Um dos momentos mais entusiasmantes da época desportiva para o Obrigadosápinto é sempre a possibilidade de ver um jogo nocturno em Paços de Ferreira. O enquadramento da filmagem, a cor do relvado, a névoa que parece flutuar sobre o estádio e filtrar a luz artificial das torres, o próprio espaço do terreno de jogo, tudo isto lembra, ao Obrigadosápinto, uma transmissão de um jogo europeu feita na antiga URSS. A própria maneira de vestir do José Mota e a sua calvície putiniana pouco fazem para remover, da cabeça do Obrigadosápinto, a ideia de que este treinador não destoaria como figurante em “O Mistério de Gorky Park”.
Claro que esta fantasia fica algo desmaiada sempre que o José Mota dá a sua entrevista rápida à Sport TV, enquanto ajeita o boné de beisebol do patrocinador do Paços, e relembra ao Obrigadosápinto quem ganhou a Guerra Fria, mas são sem dúvida bons momentos de nostalgia televisiva para o Obrigadosápinto.
O Léo (ai, ganda Léo, tu…) rematou, o Peçanha defendeu, foi canto. Tudo normal. O mais admirável neste lance, contudo, foi que o passe do Nuno Assis para o Léo, que podia ter sido feito com a parte de dentro do pé (o mais normal em termos dos movimentos que o pé executa durante um jogo de futebol) direito, excepcionalmente até com o peito do pé esquerdo, já que o Nuno Assis estava virado para o meio, foi feito com o calcanhar.
Dois pontos prévios:
1.º O facto de o passe ter saído do calcanhar não impediu que tivesse sido muito bem feito, com a qualidade e inércia necessárias para ficar mesmo a jeito do remate do Léo;
2.º Ao contrário da maioria dos adeptos do SLB que conhece, o Obrigadosápinto considera que o Nuno Assis tem qualidade para ser jogador do SLB. Apesar de o Obrigadosápinto ser pouco confiável no que toca a percentagens ou a qualquer actividade que envolva um pouco-que-seja de cálculo, ele julga, partindo do facto de que 80% da época do SLB consiste em jogos contra a Académica, o Belenenses, a Naval, etc., que um jogador que veio para o SLB como o melhor jogador do Guimarães pode jogar de forma útil e por vezes vistosa contra equipas desse nível e ser melhor do que 95% dos jogadores que as compõem. O Obrigadosápinto crê, pois, que o Nuno Assis pode ser da segunda linha do SLB, mas que nunca destoará. (Se, em vez de o usarem para tapar quaisquer buracos que surjam, o metessem a jogar na posição dele, atrás do[s] avançado[s], nos 30, 40 m² circundantes à zona do campo onde o seu futebol muito curto e nervoso, sem dúvida uma consequência das suas sucintas pernas, pode fazer a diferença, as coisas ainda seriam melhores, mas só a infinita sabedoria do Trapattoni o percebeu.)
Por reconhecer essas qualidades em si, o Obrigadosápinto saúda, pois, a pertinácia e a paixão do Nuno Assis por um gesto que já é tanto dele como do Madjer, mesmo que tantas vezes pareça, a toda a gente, ser contranatura. O próprio Obrigadosápinto não as percebe, porém, ao contrário do senso comum, não se agarra a constructos de normalidade reaccionários e aprecia a determinação estóica do homem que defende uma ideia contra todos os moinhos de vento. O Obrigadosápinto aceita a complexidade da vida e não equivale, de forma maniqueísta, o normal ao que é bom e o anormal ao que é mau, porque natural, afinal, era a posição das mãos do Abel Xavier no Euro 2000. O que era desnatural era a sua cabeleira, mas não foi por causa dela que ele foi punido.
(Paços de Ferreira, 1 – SLB, 2)
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