Se há coisa no mundo que o OSP odeia, são os apertos de mão flácidos. E não é difícil perceber porquê: no País marialva em que o OSP cresceu, no qual a violência doméstica era uma instituição nacional a defender, tão intrinsecamente portuguesa como os Descobrimentos, o bigode ou o Sumol de laranja, a capacidade de exercer uma mais ou menos prolongada e firme pressão com a mão direita era um sinal primeiro de masculinidade, uma espécie de cartão-de-visita varonil capaz de fazer ou desfazer reputações. Era sabido: se o aperto de mão recebido fosse do tipo quebra-ossos, estava-se diante de um macho a sério, estava-se diante de um Bruno Alves.*
Mais: os apertos de mão flácidos nem precisam de ser deliberados ou sequer intencionais para o OSP sentir um arrepio a viajar-lhe da laringe ao tubo digestivo com bilhete de ida e volta. Um aperto de mão, afinal, conforme foi ensinado ao OSP, tem de ser forte, franco e verdadeiro — à militar, quase que apetece dizer; ou apetecia, antes de o Pedro Henriques desonrar para sempre a profissão marcial —, é um dever que não admite desvios e que tem de ser cumprido com brio. Já se, além de ser flácido, o aperto de mão ainda vier molhado de suor, então ainda pior. Não há nada mais repugnante do que apertar uma mãozinha suada, e o OSP sabe-o bem, visto que o seu carisma leva a que a quase totalidade das pessoas que o conhecem faça questão de lhe dar frequentemente um passou-bem.
O que sempre disseram ao OSP, na sua infância, foi que um aperto de mão desvenda de imediato a personalidade de quem o dá. O OSP, que blasona, como é público, uma personalidade verdadeiramente
larger than life (que decorre do tal carisma inda agora mencionado), tem, por conseguinte, um aperto de mão vigoroso, tenaz, revelador de energia viril e destemor, daqueles que fazem o outro apertando contrair os lábios de dor depois de dizer “Como está?” (isto em termos de manifestações visíveis) e invejar o desempenho do OSP na esfera íntima (isto em termos de manifestações mentais). Já o SLB do Quique tem hoje em dia um aperto de mão flácido e muitas vezes molhado, na medida em que revela não ter qualquer personalidade, não é enquadrável em nenhum dos quatro humores da Escola de Cós.
A verdade é que a personalidade não se vê à superfície, e se o SLB do início da temporada, aquele que começou por jogar só com um trinco e dois extremos, parecia querer agarrar os jogos pelo colarinho e ditar como eles decorreriam — assim lhes impondo a sua personalidade —, afinal veio a provar ser enganador, já que o Quique foi progressivamente revelando ser mais treinador de 2-1 (e mijadinho…) do que de 4-3, como esperava o OSP. Claro que, para ficar a saber isso, bastava ao OSP ter ido ver a relação entre golos marcados e sofridos que ele teve no Valência, no campeonato mais aberto da Europa (a Holanda não conta, porque o haxe causa preguiça) e com uma equipa cujo ponta-de-lança era o David Villa, mas o OSP preferiu acreditar nas palavras que saíam da boca de um treinador jovem e belo (além de pouco conhecido, o que só reforçava a sua aura sebastianista) em vez de fazer sempre cansativas pesquisas de factos.
Depois de um começo de época com o seu quê de exuberante, com o Quique a entusiasmar nas entrevistas e nos jogos com o Porto, o Sporting e o Nápoles, o OSP começou a ficar desconfiado em Guimarães. É certo que o SLB teve, aí, de superar várias dificulda… aliás, de superar o Xistra e a expulsão do Reyes, mas, na segunda parte, a táctica da equipa resumiu-se a submeter o Guimarães a um verdadeiro massacre defensivo, com o Suazo sozinho (mas mesmo, mesmo sozinho) no ataque. É um facto que o Quim não teve de fazer quase nada nesse período e que a exibição do SLB em Guimarães foi, sem dúvida, e até agora, a mais conseguida da época, no sentido em que foi aquela em que mais deu para ver que a equipa cumpriu à risca a táctica ordenada pelo treinador — só que também foi aquela em que a equipa se mostrou menos ofensiva, donde o sinal de alarme obrigadosápíntico.
