18.10.08

O regresso de Artur Jorge

Por detrás da complexidade formal da crise dos mercados financeiros, a sua génese encontra explicação nas costumeiras e simples razões que explicam tudo o que a humanidade toca. Tal como no futebol, há uma multidão que exige resultados imediatos, gestores e trabalhadores que os procuram a todo o custo e entidades públicas inoperantes. E substituam o futebol por marcenaria, advocacia ou arquitectura paisagística, que vai dar no mesmo: qualquer crise ou sucesso encontra explicação nas mesmas causas e no mesmo tipo de actores.

É tentador tratar esta crise – até pela espantosa amplitude do seu impacto – como um feito isolado, desligado do resto do mundo e das pessoas comuns. Mas os tais mercados que agora ocupam as capas dos jornais não são obra de um sucedâneo do HAL: são conduzidos pelos biliões de decisões que todos nós tomamos a todo o momento, de acordo com as nossas necessidades, caprichos, preconceitos, convicções, deficiências e virtudes. Não há separação entre o “económico” e o “social” (a economia, para o caso de alguém não saber, é uma ciência social). Por isso, todos tivemos a nossa parte – por muito pequena que fosse – de responsabilidade nesta crise e todos partilhamos da ganância apontada aos gestores dos bancos em causa.

A ganância vive do curto prazo. De ter mais, mas agora. O longo prazo é um luxo exclusivo das sociedades ocidentais que, contudo, estas desprezam. Esperar é morrer, infere-se de uma máxima de Keynes. Tratamos então, recorrendo aos bancos, de ter a casa, o carro e o plasma que os nossos pais nunca tiveram ou tiveram bastante mais tarde. Até a nossa reforma empurramos para ser paga pelos nossos filhos e netos.
As tentativas de colar a ganância ao capitalismo são tão velhas como ridículas. Não há “ismo” com diluente suficientemente forte, porque o terceiro pecado mortal integra profundamente a natureza humana. Não é defeito, é feitio.

O OSP está preocupado com esta crise. Não com os seus efeitos imediatos, que poderiam resultar na perda das poupanças das pessoas, porque a população portuguesa, engenhosa, preparou-se atempadamente, endividando-se. Sendo-se devedor, não há problemas de cobrança. O que realmente nos preocupa são os seus efeitos futuros. E para os tentar antever, vamos analisar as causas e consequências da crise do SLB. Reafirmamos: qualquer crise ou sucesso encontra explicação nas mesmas causas e no mesmo tipo de actores desta tempestade dos mercados financeiros. E no SLB não foi diferente.

A crise do SLB teve o seu epicentro entre os finais dos anos 80 e os primórdios da década seguinte. Sob a gestão de Jorge de Brito, primeiro com o testa-de-ferro João Santos, depois democraticamente assumida, a pressão dos adeptos era imensa, especialmente depois da vitória dos portistas em Viena e da derrota do SLB em Estugarda. Era urgente resgatar o SLB Europeu. E Jorge de Brito, no seu benfiquismo irracional, passe a redundância, fez-nos a vontade, construindo uma equipa perto do fabuloso, mas que apenas durou os 90 minutos da final da Taça de 10 de Junho de 1993.
O problema dessa equipa é que não era sustentável. Os milhões (de antigos contos) investidos em Futre, João Pinto ou Isaías não tinham companhia, e os seus salários deixaram de ser pagos. O Pacheco e o fdp fugiram para o lado errado da Segunda Circular, João Pinto foi ainda resgatado algures em Espanha e Futre vendido a preço de saldo.


Mas, apesar do “Verão Quente”, o SLB retomou o seu rumo e venceu mais um título.
A crise financeira ainda não estava debelada, mas o SLB mantinha a sua actividade “core” de acordo com os seus pergaminhos.
Mas a liderança algo anárquica de Toni não satisfez a turba. Era preciso outro tipo de liderança. Uma que impusesse mais regras, um pulso firme que limitasse os devaneios dos jogadores, que acabasse com as noitadas de vodka e os resultados de 4 a 4.
E veio Artur Jorge, que correspondeu a todas as expectativas. Não mais se viram as correrias loucas de Isaías ou os dribles de Paneira, mas antes o rigor táctico de Nelo ou o profissionalismo de Paulo Pereira. O balneário do SLB encheu-se de activos tóxicos: King, Paulo Pereira, Marinho, Paredão, Paulão, Nelo, Marcelo, Tavares (este, em Milão, foi um activo literalmente tóxico) e muitos, muitos outros. O clube que tinha engrandecido à custa de coragem, ousadia, espírito de luta e capacidade de superação via-se agora amarrado, com as mãos algemadas a um guião detalhado.
As fundações do clube onde todos os treinadores se arriscavam a ser campeões desapareceram, soterradas debaixo de um mundo novo à la Huxley, com a sua infinita ordem e mediocridade.


Por tudo isto, não foi a crise financeira que levou o SLB a uma contemporaneidade repleta de insucesso. Foram as medidas tomadas para a corrigir. E, depois disso, a costumeira ganância, com a sua visão de curto prazo, que queimou uma infinidade de jogadores e treinadores na fogueira inquisitória em que se transformou o Estádio da Luz.

Voltando à crise dos mercados financeiros: pede-se, agora, mão firme, a limitação da actividade dos traders e gestores financeiros, com mais regulação e intervenção do Estado. E os diversos governos, que assumiram com particular incompetência um papel paradoxalmente designado como de supervisão, colocaram as capas e querem salvar o mundo – depois de terem assistido à construção da crise como se esta estivesse revestida de chumbo.

Lembrem-se da crise do SLB: têm a certeza que querem um mundo à Artur Jorge? Tudo se está a preparar para isso.
Como, no OSP, sabemos muito bem o que essa escolha custa, aconselhamos um mundo mais à Quique: com alguma ordem, sim, mas também com a liberdade que, dando origem a muitos erros, nos fará com certeza mais felizes.

Vão pensando nisto.

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