Devido aos profundos conhecimentos de simbologia que adquiriu durante os seus anos académicos (e também por ser um insuportável pedante), o OSP confessa-se incapaz de olhar para o mundo com olhos maravilhados e crédulos (invejando ao mesmo tempo quem ainda o consegue fazer, como, por exemplo, as redacções do Almanaque Borda D’Água e da revista Dragões). Deste modo, a maldição do OSP é ter de estar sempre à procura da verdadeira natureza dos signos, é não olhar para as coisas senão de forma simbólica, é não ter interesse senão na alegoria. Cínico, não consegue apreciar um livro, um filme ou o Jornal Nacional da TVI pelo seu valor facial, visto que está sempre à procura de ligações, citações, ícones, índices.
E passa-se o mesmo com a forma como o OSP olha para os jogadores de futebol, ou não houvesse alguns que o fazem de imediato pensar em realidades diferentes — que, inclusive, as simbolizam. Pensando em grandes competições, por exemplo, todos concordam que o Mundial de 1966 é simbolizado pelo Eusébio, o de 74 pelo Cruyff, o de 86 pelo Maradona, o de 94 pelo Preud’homme, e por aí fora. Raras vezes, contudo, se encontra uma relação simbólica como a que existe entre a Taça da Liga e o Maxi Pereira, daí que seja fácil imaginar a alegria do OSP por, no jogo da Taça da Liga entre o SLB e o Belenenses, ter tido o privilégio de vislumbrar uma simbiose de tal maneira acabada. Por isso é que o OSP se denomina agora o padrinho simbólico da Taça da Liga, hoje em dia a sua competição preferida, como outrora o foi a Taça de Honra da AF Lisboa.
É que, para falar a verdade, ninguém liga grande coisa à Taça da Liga, e mais valia que o campeonato tivesse 18 ou 20 equipas, ou então que se ressuscitasse a referida Taça de Honra, a que também pouca gente ligava, mas na qual em tempos um jovem avançado chamado Tó Portela (sem relação de parentesco) marcou dois golos ao Sporting, enchendo de expectação entusiasmada o jovem OSP.
E é também que, para falar a verdade, ninguém liga grande coisa ao Maxi Pereira, que tem sido tão-só o jogador mais consistente do SLB este ano e se tornou absolutamente imprescindível para a equipa (bem como para o coração normalmente pétreo do OSP). Por “consistente”, atenção, não se entenda que o Maxi joga com a incapacidade de passar da desesperante mediania de um Rui Jorge ou de um Paulo Ferreira, ambos jogadores normalmente classificados como "consistentes",mas sim que ele é incapaz de jogar senão dando o máximo. O OSP vê-se forçado a admitir que percebe agora o favoritismo do Camacho em relação ao Maxi, se bem que ainda não consiga perceber como é que El Sudoroso alguma vez se lembrou de que ele poderia jogar em todas as posições do meio-campo.
O OSP tem, aliás, farta penitência que fazer em relação ao Maxi, a quem já deu pancada quanto baste no passado (como tudo poderia ter sido diferente, se ao menos o Maxi não fosse um tão claramente separado-à-nascença do Emplastro...), mas viu agora claramente visto que ele é, na realidade, um defesa-lateral à OSP — e, mais importante ainda, à SLB. À primeira vista, o que se nota no Maxi, no fim de contas, é que é à custa de determinação que ele sobrevive entre jogadores que, em 90% dos casos, têm mais talento do que ele. Mesmo que pouco mais tivesse para dar (contudo até tem, e muito), menos o Maxi nunca daria e, nisso, situa-se na linha de laterais do SLB como o Ângelo, o Cavém, o Veloso ou o Álvaro, que compensavam todas as suas escassezes com uma impecável noção do que era o serviço à equipa.
Tendo-se, pois, penitenciado ligeiramente, o OSP, que nunca corre o risco de ser humilde em excesso, deseja agora louvar a sua própria presciência, pois já augurara o ano passado, quando toda a gente batia no médio Maxi, que era como defesa-direito que ele poderia vir a fazer alguma coisa no SLB.
No jogo com o Belenenses, no qual para aí uns oito jogadores do SLB pareciam estar em campo a fazer um frete desgraçado (sem contar com o Suazo, que esse parece estar a morrer de tédio em cada jogo, agora que se acabou a UEFA e está confinado unicamente a jogos em Portugal), tornou-se mais uma vez evidente que o Maxi nunca tira folgas. Sendo discreto, como a própria Taça da Liga, ele encara, no entanto, todos os jogos com igual atitude, vê-os a todos como importantes. À luz deste facto, e tendo em atenção que o traidor do cabrão do palhaço dessa merda de homem do Rodríguez — um compatriota do Maxi que, ao que dizem ao OSP, ainda joga em Portugal — encara os jogos exactamente da mesma maneira, o OSP gostava de humildemente sugerir ao Rui Costa que contrate para aí uns seis uruguaios para a época que vem. No mínimo. Ou pelo menos que leve a equipa a fazer o estágio de pré-época em Punta del Este.
