7.11.07

À la recherche

Pela primeira vez em muito tempo, o Obrigadosápinto não foi capaz de escrever a seguir ao jogo. Também dormiu mal. Quando se joga melhor futebol, de facto custa perder. O Obrigadosápinto não discute, atenção, se o SLB merecia ou não perder, mas sente, esta época como na época passada, que perder com uma equipa da qualidade do Celtic, mesmo na Escócia, é razão para tormento. O Obrigadosápinto espera, ainda, que os jogadores do SLB se sintam atormentados e que reajam em breve de forma obrigadosápíntica (menos que isso é inadmissível), pois não se pode desaproveitar uma ocasião como esta de provar que se é melhor do que alguém em alguma coisa e não amaldiçoar amargamente os deuses, a pátria, os ricos e a condição humana pela oportunidade perdida.

Em dias assim, o Obrigadosápinto não se consegue libertar de pensamentos relacionados com o carácter implacável da experiência humana, intimamente ligado à passagem do tempo. Afinal, quando se deixa passar a altura indicada para fazer algo, o único vazão possível é o remorso, causado pela natureza ininterrupta do continuum temporal. Quantas potenciais namoradas não terá o Obrigadosápinto perdido graças à sua incapacidade de agir no momento justo? As intenções do Obrigadosápinto eram quase sempre nobres, pois relacionavam-se com frequência com a busca da palavra justa para dizer à miúda em causa, mas isso não impedia que ela acabasse a festa com outro e que o Obrigadosápinto chegasse a casa de madrugada para mais uma sessão de binge. Esta última parte, o Obrigadosápinto recorda-a com saudade como tempo bem empregue (mas ainda hoje, como então, encontra dificuldades em conciliar a reflexão com a acção).

O Dasein do Celtic-SLB incluiu, claro, tanto uma dimensão espacial (da), como uma temporal (sein). O sein, o Obrigadosápinto sentiu-o, no jogo de Glasgow, como angústia proustiana, a cada oportunidade de golo que o SLB perdia; de cada vez que o Cardozo aparecia em grande plano no ecrã da televisão com o rosto torturado do homem que não consegue acordar do sonho recorrente no qual está nu do meio da multidão; a cada corrida que acabaria por precipitar o aparecimento dos 35 anos do Rui Costa. Depois do golo do Celtic um nada antes do intervalo, o Obrigadosápinto não duvida de que os jogadores do SLB tenham experimentado a segunda parte da mesma forma, num estado de impotência causado tanto pela ânsia de quererem parar o relógio, como pela vontade doentia de reviverem os momentos em que podiam ter marcado golo antes. Alguns terão tentado, até, regatear com o divino.

Quanto ao da, porém, o Obrigadosápinto confessa-se perplexo e forçado a concluir pela existência factual de genii loci, pois esta é a única maneira de explicar que o Celtic não perca em casa, para a Liga dos Campeões, desde Setembro de 2004. Essa inexpugnabilidade do Celtic Park não se pode dever: aos generosos e duros (o Obrigadosápinto inveja, sobretudo, a consistência óssea do Scott Brown), mas muito limitados, jogadores do Celtic; em exclusivo aos alcoolizados e entusiastas adeptos do Celtic e às suas (francamente já) entediantes entonações do “You’ll never walk alone”; ou à total inépcia dos adversários, já que não só não há nenhuma equipa no mundo composta por 11 Luíses Filipes, como, nestes três anos, equipas como o Milan, o Manchester ou o Barcelona não ganharam em Glasgow.

O Obrigadosápinto reconhece o perigo de poder estar a cair numa hipérbole ossiânica, mas é de facto o espírito do Celtic Park que protege a equipa da casa, como um Francis Begbie arquitectonicamente recriado. O Obrigadosápinto penitencia-se ainda por abandonar o pensamento racional que se tornou um predicado seu depois dos excessos da juventude, mas esta é a única explicação possível para ninguém conseguir ganhar ao McGeady, ao Caldwell, ao McManus e ao Naylor, quando eles lá jogam.

O Obrigadosápinto recorda-se, por fim, que começou esta recensão do jogo com o Celtic falando de questões temporais, e a analogia recusa-se a desaparecer, lateja na prisão do corpo. É que o jogo de ontem também lembrou, ao Obrigadosápinto, um tema predilecto da ficção científica: ao ver o jogo, o Obrigadosápinto sentiu-se, em boa verdade, como se tivesse viajado no tempo e estivesse a ver o ataque de uma equipa portuguesa na década de 1970 ou 80. Como o ataque do SLB é composto, quase na totalidade, por jogadores estrangeiros, o Obrigadosápinto volta a concluir pela existência factual de genii loci, aqui a uma maior escala geográfica. Afinal, não há nature nem nurture que expliquem este estado de coisas inalterado.

(Celtic, 1 – SLB, 0)

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