Só houve uma coisinha, uma coisinha só, que nunca perdoei ao Manuel Galrinho Bento (que a sua alma esteja em descanso). E não, não foi ter dado aquele frango em Craiova e ter dito que era do creme que tinha na perna - essa já lhe perdoei há uns 10 anos. Foi ter dito, num documentário sobre Eusébio da Silva Ferreira, que o que o distinguia era o "potente remate".
"Potente remate" era o que distinguia o Senhor Eusébio da Silva Ferreira, portanto. A mesma coisa que distinguia o Beto - aquele rapaz oxigenado que o Koeman adorava - e o famoso, e saudoso, Bóbó do Boavista.
Isto levanta o debate sobre o que distingue um grande jogador. Então vamos lá ver: dotes físicos ajudam, com certeza que sim - a velocidade, a tal "potência de remate", a agilidade - mas não são determinantes - não se alguém ainda se lembra da calamidade física que era o Fernando Chalana.
Técnica, sim, não há grande jogador sem ela. Mas o que não faltam na história do futebol são jogadores de boa técnica e até de elevado potencial físico que nunca se aproximaram, sequer, de ser grandes jogadores (os lagartos devem-se lembrar do Amunike, por exemplo).
O que define, então, um grande jogador?
A capacidade de tomarem as melhores decisões muito mais vezes do que os outros. É isso que diferencia os homens dos meninos.
Exemplificando: Cruyff na final de 74, vendo-se sem linhas de passe (eu também domino o futebolês, para além do inglês técnico) forçou o drible sobre o Vogts, até entrar na área e sofrer o penalty. Não tentou tabelar, nem chutar, havia alemães por todo o lado, logo forçou a passagem. Capacidade técnica? Sim. Bom pique? Claro. Mas o que foi determinante? A melhor decisão.
Eusébio, em 65, contra o Real Madrid, recebe a bola, dois madrilenos à frente, adianta a bola e passa pelo meio dos dois, remata na linha da grande área. Capacidade fantástica de explosão? Sim. Velocidade fabulosa? Com certeza. "Potente remate"? Obviamente. Mas o que distingue esta jogada? Nenhum outro jogador se lembraria de passar entre dois jogadores e não entrar na área, chutando no seu limite, surpreendo os defesas e o portero. Logo, a melhor decisão.
Maradona, em 86, na final com a Alemanha, depois dos slalons contra a Inglaterra e a Coreia, ao minuto 84, rodeado de alemães, faz um passe de primeira para o Burruchaga marcar o terceiro da Argentina. Técnica, não sei quê, não sei que mais? Sim, catano, é o M-a-r-a-d-o-n-a. Mas o que sempre o distingiu não foi conseguir dar toques na bola até com o cu mas sim decidir tão bem como decidiu nessa final e muito mais vezes do que qualquer outro .
E chegamos, finalmente, a Di Maria. Di Maria é veloz, ah pois é; tem um bom pique, ah pois tem; bom drible, sim senhor; mas não é um grande jogador. Porquê? Porque decide muitas vezes mal.
"Então", perguntam vocês em coro, "porque é que o Di Maria está muito melhor este ano do que nos anos anteriores?"
Porque, caros leitores deste vosso blogue (sim, vocês dois - olá mãe!), está i) a jogar bastante mais tempo ii) passou a ter mais liberdade, podendo vir buscar a bola mais atrás e em qualquer lado do campo, e não a jogar como extremo puro, como nos anos anteriores.
A conjugação destes dois factores dão-lhe muito mais posse de bola do que nas anteriores épocas. Basta aumentar os lances em que intervém para fazer mais coisinhas bem feitas. Mas não está a decidir bem mais lances em termos relativos mas sim em termos absolutos.
Se o compararmos, por exemplo, com o Fábio Coentrão, que tem menos duzentos e tal minutos jogados, este tem seis assistências e o Di Maria népia (ou uma, vá, não consegui nenhuma fonte conclusiva).
Isto quer dizer que o Fábio decide melhor mais vezes do que o Di Maria. E sendo certo que o primeiro ainda não é um grande jogador (há-de ser, se Eusébio quiser), pois que o Angelito muito menos.
Agora, não julguem que eu não gosto do rapaz, ah pois com certeza que gosto. Então se se confirmar o interesse do Man. City, vou ter 40 milhões de razões para gostar dele.
* post dedicado ao meu amigo jms
6 comentários:
Finalmente, alguém que partilha do mesmo pensamento que eu.
Muito bem explicado.
Quase estava para ligar para a Sporttv e contestar que as imagens que recebo, nao eram iguais 'as do outros...
Eu devo ser o 3º Leitor.
Álem disso o Di Maria este ano esta com mais cabedal para aguentar uma má decisâo. quando ele "decide" uma daquelas corridas estéricas não sabe como vai acabar é uma fuga para a frente, felizmente, está mais forte fisica e mentalmente para poder sair dessas corridas com sucesso.
E isso é um alivio que consideramos uma alegria.
o di maria pa mim continua a fazer muita merda durante um jogo de 90 min, simplesmente este ano nesses mesmos 90 min consegue fazer muita coisa boa, o que ofusca em grande parte o que faz de mal, quanto ao fábio (sou profundo admirador deste jogador) nao posso deixar de dizer que nao gosto de o ver a lateral, e fico com as orelhas a arder qndo falam de um novo miguel(nao so pela forma como saiu do benfica) quando temos aqui um novo chalana (passe-se o exagero).
Tirando a infeliz tirada sobre o Amunike (um monstro à dimensão do meu Sporting), aqui está uma análise fantástica. Delicioso.
Abraço,
António
http://bolaseletras.blogs.sapo.pt/
Digo, com uma certa emoção - desculpem o elogio fácil e quiçá imponderado - que este blog é das melhores coisas que existem. Muito obrigado.
Acho que o João tem toda a razão!
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