Depois de ver aquele golo do Reyes, o OSP chegou à conclusão de que a euforia no seu peito só pode ser acalmada por um filme de porrada no Odivelas Parque (também porque lhe dará a acção que este jogo horrível nunca teve). Então, ora bem, vamos lá ver, pois vai ter de ser o do Vin Diesel, às 0h05, que, por ser do Kassovitz, deve ter algum do tchan pseudo-intelectual francês que o OSP não dispensa. Também por isso o OSP sabe que estará acompanhado na sala por muitos benfiquistas. Ainda vai dar para chegar a tempo.
No dia em que o nome do homem-aranha volta a ser evocado (em vão, diga-se, porque nenhum Marvel deve andar nas bocas do povo por dá cá aquela palha), esta personalidade obrigadosápintiana mostra-se acontentada. Agruras da vida pessoal levam este vosso servidor a levantar-se a horas de ir acordar o galo. O galo que vive no barracão do Ti Rita de Montemor-o-Novo, pelo que toma tempo a lá chegar. Assim, as horas da noite são uma pequena tortura.
Confesso que momentos houve, ao longo da segunda parte, em que as pálpebras pesaram. Não fora os ocasionais (pouco ocasionais) golos carpinteiros, que me levavam para fora do torpor como se um desfibrilador acabasse de me acariciar o peito, e eu nem via o final do jogo. Bem-haja a tremedeira benfiquista.
Se descontarmos o facto de o Paços de Ferreira ter marcado ontem um quarto dos golos que marcará em toda a temporada, o jogo não foi desagradável. O Benfica, depois de anos e anos, joga para ganhar (e anos e anos e anos...), e confesso que a minha veia de desportista não dopado quer é ver o Benfica a jogar para ganhar, a marchar para cima deles, e o resto que se lixe (já a veia de desportista dopado quer ganhar com um penalty, mal assinalado, cobrado com a mão – mas é veia que mantenho bem garrotada)!
Claro que o Paixão tentou estragar o jogo (como é seu costume), mas nem o facto de o Bruno apitar mais que um comboio em noite de nevoeiro a atravessar as favelas de Mumbai me enervou mais do que o inevitável (we will always have Campo Maior). Até chegou ser divertido ver o Yebda a sofrer duas duras faltas de seguida e ser marcada uma falta contra o Benfica porque os amarelos caíam com o impacto. Na verdade, sinto o contentamento de uma criança que é apanhada a roubar um doce, leva uns açoites, mas ainda se ri, pois o doce já cá canta. Mais um pouco e apanhava os açoites sem ir a tempo de engolir atabalhoadamente o docito. Os 3 pontos já cá cantam, o Benfica atacou (mesmo que mal), e os carpinteiros não foram a tempo de nos açoitar. Porém, há apontamentos a reter:
O Nuno Gomes joga bem é com outro avançado ao lado, e o Benfica em Portugal deveria jogar sempre assim. Entendo que ainda não se tenha percebido isso. Afinal de contas, só faz doze anos o Nuno Gomes joga bem nessas condições.
O Reyes está para o Quique como o Maxi estava para o Camacho. Irá jogar sempre que consiga estar em pé. Isso não significa que, apesar de aliviar tão mal quanto remata bem, não estejamos perante um jogador fora de série (mauzinho de cabeça, é certo), e ouvir os "comentadores" dizer que é curto para as necessidades do Benfica é como ouvir dizer que as armas nucleares são fraquinhas.
Deviam é ir apitar para os caminhos de ferro indianos.
A despeito de ter lido o seu Abbagnano de fio a pavio, a verdade é que o pensador com quem o OSP mais se identifica não pertence ao domínio do academicamente acreditado. Tudo porque esse pensador é o Calvin – não o beato, mas o da BD –, cuja Weltanschauung contém ensinamentos abundantes, que têm, de resto, valido ao OSP em muito debate filosófico nas inúmeras tertúlias que frequenta. E, tal como o Calvin diz de si mesmo numa das suas frases mais memoriosas, também o OSP se considera um homem simples com gostos complexos.
