13.8.08

O Obrigadojoãopinto deseja anunciar:

Três semanas e meia ausente, tanto que se perde, porque o devir benfiquista é ininterrupto. Contudo, há no OSP perspicácia pós-estival suficiente para apregoar que, como um homem que se passeia de sobretudo pelo jardim do Campo Grande em pleno mês de Agosto, o OSP pretende escrever sobre o abandono do João Pinto de forma escandalosamente exibicionista, no caso mostrando o seu conhecimento enciclopédico dos Cahiers du Cinéma. Afinal, só alguém com tal erudição ousaria relacionar o Godard e o João Pinto – e o OSP vai fazê-lo. Afinal, como o professor Von Braun lembra no Alphaville, é possível alguém tornar-se algo pior do que morto, que é alguém tornar-se uma lenda.

Dias tristes para o OSP eram quando o João Pinto, o Menino de Ouro – que é de facto o que ele foi para o OSP e para muitos benfiquistas decentes e com memória –, voltava ao Estádio da Luz e era assobiado, enxovalhado, odiado, como se de um qualquer Vale e Azevedo se tratasse. Isso faria algum sentido, supõe o OSP, quando o João Pinto jogava no Sporting, por razões históricas e essas cenas, mas tornou-se uma infâmia, quando ele veio jogar à Luz pelo Boavista e pelo Braga.

À geração do OSP, o João Pinto proporcionou a melhor exibição de um jogador de futebol que ela já viu (e verá – o OSP crê que se pode dizer isso, também, com toda a presciência) na sua vida. Para quem daqui a muitas décadas leia sobre esse jogo ou veja as imagens do mesmo, o que o João Pinto fez naquela tarde de chuva parecerá uma coisa, mais do que inacreditável, absolutamente irreal, o equivalente ao que hoje se sente quando se vêem imagens de um jogo do princípio do século XX. Naquele dia em que marcou três golos, qual deles o melhor, e deu dois a marcar, o João Pinto transcendeu a arte que então praticava e tornou-se parte, durante 79 minutos, de uma realidade que a maior parte das pessoas nunca conseguirá habitar.

Como o Bacon no estudo sobre o Inocêncio X (ou, para usar um exemplo lowbrow próximo, como o Neo no fim do primeiro Matrix), o João Pinto levantou o véu da maya, conseguiu ver o jogo de futebol para além do aparente. O OSP aposta que, nesse dia, pareceria ao João Pinto que todos os jogadores adversários jogavam, de facto, de tamancos. Foi uma actuação inesquecível, superior, e não apenas para benfiquistas, mas para todos os que gostam realmente de futebol. Estes últimos dirão até morrerem que, na década de 1990, tudo o que era preciso para haver um jogo de futebol em Portugal era o João Pinto e uma bola.

E, nessa breve viagem de impossível repetição, daí o carácter trágico que acabou por assumir a carreira dele no SLB, o João Pinto levou consigo, durante 79 minutos, milhões de benfiquistas, alguns dos quais o terão assobiado, quando ele voltou à Luz vestido de outra cor. Só que quem o fez não se lembrou de que ele não saiu porque quis; não se lembrou da dor que sentiu quando ele, poucas semanas depois de ser corrido do SLB, marcou aquele golo de cabeça à Inglaterra; não se lembrou de que ele foi corrido para o Heynckes ficar; não se lembrou do comunicado que ele foi forçado a ler a seguir a Vigo; não se lembrou de todos aqueles anos a fazer dupla no ataque com o Hassan e o Marcelo e o Mauro Airez e o Cadete e o Pringle; e não se lembrou de que, em meio à Idade das Trevas do futebol português e num SLB desacreditado, ele, que era tantas vezes o único jogador relevante na equipa, levou, à frente de árbitros eminentemente contemplativos, mais porrada do que qualquer outro jogador em toda a história do futebol.

Para o OSP, não há nada mais importante do que a memória, e é por isso que lembrará sempre, mesmo que não o queiram ouvir (o que é mais frequente do que possa parecer, incrivelmente), o grande serviço que o João Pinto prestou ao SLB. Ele era a verdade, e era-o várias vezes por jogo. Inebriado agora pelo mais poderoso dos narcóticos, a sensação de superioridade moral, o OSP censura os benfiquistas que esqueceram tudo isso, contudo mostra-se aberto a reconhecer que o facto de o João Pinto ter andado aos pulos com a Juve Leo, a cantar o “E quem não salta é lampião”, logo na porra do dia em que foi apresentado em Alvalade é bem capaz de ter contribuído para a diminuição da força da paixão wertheriana expressa nos quatro parágrafos anteriores.

Sem comentários: