tornou-se, em muitas actividades, “a” condição para o sucesso.
A premência da “boa aparência é tão extremada que até personagens caracterizadas pela sua intensa fealdade são interpretadas por pessoas de reconhecida “boa aparência”, como Charlize Theron, quando interpretou uma serial killer, ou Joana Amaral Dias, quando faz de deputada do Bloco.


O cinema e a política são campos em que a forma prevalece facilmente sobre o conteúdo. Carmen Electra – nesse prodígio televisivo que era o Baywatch – não só demonstrava uma inabilidade profunda na disciplina de natação como de interpretação. Mas não recordo queixas de ninguém, porque, de facto, a forma, ou melhor, as formas, prevaleciam sobre o conteúdo.

O Quique foi, até há bem pouco tempo, uma Carmen Electra. Também apresentava um peito protuberante e distractivo, só que, ao contrário de Carmen, sem silicone. As mamas do Quique eram o Pako Ayestarán.

Depois dos tempos do vazio suado de Camacho e da agonia (enternecedora, é certo) de Chalana, Quique colocou-nos um vistoso par de mamas à frente: a “cientificidade” de Pako. Acabavam os tempos do improviso, da ingenuidade, dos apelos ao brio e às “ganas”. Tudo passava a ser controlado, planeado, com os jogadores em campos cheios de fios com sensores, e o Pako, no banco, com um joystick a fazê-los jogar de forma perfeitamente controlada, numa espécie de PES a 3D.


E, por uns tempos, alinhámos naquilo. A equipa não sabia nadar, nem parecia saber interpretar um jogo de futebol, mas Pako, com a sua careca reluzente e o ar de quem domina de cor a Enciclopédia Britânica, naquilo que no seu conjunto constitua um enorme e atraente decote, continuava a distrair-nos do essencial.

E, no essencial, faltava ao Quique, e às suas mamas, bom senso básico. E o bom senso básico passa por não transformar um bom médio-centro num médio-direito medíocre (Rúben Amorim) ou um fantástico cavador transformado num trinco (Binya), passa também por não enviar o lateral-esquerdo errado para o Brasil ou por jogar em contra-ataque contra equipas que não atacam, só para dar alguns exemplos.

A ausência de bom senso não é suprida por “boas aparências”, por mais voluptuoso que fosse o espectáculo científico “sinicolado” de Pako. E, tal como aconteceu há uns anos a Ana Obregon (uma figura central da !Hola! e, curiosamente, uma ex de Hugo Leal), ao Quique, na Trofa, implodiu-lhe uma mama. A “boa aparência” caiu, a forma abriu o pano e deixou ver a completa ausência de conteúdo daquela equipa.

A boa vontade (provavelmente mais o desespero) do OSP ainda deixa, a Quique, uma mama incólume. Uma restiazinha de confiança na estética "Pakiana" que durará até ao Braga.

Mas, se não te safares, amigo Quique, podes ter a certeza de que durante o resto da época haverá mais malta a rever episódios do Baywatch do que a ver jogos do SLB. Mamas por mamas, antes as outras.

Trofense, 2 – SLB, 0

4.1.09

Karajan, esse famoso canalizador

"Fajardo - 4
Teve a difícil missão de substituir o maestro Nuno Assis e talvez tenha acusado essa pressão"

in "O Jogo" de hoje

Mão de frade

Se há coisa no mundo que o OSP odeia, são os apertos de mão flácidos. E não é difícil perceber porquê: no País marialva em que o OSP cresceu, no qual a violência doméstica era uma instituição nacional a defender, tão intrinsecamente portuguesa como os Descobrimentos, o bigode ou o Sumol de laranja, a capacidade de exercer uma mais ou menos prolongada e firme pressão com a mão direita era um sinal primeiro de masculinidade, uma espécie de cartão-de-visita varonil capaz de fazer ou desfazer reputações. Era sabido: se o aperto de mão recebido fosse do tipo quebra-ossos, estava-se diante de um macho a sério, estava-se diante de um Bruno Alves.*