Com o decorrer da época, o SLB tem vindo a transformar-se numa equipa cada vez menos brava, cada vez menos conquistadora. Joga de forma cada vez mais segura e controlada, entra em campo mais e mais expectante e passiva. Quanto à abordagem ao jogo por parte do SLB, em relação ao ano passado, com o Camacho, o OSP atreve-se a dizer que só mudou uma coisa: a natureza dos passes longos para o ponta-de-lança. Para o Cardozo, iam pelo ar, para o Suazo vão rente à relva — e depois eles que se safem.
O OSP está convencido de que o problema, aqui, foi o facto de o Quique ter começado bem. Como experimentou elogios e um sucesso talvez temporão e inesperado, teve medo de o perder — quis garanti-lo, depositá-lo no banco — e foi ficando cada vez mais conservador: primeiro tirou o Léo, cujo ADN era demasiado atacante e desequilibrava a equipa; a seguir foi alternando o Carlos Martins, demasiado anárquico e apatetado, é certo, mas cuja capacidade de passar e, em menor escala, de guardar a bola está ainda hoje ligada ao melhor futebol que o SLB jogou este ano, entre a equipa e o banco; depois começou a jogar com dois trincos, mais o Rúben Amorim na direita, e a bola deixou de chegar com facilidade à frente, como chegou em Paços de Ferreira; e por fim começou a meter o Binya a titular com frequência, no que só pode ser descrito como um metafórico recolhimento testicular.
Como parece distante aquele jogo em Nápoles, o ousio de deixar espaços em campo por preencher, por antes de tudo o mais se jogar olhando para a baliza do adversário. O SLB vai à frente do campeonato, é certo, ainda não perdeu um jogo, o.k., mas tem quase tantas vitórias (sete) como empates (cinco), no que é um verdadeiro retrato da sua corrente mediania. Nem boa nem má, nem excitante nem excessivamente aborrecida, nem ousada a atacar nem competente a defender, a equipa do SLB deriva na mediocridade futebolística, por muito que o cume da classificação tudo disfarce. Com os jogadores que o Quique tem no plantel, o OSP confessa que esperava mais, esperava uma passada confiante; em vez disso, o SLB deste ano está a revelar-se tão irritante como a Susana Feitor.
À equipa, falta em vontade de jogar o jogo o que lhe sobra em vontade de o controlar. Com o Nacional, o lance mais memorável de hora e meia de futebol — isto do lado do SLB, porque o Nacional, que foi sempre melhor equipa, jogou muito e bem, e, nesse processo, fez o Manuel Machado parecer o Fabio Capello — aconteceu ainda na primeira parte, a cinco minutos do intervalo. O Miguel Vítor, que substituíra o Sidnei, lesionado, deu por si com a bola à saída da área do SLB, sozinho, e tentou sair a jogar, a ver se agitava um pouco uma primeira parte em que a exibição do SLB foi lamentável (tal como com o Estrela, o Setúbal, o Leixões para a Taça e o Metalist). Como a habilidade não é o seu ponto mais forte, ao fim de dois toques acabou por adiantar de mais a bola e perdeu-a. Correu de imediato de volta à defesa, possivelmente embaraçado, porém o que o levou a tentar sair a jogar foi vontade de jogar futebol (como se estivesse ainda a galgar no pelado do Ponterrolense...), mesmo que fazendo algo que está para lá das suas capacidades. Em todo o jogo com o Nacional, esta foi a única coisa que o OSP viu, na equipa do SLB, que saiu do programado, do sistémico.
Mais do que jogar sem chama (o que já não faz de forma continuada, com excepções pontuais, desde a primeira passagem do Camacho pela Luz) e muitas vezes sem estratégia aparente, o grande problema é que o SLB está pouco a pouco a deixar de jogar futebol. (O OSP está até preparado para cometer o sumo sacrilégio de dizer que o SLB do Fernando Santos jogava muito mais à bola do que o SLB do Quique.) Não é coincidência, aliás, que um dos melhores jogadores de futebol da equipa esteja de férias pagas no Brasil.