Na sua simplicidade, o OSP vive a vida de acordo com não mais do que duas regras elementares: não comer carne de porco mal passada e não falar nunca de futebol com adeptos do Porto. E a verdade é que, até agora, e já lá vão mais de três décadas de vida, o OSP ainda nunca apanhou ténia.
Já na sua complexidade, o OSP tem de confessar que os seus jogadores preferidos do SLB desde que o Rui Costa saiu para a Fiorentina foram, por ordem cronológica, o Bruno Caires, o Roger, o Carlitos (o do Basileia) e o Fábio Coentrão. Na verdade, é difícil explicar uma complexidade desta ordem, pelo que o OSP nem sequer vai perder tempo a tentar fazê-lo.
E o que tem isto que ver com o Nápoles-SLB? Aparentemente, nada, mas o facto é que o lirismo do SLB do Quique começa sinceramente a arrebatar o OSP, e a mera ideia do Nápoles representa muito para quem, como o OSP, tem na maior parte das vezes uma visão romântica do futebol. O exagero romântico da relação do Nápoles-clube e da Nápoles-cidade com o Maradona assegura, aliás, que sempre assim será.
Ora, como já tão bem notou o Padinha, no que foi confirmado até ao osso pelo jogo de Itália, o SLB deste ano pratica um tipo de futebol inteiramente irresponsável (com extremos e tudo, Maradona seja louvado, e com um só trinco!), e a simplicidade desta abordagem é desarmante: enfrenta-se a equipa adversária olhos nos olhos, cada uma mostra os seus argumentos (os do SLB passam por ter, em 11, pelo menos quatro jogadores que não só não defendem, como consideram a defesa uma categoria vazia, sem veridicidade no século), e que ganhe a melhor. Esta atitude nada tem de complexa, faz parte da quinta-essência do próprio jogo. Entende o futebol, na verdade, como sendo ainda um jogo.
O lado complexo, claro, é o que ainda falta ao SLB do Quique. Mesmo atendendo a que este foi só o terceiro jogo oficial da época, a equipa não faz a mínima ideia de como defender em bloco, de como se articulam jogadores de diferentes sectores para, por exemplo, impedir que os laterais adversários subam quase desimpedidos até poderem cruzar (e expor horrivelmente o Quim). Ontem, aliás, bastava um jogador do Nápoles passar a linha do meio-campo para o lado do SLB para o OSP pensar que vinha aí uma clara oportunidade de golo. E assim foi até entrar o Katsouranis.
É por tudo isto que a questão simplicidade vs. complexidade é tão pertinente numa análise do Nápoles-SLB.
Voltando atrás, à tal ideia de que muito da visão romântica que o OSP tem do futebol se deve ao Maradona no Nápoles: hoje em dia, quando simplesmente falar de futebol parece ter ganho carácter científico, tanto na boca dos treinadores, como nos editoriais dos jornais desportivos e nos comentários de qualquer badameco da Sport TV, com a riqueza do vocabulário desportivo (como em A Bola de antigamente) a não partir da criatividade na combinação dos recursos da língua, mas sim do clichê e do anacoluto, o OSP gosta, volta e meia, de se imergir no futebol-diversão, o que faz muitas vezes vendo o Maradona a aquecer antes de um jogo qualquer em Itália.
Não se marcam golos, não há basculações, não há transições defesa-ataque e ataque-defesa, não há pressões altas nem processos ofensivos, não se trata de treino integrado, mas este clipe é do melhor futebol que o OSP já viu. O OSP sempre achou, aliás, que esta sensação de divertimento absolutamente descontrolado é que é o futebol. Esta euforia.
