Os destinos do Obrigadosápinto e do treinador de futebol Artur Jorge Braga Melo Teixeira estão ligados por mais do que um mero passado histórico-desportivo partilhado; não, entre eles existe algo maior, que, de forma paradoxal, entra no domínio do infracutâneo, do celular, do intuitivo. Como se fossem Eternos, parecem partilhar uma unimente (nesta alegoria muito pessoal, o Obrigadosápinto é o Ikaris, o Artur Jorge o Druig), ou então é como se a sua ligação fizesse parte da própria estrutura do ADN de ambos.
Pensa-se, afinal, que o genoma humano tenha entre 30 e 40 000 genes, e toda a humanidade é, em termos genéticos, 99% idêntica. No caso do Obrigadosápinto e do Artur Jorge, há ali um 0,0000000000001% adicional que só eles partilham em todo o universo. Prová-lo? Seria difícil convocar o Artur Jorge para uma colheita de sangue para posterior comparação com uma do Obrigadosápinto (se a colheita fosse feita em simultâneo, na mesma sala, o Obrigadosápinto nem sabe como reagiria), mas este último pode pelo menos demonstrá-lo empiricamente, uma vez que, alertado por premonitória dor no joelho, um fruto de uma lesão antiga, simplesmente soube esta semana que algo se iria passar na vida do Artur Jorge. E passou-se mesmo.
Estes francamente entediantes prolegómenos servem tão-somente para introduzir uma nova rubrica neste blogue. Para concluir os prolegómenos (o Obrigadosápinto, como amante da palavra escrita, garante que, daqui por diante, irá escrever tantas vezes quanto lhe for possível “prolegómenos”, devido ao prazer que lhe dá fazê-lo), o que se passa é que o despertar de memória provocado pela tal pontada no joelho, aliado à actual míngua de avançados no SLB, fez com que o Obrigadosápinto decidisse divulgar uma prática que ele adoptou há anos e que, julga, neste caso poderia ter ajudado, há poucos dias, o próprio Camacho.
Com as lesões do Nuno Gomes e do Cardozo e a dispensa de um atleta argentino que, no Verão, veio jogar futebol para o SLB, falou-se na hipótese de o Mantorras poder ter de ser o ponta-de-lança da equipa em Setúbal. O Camacho, mestre do matter-of-factly, limitou-se a dar uma resposta com a sensaboria de quem fala do tempo: “Espero que [o Mantorras] possa ser importante no Benfica esta temporada.” Claro que o Camacho mais facilmente adaptaria o seu fétiche Maxi Pereira a ponta-de-lança do que poria o Mantorras a jogar de início, mas isso não interessa para o caso: o que importa aqui é a oportunidade que o Camacho perdeu de sofrer uma ascensão espiritual do tipo arturjorgiano. (Em vez disso, continuará num vulgar nível vocabular, intelectual, retórico e sofístico.)
O Obrigadosápinto não se recorda das palavras exactas, mas há muitos anos, quando o Artur Jorge era seleccionador nacional, perguntaram-lhe, antes de um jogo (contra o Azerbaijão, ou a Irlanda do Norte, talvez a Arménia… no fundo, era um adversário acessível), quem é que ele iria pôr a jogar a ponta-de-lança. O tema da falta de avançados em Portugal é clássico, e a resposta também o foi: "Vamos jogar com o Figo a ponta-de-lança, com o João Pinto a ponta-de-lança, com o Rui Costa a ponta-de-lança…”
Magnifico, Arture Giorgio, e, se o Obrigadosápinto fosse, à época, jornalista e estivesse presente na conferência de imprensa, ter-se-ia levantado, batido palmas de forma enérgica, mas afectada, e gritado “Bravô” (assim à francesa, como na ópera ou no teatro) repetidas vezes. O silêncio e os olhares alheios não incomodariam, aliás, o Obrigadosápinto, figura independente da opinião de outrem que, no final, arriscaria, inclusive, levar um grande e grosso ramo de flores ao balneário com cheiro a linimento do treinador.
Esta réplica, aliás, está perto do cume no que toca às citações do Artur Jorge de que o Obrigadosápinto se lembra, Obrigadosápinto que vai agora revelar o que o Camacho deveria ter dito – e, ao mesmo tempo, inaugurar a rubrica OQEQOAJFNS neste blogue. Isso mesmo: O Que É Que O Artur Jorge Faria Nesta Situação?
Já bastas vezes na sua vida o Obrigadosápinto recorreu a esta acrónimo-mnemónica em situações de desespero e/ou de mero desconforto – e nunca se deu mal. O Obrigadosápinto numa situação de estar numa estática bicha nas Finanças? OQEQOAJFNS: ouvia música clássica no walkman (hoje em dia, num iPod). O Obrigadosápinto numa situação potencialmente íntima com uma rapariga? OQEQOAJFNS: declamava um verso romântico do Novalis ou, se a ocasião a isso fosse propícia, um mais lúbrico do Goethe (convém lembrar aos mais novos que o Artur Jorge é licenciado em Filologia Germânica). O Obrigadosápinto numa situação de ser treinador de uma equipa de futebol acabada de ser campeã? OQEQOAJFNS: punha seis trincos a jogar, abdicava dos extremos, dispensava os melhores e mais representativos jogadores do plantel, contratava o professor Neca e o Filipovic para adjuntos e dava o seu aval às contratações de Nelo, Tavares, King e Paredão, entre outros.
Por isso, numa próxima ocasião, à pergunta: “Camacho, com as lesões do Nuno Gomes e do Cardozo, o Mantorras pode jogar a ponta-de-lança em Setúbal?”, a resposta é só uma: recorrer ao OQEQOAJFNS. Ergo: “Vai jogar o Rodríguez a ponta-de-lança, o Petit a ponta-de-lança, o Katsouranis a ponta-de-lança…” Poderá seguir-se um "Bravô".
P.S. Amante, também, da palavra falada, o Obrigadosápinto admite que a única justificação para esta perfeitamente dispensável nova rubrica é, na verdade, a oportunidade de ele poder dizer “OQEQOAJFNS” em voz alta. Tem qualquer coisa de homo ergaster, de primal scream, e é bastante libertadora.
1 comentário:
bom post, dentro da linha a que nos está a habituar. Vou colocar o blogue nos meus obrigatórios. Só não gosto do nome porque me faz lembrar um treinador que eu gostaria de esquecer.
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