É que acaba por ter de ser o Maxi — que, é sempre bom lembrá-lo, é estrangeiro e por isso nem tem sequer de fazer ideia do que é a mística do SLB, clube que, para ele, podia ser somente a sua entidade empregadora — a mostrar que nenhum jogo é banal, quando se tem aquela camisa encarnada vestida. Nem hoje, na Taça da Liga, nem no passado, na Taça de Honra da AF Lisboa (que, se não serviu para mais nada, serviu para fazer do Tó Portela um imortal, o que é muito).
E o que o OSP mais aprecia no Maxi é a natureza throwback do seu jogo (algo que, o OSP repete, o situa na tal linhagem gloriosa de defesas-laterais do SLB), que se vê, sobretudo, na sua completa ausência de relutância em despachar bolas de qualquer maneira, em balão ou não, para tão longe da sua grande área quanto possível, mesmo que para a bancada. É lindo de ver, um chutão do Maxi sem qualquer preocupação estética. Numa época oca em que a imagem é tudo, é bom haver alguém como ele a borrifar-se para o próprio ego e para o que os outros possam pensar do seu estilo de jogar, alguém a assumir a sua falta de elegância — a abraçá-la, mesmo — e a lembrar que um defesa-lateral é, antes de tudo, um defesa.
Em Portugal, o Maxi é criticado por muitos, até, ou sobretudo, pelos benfiquistas, pelas suas limitações, mas é raro ser louvado pelos seus méritos. Há poucos benfiquistas que o OSP conheça ou jornalistas que o OSP leia que não achem que o SLB precisa é de comprar um lateral-direito (de preferência um daqueles assim “modernos”) assim que puder. Só que jogar simples é bem mais complicado do que parece, e o Maxi não inventa, não precisa de fingir que sabe fintar para se realizar dentro de campo, nunca faz o que não sabe. E depois há aquele seu vaivém constante durante os jogos e os cruzamentos que ele faz, quase sempre excelentes e com a tensão necessária para convidarem ao desvio do avançado, bem como a consciência táctica que demonstra (consciência não só da sua própria posição em campo, mas também dos sacrifícios que tem de fazer pelos colegas, razão pela qual o maxipereirismo é toda uma ética), que desmentem a ideia de que o Maxi seja o jogador troglodítico que tantas vezes dele querem fazer.
Como se costuma dizer, o Maxi mete a cabeça onde os outros têm medo de meter os pés — e que razão têm eles em fazê-lo, pois os seus pés é que têm algo a temer, quando pelas redondezas anda a cabeça decerto granítica do Maxi. A disponibilidade para dar o corpo ao serviço da equipa é algo que ele tem de sobra, e é o mais importante num defesa. Todos os benfiquistas deviam ter isso presente, quando virem o Maxi a fazer mais um carrinho, vindo de trás, a correr deseperadamente atrás do adversário, sem se preocupar se se vai magoar ou não, sem sequer pensar se pode bater com a cabeça no poste ou na rótula de um jogador adversário, e apreciá-lo pelo que ele é, que não é pouco.
Como não o foi aos 89 minutos, quando colocou o corpo na trajectória de um remate forte do Vinícius e impediu que fosse golo do Belenenses ao levar com a bola nas costas. O remate saiu forte (ao OSP, ter-lhe-ia doído, o OSP não tem vergonha de admiti-lo, ainda para mais com o frio que estava), mas o Maxi não se importou e foi logo colocar-se junto ao primeiro poste para defender o canto que acabara de conceder. E mostrou, ao David Luiz, ao Sidnei, ao Jorge Ribeiro e a todos os defesas que gostam de jogar em souplesse (mas não se chamam Beckenbauer, Hansen, Mozer, Koeman ou Baresi), como é que as coisas se fazem.
SLB, 1 - Belenenses, 0
1 comentário:
Caganda texto, pah! Captaste, na sua essência as qualidades daquele que é (por agora, e não contando com aquele vira-casacas do miguel "ai que eu sou profissional da coisa e por isso posso assinar pelo FCP" lopes do rio ave) o melhor lateral direito a jogar em portugal. Bom, também por aqui se vê o estado das coisas no futebol português...!
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