Mais: os apertos de mão flácidos nem precisam de ser deliberados ou sequer intencionais para o OSP sentir um arrepio a viajar-lhe da laringe ao tubo digestivo com bilhete de ida e volta. Um aperto de mão, afinal, conforme foi ensinado ao OSP, tem de ser forte, franco e verdadeiro — à militar, quase que apetece dizer; ou apetecia, antes de o Pedro Henriques desonrar para sempre a profissão marcial —, é um dever que não admite desvios e que tem de ser cumprido com brio. Já se, além de ser flácido, o aperto de mão ainda vier molhado de suor, então ainda pior. Não há nada mais repugnante do que apertar uma mãozinha suada, e o OSP sabe-o bem, visto que o seu carisma leva a que a quase totalidade das pessoas que o conhecem faça questão de lhe dar frequentemente um passou-bem.

O que sempre disseram ao OSP, na sua infância, foi que um aperto de mão desvenda de imediato a personalidade de quem o dá. O OSP, que blasona, como é público, uma personalidade verdadeiramente larger than life (que decorre do tal carisma inda agora mencionado), tem, por conseguinte, um aperto de mão vigoroso, tenaz, revelador de energia viril e destemor, daqueles que fazem o outro apertando contrair os lábios de dor depois de dizer “Como está?” (isto em termos de manifestações visíveis) e invejar o desempenho do OSP na esfera íntima (isto em termos de manifestações mentais). Já o SLB do Quique tem hoje em dia um aperto de mão flácido e muitas vezes molhado, na medida em que revela não ter qualquer personalidade, não é enquadrável em nenhum dos quatro humores da Escola de Cós.

A verdade é que a personalidade não se vê à superfície, e se o SLB do início da temporada, aquele que começou por jogar só com um trinco e dois extremos, parecia querer agarrar os jogos pelo colarinho e ditar como eles decorreriam — assim lhes impondo a sua personalidade —, afinal veio a provar ser enganador, já que o Quique foi progressivamente revelando ser mais treinador de 2-1 (e mijadinho…) do que de 4-3, como esperava o OSP. Claro que, para ficar a saber isso, bastava ao OSP ter ido ver a relação entre golos marcados e sofridos que ele teve no Valência, no campeonato mais aberto da Europa (a Holanda não conta, porque o haxe causa preguiça) e com uma equipa cujo ponta-de-lança era o David Villa, mas o OSP preferiu acreditar nas palavras que saíam da boca de um treinador jovem e belo (além de pouco conhecido, o que só reforçava a sua aura sebastianista) em vez de fazer sempre cansativas pesquisas de factos.


Depois de um começo de época com o seu quê de exuberante, com o Quique a entusiasmar nas entrevistas e nos jogos com o Porto, o Sporting e o Nápoles, o OSP começou a ficar desconfiado em Guimarães. É certo que o SLB teve, aí, de superar várias dificulda… aliás, de superar o Xistra e a expulsão do Reyes, mas, na segunda parte, a táctica da equipa resumiu-se a submeter o Guimarães a um verdadeiro massacre defensivo, com o Suazo sozinho (mas mesmo, mesmo sozinho) no ataque. É um facto que o Quim não teve de fazer quase nada nesse período e que a exibição do SLB em Guimarães foi, sem dúvida, e até agora, a mais conseguida da época, no sentido em que foi aquela em que mais deu para ver que a equipa cumpriu à risca a táctica ordenada pelo treinador — só que também foi aquela em que a equipa se mostrou menos ofensiva, donde o sinal de alarme obrigadosápíntico.

Com o decorrer da época, o SLB tem vindo a transformar-se numa equipa cada vez menos brava, cada vez menos conquistadora. Joga de forma cada vez mais segura e controlada, entra em campo mais e mais expectante e passiva. Quanto à abordagem ao jogo por parte do SLB, em relação ao ano passado, com o Camacho, o OSP atreve-se a dizer que só mudou uma coisa: a natureza dos passes longos para o ponta-de-lança. Para o Cardozo, iam pelo ar, para o Suazo vão rente à relva — e depois eles que se safem.