E o que mais dói ao OSP nisso é que o Léo foi preterido em nome de uma suposta eficiência defensiva, por causa de uma concepção cientificista do futebol, e isso o OSP não pode tolerar. Ao degredar o Léo e o futebol de improviso que ele encarnava, o Quique retirou simbolicamente alma à equipa, cedeu à visão maquinal do futebol em tudo o que ela tem de negativo. Se alguns benfiquistas, por exemplo, só vêem motivos de satisfação no aproveitamento actual que a equipa faz das bolas paradas, que vêm dando ao SLB uma grande percentagem dos seus golos, o OSP não se regozija por aí além com isso — confessa, até, não ser grande apreciador destes “lances de laboratório”. Os laboratórios, ao fim ao cabo, são sítios frios e sem alma, fedem a éter, e as bolas paradas não são futebol, porque o futebol é movimento. A cada livre que o SLB ganha no meio campo da equipa adversária, o OSP vai ficando mais macambúzio, pois sabe que isso é logo razão para o treinador mandar o Reyes meter a bola na área, mesmo que o livre seja a 45 metros da mesma. Contra o Nacional, não estava o Reyes, mas foi assim à mesma. Quase sempre.
Esta ideia terá os seus méritos, e o OSP aprecia tanto um livre bem pensado como qualquer amante de futebol, mas gostava que a equipa não parecesse estar sempre à espera disso para marcar um golo. Ao conceber assim o futebol do SLB, abordando-o de forma estatística e probabilística, parece ao OSP que a personalidade que o Quique está a tentar dar à equipa é uma personalidade oportunista. Ao enfatizar os livres, ao apostar em demasia no contragolpe via Suazo, ao recusar o jugo de ter de mostrar que vai jogar para ganhar durante cada um dos 90 minutos que dura um jogo, o Quique demonstra também não ter ainda percebido o que é o SLB, que nunca pode entrar em campo e olhar para o jogo a partir de uma perspectiva oportunista — sobretudo em jogos com o Setúbal ou o Nacional, poramordedeuscaralho. O OSP sabe, contudo, que o Quique é um treinador inteligente e concede que ele ainda vai bem a tempo de mudar, porque pode fazê-lo (ainda bem há pouco tempo, aliás, o OSP louvava essa inteligência e mostrava desejo de
cenar com o Quique, que aparentemente prefere fazê-lo com o
Maradona); caso contrário, o OSP prevê-lhe uma longa carreira a acumular títulos na Liga dos Campeões de África.
O que o OSP espera é que os últimos sinais de algum desgoverno que viu no Quique (o criticar os jogadores, que ele próprio havia desresponsabilizado antes do jogo, por não terem reagido bem a um golo sofrido
a cinco minutos do fim; o estar a levantar-se cada vez mais do banco para gritar com os jogadores, um
show-off de reduzidos efeitos práticos que deixa transparecer falta de segurança em relação ao trabalho feito nos treinos durante a semana; o ter começado a falar dos árbitros) sejam coisas que ficaram no ano velho, senão o passado recente do SLB pode estar em vias de se tornar de novo presente. (Por favor, não, não, outra vez não!...) E, se for ainda mais inteligente do que o OSP pensa, até pode ser que o Quique decida pôr mais vezes o Miguel Vítor a jogar — e, já agora, que faça dele capitão para ver se o SLB tem finalmente um capitão benfiquista e com vontade de jogar à bola para apertar a mão ao seu congénere e ao árbitro antes da escolha de campo.
Ou então esta recente fragilidade não passa de um plano secreto do Pako Ayestarán, e o SLB vai acabar o campeonato numa forma física súpera e com dez 5-1 seguidos. É, deve ser isso.
*
Ideia para um futuro texto: “Agora que ele está em pleno processo de branqueamento mediático, explorar a ideia de que os árbitros portugueses deixam o Bruno Alves apertar mãos por cá de uma maneira que não lhe é permitida em jogos no estrangeiro, o que explica a figura que ele fez nos 4-0 com o Arsenal e nos 6-2 com o Brasil.”
Benfica, 0 - Nacional, 0