10.12.07

Causas primeiras

O segundo golo do SLB contra a Académica agitou e emocionou o Obrigadosápinto, fazendo-o, inclusive, saltar do sofá de forma ligeira. (No que diz respeito à sua vida interior, porém, foi o tumulto.) Léo, Binya, Petit, Léo, Nuno Gomes, Léo, Cardozo – sete passes, tudo ao primeiro toque (aliás, quase; diabos te carreguem, Petit, por precisares quase sempre de ajeitar antes de passar), golo.

A jogada ao primeiro toque é quando é mais belo ver futebol: não há tempo para pensar no que pode acontecer a seguir, a informação visual, não filtrada, entra como uma bala no córtex de quem vê, a reflexão é coisa de milissegundos e não chega a tornar-se consciente, o desfrute do prazer é imediato. Na jogada ao primeiro toque, os jogadores envolvidos provam a viabilidade da telepatia, estão a ajudar a materializar um devir que os transcende, no seu harmonioso trabalho em conjunto realizam a utopia socialista, ultrapassam a dualidade corpo-alma, são todos eles instinto. (E como o Obrigadosápinto aprecia voltar à megahipérbole, como se sente confortável no seu regaço.)

Por muito que se queira negá-lo, as preocupações da humanidade relacionam-se sobretudo com as causas primeiras, com o ur, e daí o fascínio pela jogada ao primeiro toque.

Que é, também, como a resposta pronta que se dá a quem nos manda uma boca: nada nos faz sentir melhor connosco próprios, pouco nos faz sentir pior do que quando não nos lembramos do que dizer e somos forçados a retirar-nos, com o orgulho ferido, sentindo os olhares de todos sobre nós e levando o desaforo para casa. O Obrigadosápinto, por exemplo, é um verdadeiro especialista em saber qual a resposta perfeita a dar em todas as situações possíveis; infelizmente, só a imagina seis horas depois de lhe mandarem a boca, e normalmente já aninhado nos lençóis, no conforto e segurança da sua própria casa.

A jogada ao primeiro toque, porém, é não só a reificação instantânea da possibilidade da espontaneidade, a boca mandada na altura certa, como também é tão criativa que quase não se acredita que não seja ensaiada. No fundo, aponta para uma realidade a priori fundamentalmente sadia, para a bondade instintiva que nos ficou do Pays de Cocagne. Contudo, é precisamente o seu desrespeito pela intermediação racional que faz o Obrigadosápinto preferir, quando joga à bola, dar dois ou três ou quatro toques na bola antes de a passar a um companheiro. A bola nem sempre lhe sai com boa conta.

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