O OSP está convencido de que o problema, aqui, foi o facto de o Quique ter começado bem. Como experimentou elogios e um sucesso talvez temporão e inesperado, teve medo de o perder — quis garanti-lo, depositá-lo no banco — e foi ficando cada vez mais conservador: primeiro tirou o Léo, cujo ADN era demasiado atacante e desequilibrava a equipa; a seguir foi alternando o Carlos Martins, demasiado anárquico e apatetado, é certo, mas cuja capacidade de passar e, em menor escala, de guardar a bola está ainda hoje ligada ao melhor futebol que o SLB jogou este ano, entre a equipa e o banco; depois começou a jogar com dois trincos, mais o Rúben Amorim na direita, e a bola deixou de chegar com facilidade à frente, como chegou em Paços de Ferreira; e por fim começou a meter o Binya a titular com frequência, no que só pode ser descrito como um metafórico recolhimento testicular.

Como parece distante aquele jogo em Nápoles, o ousio de deixar espaços em campo por preencher, por antes de tudo o mais se jogar olhando para a baliza do adversário. O SLB vai à frente do campeonato, é certo, ainda não perdeu um jogo, o.k., mas tem quase tantas vitórias (sete) como empates (cinco), no que é um verdadeiro retrato da sua corrente mediania. Nem boa nem má, nem excitante nem excessivamente aborrecida, nem ousada a atacar nem competente a defender, a equipa do SLB deriva na mediocridade futebolística, por muito que o cume da classificação tudo disfarce. Com os jogadores que o Quique tem no plantel, o OSP confessa que esperava mais, esperava uma passada confiante; em vez disso, o SLB deste ano está a revelar-se tão irritante como a Susana Feitor.


À equipa, falta em vontade de jogar o jogo o que lhe sobra em vontade de o controlar. Com o Nacional, o lance mais memorável de hora e meia de futebol — isto do lado do SLB, porque o Nacional, que foi sempre melhor equipa, jogou muito e bem, e, nesse processo, fez o Manuel Machado parecer o Fabio Capello — aconteceu ainda na primeira parte, a cinco minutos do intervalo. O Miguel Vítor, que substituíra o Sidnei, lesionado, deu por si com a bola à saída da área do SLB, sozinho, e tentou sair a jogar, a ver se agitava um pouco uma primeira parte em que a exibição do SLB foi lamentável (tal como com o Estrela, o Setúbal, o Leixões para a Taça e o Metalist). Como a habilidade não é o seu ponto mais forte, ao fim de dois toques acabou por adiantar de mais a bola e perdeu-a. Correu de imediato de volta à defesa, possivelmente embaraçado, porém o que o levou a tentar sair a jogar foi vontade de jogar futebol (como se estivesse ainda a galgar no pelado do Ponterrolense...), mesmo que fazendo algo que está para lá das suas capacidades. Em todo o jogo com o Nacional, esta foi a única coisa que o OSP viu, na equipa do SLB, que saiu do programado, do sistémico.

Mais do que jogar sem chama (o que já não faz de forma continuada, com excepções pontuais, desde a primeira passagem do Camacho pela Luz) e muitas vezes sem estratégia aparente, o grande problema é que o SLB está pouco a pouco a deixar de jogar futebol. (O OSP está até preparado para cometer o sumo sacrilégio de dizer que o SLB do Fernando Santos jogava muito mais à bola do que o SLB do Quique.) Não é coincidência, aliás, que um dos melhores jogadores de futebol da equipa esteja de férias pagas no Brasil.