Impossível hoje, na idade do futebol-ciência, esta descontracção, esta falta de atitude, este prazer, mas isso não impediu o Maradona de ser o maior de todos (e, porra, ele é-o: o homem tinha 1,65 m e jogou em Itália, quando o calcio era calcio e o Gentile ainda jogava, e marcou 115 golos em Itália, quando o calcio era calcio e o Gentile ainda jogava) e de ganhar mesmo numa altura em que o Milan do Sacchi surgia como agouro do futebol-ciência. E, já agora, de quase ganhar o Mundial de 90 sozinho, apesar de o seu corpo se começar já então a assemelhar ao do Fernando Mendes (o do Preço Certo em Euros).*
Pois bem, o jogo de ontem em Nápoles foi o aquecimento do Maradona. O SLB deste ano é o aquecimento do Maradona, capaz de ir jogar com uma equipa italiana, assumir o jogo e a bola, atacar com oito jogadores, com abandono, sempre que há hipótese (mesmo sem saber como é que se ataca bem), e depois defender como a selecção brasileira de 82. É o Balboa a correr desgovernado e a mostrar que devem faltar para aí três jogos para ser o defesa-direito titular (ou pelo menos um Vítor-Paneira-a-lateral-direito-na-segunda-parte-à -Eriksson-para-virar-o-jogo, 20 anos depois), o Reyes a simular fintas completamente parado, o Di María a fazer sabe-se lá o quê, o Suazo a correr sozinho contra toda a defesa do Nápoles, o Yebda a fintar, e o Carlos Martins com birra dentro do campo. E quatro defesas vestidos de encarnado a sentirem-se sozinhos no mundo.
E o Nápoles, sendo italiano (só uma equipa italiana poderia ter tanta mama em ressaltos que dão golos) e jogando à espera de ver o que o SLB ia fazer para depois jogar em contra-ataque, ajudou, pois quis sempre marcar mais um. Ficou 3-2, podiam ter sido mais. Não foi nada mau para uma equipa tão genuinamente acriançada como o SLB está a mostrar ser este ano.
Repare-se que aquilo em Nápoles foi tão aquecimento do Maradona que, no fim do jogo, o Santacroce saiu do relvado de cuecas depois de mandar tudo para a bancada, o que não se vê senão quando o futebol é desporto, senão quando jogadores e adeptos sentem que estão a desfruir algo especial.
É que a complexidade no futebol acaba com este tipo de momentos, e divertir-se com o jogo não é ir para a Praça Sony ver jogos da selecção com a cara pintada. Quem desfrui verdadeiramente o futebol sabe que a beleza do jogo não pode sair do que acontece dentro daquele rectângulo, nem depende só de resultados ou de vitórias. O futebol tem de ter risco e diversão, e o OSP está satisfeito por ver que o SLB está a tentar acomodar isso no seu jogo. Agora é preciso algum tempo para que jogadores que foram programatizados para nunca o fazerem aprendam a jogar nesse risco e nessa diversão.
Ontem, o SLB perdeu, é certo, e a exibição não foi de maneira nenhuma para lembrar, mas ninguém desconvence o OSP de que, apesar de tudo, é melhor perder assim, em cima deles (o grito de guerra do Ângelo que, via Padinha, se tornou o lema oficioso do OSP esta época), do que como se perdia com o Fernando Santos e o Camacho – com os jogadores borrados de medo ou prestes a precisarem de cair no divã do psicanalista. Na vida, há muito para dizer sobre a forma como se perde, e o SLB deste ano ao menos não perde de joelhos, não perde agachando-se para fora da possibilidade do soco.
Dito isto, o OSP tem noção de que, na sua atitude de jogo pelo jogo (no triunfo do simples sobre o complexo), o SLB do Quique pode não durar muito mais tempo. Já ontem, ao ler os comentários sobre o jogo dos leitores do MaisFutebol (o que o OSP gosta de fazer quando lhe apetece perder a fé no género humano e não há nenhuma Convenção Republicana a acontecer para o ajudar nisso), o OSP desbotou ao ler alguém que afirmava – agramaticalmente, claro – que o SLB tinha feito, em Nápoles, a pior exibição que ele já tinha visto. Ou se tratava de uma criança de não mais de dois anos, ou é melhor o Quique ganhar em Paços de Ferreira para o SLB não ter de começar já a planear a próxima época.
E que bem poderia estar já a correr esta, pondera o OSP, se ao menos o SLB conseguisse acabar um jogo que fosse com 11. Mas imperturbabilidade, benfiquistas, imperturbabilidade, porque o OSP pode garantir que o SLB vai marcar cinco na segunda mão. E tem quase, quase a certeza de que o Nápoles não vai passar dos três. Mesmo com o terror que essa ideia provoca, não deixa de ser bom pensar que se vai ver um jogo assim ao vivo.
