Afectado por demorada avaria nos serviços da TV Cabo, mal e parcamente o Obrigadosápinto viu apenas um pouco da segunda parte do Setúbal-SLB, a tempo, contudo, de testemunhar os dois golos do Setúbal. Durante a primeira parte, ouviu rádio de forma continuada pela primeira vez em muitos anos, enquanto se recordava de todas as vezes em que, ao ver futebol na televisão, o ecrã ficava sem imagem e uma mensagem aparecia de imediato a informar que o canal que transmitia o jogo lamentava esse facto, ao mesmo tempo que assegurava que era “naturalmente alheio” ao mesmo.
O Obrigadosápinto ponderou, durante mais de uma hora, intervalo incluído, quem seria o culpado de cada vez que isto acontecia, visto que jamais ouviu um canal que fosse admitir ter culpa de uma falha na transmissão, mas foi acordado do seu torpor meditativo pelo futebol inteligente e obrigadosápinto jogado pelo Setúbal. A equipa que mais quis fazê-lo ganhou, mas o Obrigadosápinto, apesar de seguro da sua masculinidade, não deixou de ficar incomodado com a vulgaridade oral do treinador do Setúbal, que se revelou o Michel Houellebecq do futebol português.
Outra coisa que incomodou o Obrigadosápinto foi a atitude do Camacho em relação a toda esta Taça da Liga. Tudo bem que possa ser uma competição menor, tudo bem que possa atrapalhar a “periodização táctica” idealizada pelo Pepe Carcelén, mas o SLB tem obrigação de, sempre que joga, no mínimo honrar o jogo. Em qualquer modalidade. Não é preciso ganhar, ou agradar aos adeptos, mas o SLB tem sempre de honrar o jogo. É uma obrigação histórica. O Camacho, que a televisão mostra sempre arrebatado no banco, mexeu-se menos em Setúbal do que se estivesse em pleno zazen. Mais: toda a sua atitude pública (entrevistas, conferências de imprensa, etc.) em relação à Taça da Liga só pode ter acabado por verter para os jogadores, e a verdade é que o Camacho tratou esta prova como um furúnculo.
Porém, em vez de tratar do furúnculo com o cuidado e a higiene que se recomendam em cirurgias deste género, decidiu que o iria remover num dermatologista com curso tirado na Regent University ou no consultório onde a Rita Vaz está a estagiar. O resultado incluiu, obviamente, a expressão “complicações com pus”, que resume de forma mundificada a participação do SLB na Taça da Liga.
O Camacho, que nunca se cansa de falar do clube de que é adepto, certamente não trataria o Real Madrid da forma como tratou o SLB na Taça da Liga. E já devia saber que o SLB é mais do que ganhar e perder jogos; também é atitude, conduta e respeito. Ao longo dos três jogos que o SLB teve na Taça da Liga, a coisa que mais se viu (e que o Adu perdoe o Obrigadosápinto) foi o enfado do treinador do SLB no banco. O Obrigadosápinto quase que apostaria que as axilas do Camacho nem no desempate por penalties com o Estrela se orvalharam, o que nele é sinal da mais absoluta indiferença.
Alguma afeição pelo Camacho morreu, assim, no íntimo do Obrigadosápinto (ou pelo menos deslocou-se para uma secção do sistema digestivo), e agora terá de ser o treinador do SLB a trazê-la de volta à luz. Mesmo que o Camacho estivesse a fazer política e a enviar mensagens para fora do balneário, como se diz no jornalismo desportivo, isso não o desculpa. E o Obrigadosápinto sabe que a lei do karma acabará por apanhar o Camacho, pelo que teme pelo SLB.
O Obrigadosápinto queria ainda saudar, porém, o central do SLB que se tornou no verdadeiro herói existencialista da campanha da equipa na Taça da Liga. Em tempos, o Obrigadosápinto chegou a pensar que o Zoro e o Binya poderiam, por jogarem os dois pelo centro, funcionar como um autêntico Eixo da Dor para os adversários do SLB. A consequência seria que qualquer atacante que conseguisse chegar perto do guarda-redes do SLB já estaria de tal modo zupado que lhe faltariam forças para chutar à baliza (e, mesmo que conseguisse chegar perto, o som ofegante da respiração do Zoro e/ou do Binya nas suas costas seria o suficiente para o desassossegar com a mera possibilidade de dor).
Em Setúbal, porém, o Zoro confirmou algo de que o Obrigadosápinto já suspeitava: é um falso Obrigadosápinto. Sempre foi observável, mas só agora se vê, que o Zoro tem um coração de galinha num corpo de pterodáctilo, que personifica o puto que, aproveitando da melhor forma o seu tamanho, aterroriza todos os outros miúdos na escola, até ao dia em que é exposto (talvez não pelo Obrigadosápinto, que era amiúde uma criança previdente) como uma fraude, como um falso duro, como um bruto mole. Nesse dia, a imagem construída em que ele já acreditava dá lugar a um profundo vazio existencial, o desespero de ter de ser em vez de parecer.
Quando se deixou cair de joelhos depois do seu próprio amortecimento para o primeiro golo do Setúbal, o Zoro, no desespero das suas próprias limitações, ocupou, ao humanar-se, um espaço que ficara livre no íntimo do Obrigadosápinto.
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