E o que mais dói ao OSP nisso é que o Léo foi preterido em nome de uma suposta eficiência defensiva, por causa de uma concepção cientificista do futebol, e isso o OSP não pode tolerar. Ao degredar o Léo e o futebol de improviso que ele encarnava, o Quique retirou simbolicamente alma à equipa, cedeu à visão maquinal do futebol em tudo o que ela tem de negativo. Se alguns benfiquistas, por exemplo, só vêem motivos de satisfação no aproveitamento actual que a equipa faz das bolas paradas, que vêm dando ao SLB uma grande percentagem dos seus golos, o OSP não se regozija por aí além com isso — confessa, até, não ser grande apreciador destes “lances de laboratório”. Os laboratórios, ao fim ao cabo, são sítios frios e sem alma, fedem a éter, e as bolas paradas não são futebol, porque o futebol é movimento. A cada livre que o SLB ganha no meio campo da equipa adversária, o OSP vai ficando mais macambúzio, pois sabe que isso é logo razão para o treinador mandar o Reyes meter a bola na área, mesmo que o livre seja a 45 metros da mesma. Contra o Nacional, não estava o Reyes, mas foi assim à mesma. Quase sempre.

Esta ideia terá os seus méritos, e o OSP aprecia tanto um livre bem pensado como qualquer amante de futebol, mas gostava que a equipa não parecesse estar sempre à espera disso para marcar um golo. Ao conceber assim o futebol do SLB, abordando-o de forma estatística e probabilística, parece ao OSP que a personalidade que o Quique está a tentar dar à equipa é uma personalidade oportunista. Ao enfatizar os livres, ao apostar em demasia no contragolpe via Suazo, ao recusar o jugo de ter de mostrar que vai jogar para ganhar durante cada um dos 90 minutos que dura um jogo, o Quique demonstra também não ter ainda percebido o que é o SLB, que nunca pode entrar em campo e olhar para o jogo a partir de uma perspectiva oportunista — sobretudo em jogos com o Setúbal ou o Nacional, poramordedeuscaralho. O OSP sabe, contudo, que o Quique é um treinador inteligente e concede que ele ainda vai bem a tempo de mudar, porque pode fazê-lo (ainda bem há pouco tempo, aliás, o OSP louvava essa inteligência e mostrava desejo de cenar com o Quique, que aparentemente prefere fazê-lo com o Maradona); caso contrário, o OSP prevê-lhe uma longa carreira a acumular títulos na Liga dos Campeões de África.

O que o OSP espera é que os últimos sinais de algum desgoverno que viu no Quique (o criticar os jogadores, que ele próprio havia desresponsabilizado antes do jogo, por não terem reagido bem a um golo sofrido a cinco minutos do fim; o estar a levantar-se cada vez mais do banco para gritar com os jogadores, um show-off de reduzidos efeitos práticos que deixa transparecer falta de segurança em relação ao trabalho feito nos treinos durante a semana; o ter começado a falar dos árbitros) sejam coisas que ficaram no ano velho, senão o passado recente do SLB pode estar em vias de se tornar de novo presente. (Por favor, não, não, outra vez não!...) E, se for ainda mais inteligente do que o OSP pensa, até pode ser que o Quique decida pôr mais vezes o Miguel Vítor a jogar — e, já agora, que faça dele capitão para ver se o SLB tem finalmente um capitão benfiquista e com vontade de jogar à bola para apertar a mão ao seu congénere e ao árbitro antes da escolha de campo.


Ou então esta recente fragilidade não passa de um plano secreto do Pako Ayestarán, e o SLB vai acabar o campeonato numa forma física súpera e com dez 5-1 seguidos. É, deve ser isso.

* Ideia para um futuro texto: “Agora que ele está em pleno processo de branqueamento mediático, explorar a ideia de que os árbitros portugueses deixam o Bruno Alves apertar mãos por cá de uma maneira que não lhe é permitida em jogos no estrangeiro, o que explica a figura que ele fez nos 4-0 com o Arsenal e nos 6-2 com o Brasil.”

Benfica, 0 - Nacional, 0