* É também por estas e por outras que o OSP preferirá sempre o Messi ao Cristiano Ronaldo: o Messi, mesmo aos 40 anos, com barriga de Quilmes, ainda conseguirá fazer uma cueca a qualquer defesa de 18; o Ronaldo, aos 40 anos, com barriga de alcopops (há aqui toda uma diferença) a levar-lhe a velocidade, não conseguirá passar por um defesa da II B que tenha duas pernas funcionais. Mas, por agora, chega de bater no Ronaldo, apesar de esse ser um dos passatempos predilectos do OSP.
A A5 estava completamente parada devido ao encerramento da faixa direita (que bela analogia com o estado do país poderia aqui apresentar, mas neste bloguededicamo-nos a uma causa maior).
Era essa, segundo a imprensa, a dúvida de Quique: encerrar a faixa direita (com Amorim) ou acelerar o trânsito (com Reyes). Quique escolheu Reyes e mais dois canhotos para acompanhar Aimar no ataque, num 4-4-2 de papel, porque na relva foi um 4-2-4, dada a fogosidade (há também quem lhe chame indisciplina táctica) dos dois extremos.
Eu gosto de dois tipos de futebol: – Aquele comummente apelidado de científico, mecanizado, cínico, ou outro qualquer insulto mascarado de adjectivo, que resulta de muita pestana queimada e voz enrouquecida para colocar em prática muito estudo, numa actividade cuja arte e precisão encontra apenas paralelo no que sai das mãos de um ancião relojoeiro suíço. Estou-me a referir ao futebol de qualquer equipa de Capello ou de qualquer equipa alemã (selecção, naturalmente, incluída) dos anos 80 e princípios dos 90. – E o seu directo inverso, o futebol desbragado, inconsciente, inconsistente, louco, frenético e normalmente ineficaz, extraordinariamente exemplificado no Everton dos anos 80 ou no Benfica 93/94 e que o nosso imortal Ângelo – exemplo acabado do jogador à Benfica – apelidava, simplesmente, de “ir para cima deles”.
E no sábado “fomos para cima deles”. Mesmo depois do abraço de Katso a Lucho (merecido, pelo sempre maravilhoso futebol deste argentino), continuámos a “ir para cima deles”. Com cruzamentos, remates e cantos. O Porto, esse, jogava em contra-ataque, como há muito na Luz não jogava. O golo apareceu, numa cavalgada à Futre do Fernando Aguiar com pés, porque “eles não saíam de baixo de nós”. Depois, o meio cérebro do grego deixou de funcionar e fez o que a todos de vermelho no estádio apetecia fazer: arriou uma vistosa sarrafada no Rodríguez e o jogo acabou. O Porto, o favorito (porque manteve o Lucho), o estruturado (porque manteve o Lucho), o campeão em título (porque teve o Lucho) não conseguiu marcar um golo a uma equipa que alinhava com 6 jogadores (se considerarmos apenas os jogadores com um mínimo de 30% da sua capacidade física inicial).
Em resumo: talvez inspirados pela presença de Vanessa Fernandes, os nossos ladsapostaram no triatlo: primeiro meteram água, depois fartaram-se de pedalar e depois arrastaram-se penosamente até à meta.
Excelentes indicações vi eu naquele Inferno (que, desta vez, até contou com a presença de um Demo de carne e osso e tudo):
– Uma equipa irresponsavelmente empolgante, que tanta excitação e maus resultados nos vai dar;
– O Quim a sair da baliza e a agarrar ou socar as bolas (pareceu mesmo um guarda-redes);
– Um Porto com mais respeitinho e com um Lisandro que já saiu da fase Acosta (se não perceberem esta, escrevam que eu explico).
E se isto (ainda) não for suficiente para animar as hostes benfiquistas, pensem nisto: segunda jornada e estamos apenas a 2 pontos do Porto. Temos ou não o título ao nosso alcance?