13.2.09

Primeiro como tragédia, depois como farsa

Marchando desapiedada, a idade média do OSP perfaz já 35,66 anos, mas o OSP gosta de acreditar (sobretudo agora, que já começa a sentir nas costas o bafo hiscoso, ainda que sábio, da meia-idade) que pelo menos 28,34 desses 35,66 anos estiveram ligados ao que se costuma chamar “uma vida preenchida” (dentro de inescapáveis constrangimentos societários, como é óbvio). Como acredita mais na concepção circular da existência do que propriamente na noção de progresso, o OSP considera que os acontecimentos históricos se repetem de forma cíclica, embora com feição diferente, da mesma forma que crê que as sensações e os estados emocionais se duplicam, embora com necessárias alterações de intensidade. Deste modo, o que varia é somente a natureza dos fenómenos que os criam.


Tendo dito isto, o OSP vê-se forçado a revelar que não é daqueles que querem andar por cá até aos 98,63 anos, pois, tendo já vivido bastantes acontecimentos e sensações na sua vida, acredita que, se prolongasse demasiado o seu prazo de validade, estaria condenado a não mais fazer do que reciclar reacções a esses acontecimentos e sensações até ao fim. Fim esse que, o OSP como que o intui, seria precedido de uma progressiva e por demais escabrosa lassidão das suas funções urogenitais. Não, 70,02 anos serão o suficiente para o OSP.


Mas o OSP divaga. O que interessa é que, em consequência do tão celebrado vitalismo obrigadosápíntico, esta tem sido, de facto, uma vida preenchida, na qual o OSP já experimentou com drogas leves; já se embriagou com vinho de cozinha; estava lá no hat trick do Rui Águas ao Porto; tentou, nos seus anos mais jovens e mais vulneráveis, viver em Paris de acordo com o exemplo do Hemingway (até se aperceber de que a sua coragem física era mais parecida era com a do Fitzgerald); já viu o Messi ao vivo; já foi a Veneza; já fez pára-quedismo; já conheceu o amor; já soluçou ao perder o amor (possivelmente em público, se bem que tudo surja ainda demasiado obnubilado na mente do OSP); já viu o Rojas e o Escalona como laterais titulares do SLB (e, sentado na primeira fila, num derby com o Sporting, jura que viu puro terror nos olhos do primeiro); sobreviveu a 14 anos de Cavaco Silva (ainda em curso); já sucumbiu mais de 61 mil vezes ao pecado da gula; já enrolou os pés publicamente nos tapetes das etiquetas; até aos 26 anos acreditou que, com um pouco mais de esforço, ainda dava para chegar a titular do SLB; viu 372 vezes o Ruptura Explosiva; já foi devoto a Deus; já amaldiçoou a Deus; não foi capaz de ver o penalty do Veloso; já viu o Nadal e o Federer ao vivo; já imaginou o que a Carolina Salgado deve ter feito ao Pinto da Costa para lhe dar a volta à cabeça (e nunca mais foi o mesmo depois disso); viu o golo do Maradona à Inglaterra em directo na televisão; viu partirem o Muro de Berlim em directo na televisão; viu o Futre dizer “Ganhar, caralho! É para ganhar, caralho!” em directo na televisão; foi ganhando aos poucos o hábito irritante de se referir a si próprio na terceira pessoa do singular; já contou piadas absolutamente hilariantes que foram recebidas com silêncio total pela assistência; já disse “dizer ‘russos, copos’, argh!” (e era tudo mentira); transformou a masturbação adolescente numa forma de arte; já viu raios C a cintilarem na escuridão junto à Porta de Tannhauser; tem Leverkusen presente como se tivesse sido ontem; já viu o Tim Duncan ao vivo; já viu o César Peixoto e o Vítor Baía a andarem de bicicleta; viu o Emmanuelle vezes suficientes para decorar todas as falas (só as da versão alemã, todavia); viu o Flying Circus vezes suficientes para decorar algumas falas; estava atrás da baliza certa, quando foi a mão do Vata; já experimentou o conforto de umas boas ceroulas; já tomou banho nu num lago nos primeiros dias do Outono; já viu trees of green and clouds of white; acha que o Manuel Alegre é o último político português honesto; já leu a Montanha Mágica; nunca leu A Filha do Capitão; já pensou em agredir variadíssimos seleccionadores nacionais e treinadores do SLB, idolatrando quem o faz; já fez compras embaraçadas (e semiembuçadas) em sex shops; já chorou ao ver o SLB entrar em campo com o Drulovic como capitão de equipa; já viu clisteres feitos dos objectos mais incríveis; já viu um caracol arrastar-se sobre o fio de uma navalha; viu o Carlos Lisboa ao vivo; já teve a polícia a persegui-lo pela noite de Lisboa; concebeu, praticou e divulgou o OQEQOAJFNS; chorou ao ver o Nelo com a camisa 10 do SLB depois da saída do Rui Costa para a Fiorentina; já ouviu a América a cantar; esteve na festa dos 50 anos do Eusébio e, ao ver o Kempes, com uma barriga fradesca, a pôr a bola onde bem lhe apetecia com o pé esquerdo, percebeu que para sempre amaria o futebol mais do que qualquer outra forma de arte.*


Esta tem sido, de facto, em consequência do tão celebrado vitalismo obrigadosápíntico, uma vida preenchida, na qual o OSP experimentou e viu muito. Mesmo assim, o OSP não faz ideia de qual será a sensação de ter uma decisão do árbitro a seu favor no estádio do Porto.** Nem consegue imaginar como isso será — é-lhe impossível, não tem quaisquer referentes que lhe permitam que o faça —, tão-pouco alvitra quantos anos de vida serão precisos para que o saiba. É por isso que, para o OSP, essas histórias da concepção linear da existência não pegam.


Porto, 1 - SLB, 1


* Com possivelmente uma excepção.

** Hoje em dia, o OSP contentar-se-ia com uma falta mal marcada a favor do SLB na zona do meio-campo. Não é preciso exageros, tipo um livre junto à bandeirola de canto. Isso também era capaz de ser de mais. Um jogo perigoso em que o árbitro marcasse livre directo ainda no meio campo do SLB chegava.

1 comentário:

D'Arcy disse...

Eu por acaso há uns seis ou sete anos estava nas Antas, e julgo ter visto um lançamento marcado ao contrário a nosso favor. Já não sei bem, as recordações de tão raro momento esfumam-se entre as brumas da memória, e até posso estar a confundir tuo - até porque julgo que no nosso banco estava um tal de Jesualdo, e eu por mais que me esforce não consigo imaginar tal criatura no Benfica.

De qualquer forma, tal erro crasso foi rapidamente compensado com duas expulsões de jogadores do Benfica. Para aprenderem.