28.1.08

We're not worthy!

"Sporting?"

Para todos os que, de forma visceralmente antiobrigadosápíntica, todos os anos dizem: “Eh pá, eu sou do SLB/Porto/Sporting [riscar o que não interessa], mas na UEFA gosto que ganhem as equipas portuguesas.”

Não quero ser azul nem verde nem cinzento

Falando de arrancar os cabelos por causa da arbitragem, e à luz daquele arremedo de imparcialidade de sábado à noite, será finalmente possível que a profissão militar deixe de ser emparelhada com tudo o que é qualidade moral e ética? (O objectivo dos militares é matar e aleijar gente, pessoal.) O João Ferreira é oficial do exército, e nem por isso o desempenho dele em Guimarães deixou de ser uma merda que de tão merdosa já parecia premeditada. O Obrigadosápinto tem, contudo, certeza de que não o foi, foi tão-somente mais uma prova de que este árbitro não é lá grande espingarda.* O João Ferreira pode ser sério, o.k., mas isso não se deverá ao facto de ser militar.

O Pedro Henriques, por exemplo, só marca 31,33% das faltas que acontecem nos jogos dele e, bem de acordo com a tradição marcial, só expulsa um jogador se a falta cometida, invariavelmente a pés juntos, envolver arrancamento, mas por ser major é o maior para a comunicação social.** Se ele fosse um mecânico mentireiro ou um merceeiro matarruano em vez de major,*** seria visto como uma espécie de Jacinto Paixão, se bem que de poderoso caparro.

O Hitler também foi soldado, pessoal, e por cada Elias Grodin há sempre 3,7 Bob Barnes, por isso o Obrigadosápinto aconselha calma a quem diz que os militares fazem bons árbitros por deles emanar uma aura de autoridade natural.

* Ah, o regresso da pavorosa metáfora obrigadosápíntica.
** Péssima, esta aliteração, até para o Obrigadosápinto.
*** Melhores, estas.

La furia

Falando de espanhóis, a vitória do SLB em Guimarães, como fosse plena de virtudes camachianas, transverteu esta, sem dúvida, numa semana muy fuerte para a periodização táctica, o treino integrado e as transições ofensivas feitas na Hispânia.

Boa noite, eu sou a Manuela Moura Guedes

Falando de repetições, o Obrigadosápinto quer também saudar a TVI, que, ou em contenção de custos, ou para não danificar o produto que promove, ou em cruzada moralizadora (se ainda fosse a televisão da Igreja, era esta), deixou de mostrar, como acontece na Liga dos Campeões e na Premier League, até à exaustão as repetições de “lances polémicos”. Quem não viu à primeira, não viu, e antigos-árbitros-hoje-comentadores poderão ver-se condenados a um desemprego alcoolizado se não puderem recorrer àquela 6.ª repetição, de ângulo inverso, que prova de forma inequívoca que, com o pé direito, o jogador adversário derrubou Quaresma à margem das leis, quando este já se esgueirava para a área, sendo esta acção passível de admoestação com a mostragem da cartolina amarela.

Sim, o SLB tem razões para arrancar os cabelos por causa da arbitragem do jogo de Guimarães, mas o Derby County também é muitas vezes prejudicado em tardes frias no Nordeste de Inglaterra, e a vida continua. O Obrigadosápinto arriscaria dizer que também foi por esta ausência de necropsias arbitrais que o Guimarães-SLB foi um ganda jogo.

Ou então é mais uma prova de que os homens de negócios espanhóis são mais espertos do que os portugueses.

Coração, nervo e tomates

Foi de facto um ganda jogo em Guimarães, com garra, empenho e sofrimento, e o Obrigadosápinto sente-se um felizardo por gostar de futebol depois de ver um jogo desta intensidade. Ainda se sente cheio de energia só de pensar no que se passou em campo.

Rapaziada, podem jogar assim mais vezes? Não tem de ser com arte, os benfiquistas ficam satisfeitos com vontade. Permitam, pois, que o Obrigadosápinto reformule o seu pedido: podem suar assim mais vezes?

24

Dois prolegómenos, hoje: 1.º qualquer benfiquista que, como o Obrigadosápinto, tenha aprendido a ler com “A Bola” de antanho sabe que, em 1968, o Eusébio marcou um (célebre) golo à Juventus, em Turim, num livre pouco depois da linha de meio-campo, pelo menos a uns 40 metros da baliza, e antes do qual, ao aperceber-se de que ele tomava balanço para ir rematar à baliza, o público se começou a rir; 2.º a televisão está a matar o futebol.

Muitos dizem que o livre contra a Juventus é talvez o melhor golo da carreira do Eusébio, e o Obrigadosápinto tem como verdade absoluta que, se for esse o caso, então trata-se do melhor golo já marcado desde que os chineses começaram a jogar cuju. Se consegue ser melhor que qualquer um dos três que o Eusébio marcou ao Santos em Paris, em 1961, então o segundo golo da Argentina contra a Inglaterra em 1986 passa a nota de rodapé, escrita por um Rui Barros vitaminado e sem ar de bimbo.

O que é curioso é que o Obrigadosápinto nunca viu o golo do Eusébio à Juventus, não sabe de ninguém que tenha visto o golo do Eusébio à Juventus (pelo menos o verdadeiro). O Obrigadosápinto é, há que confessá-lo, algo misantropo, apesar de galhofeiro no balneário, mas decerto alguém de entre as pessoas que ele conhece já devia ter visto o livre. Nisto, porém, o Obrigadosápinto não está sozinho.

Já a televisão mata o futebol, e não é porque tire pessoas dos estádios. O jogo de Guimarães é disso um bom exemplo, com 25 000 nas bancadas e uma atmosfera à futebol inglês da década de 1980, pancada entre os adeptos incluída, como um bónus sangrento. Nem sempre se jogou bem em Guimarães, mas a dedicação e a intensão das equipas foram de tal modo britânicas que, se se jogasse futebol sempre assim em Portugal, mais gente iria vê-lo ao vivo. Menos em Leiria, claro, onde nem uma sessão de bondage da Soraia Chaves ao intervalo com ingressos gratuitos e oferta de um vale de compras do Lidl no valor de 25 euros seria capaz de fazer com que o União de Leiria-Estrela da Amadora tivesse mais de 887 espectadores (dos quais apenas 512 pagantes).

Por falar em bondage, vários estádios do Euro’2004 deviam ser implodidos com os políticos que trouxeram a organização do Euro para Portugal lá dentro algemados às vedações e vestidos como o Gimp… mas o Obrigadosápinto devaneia, e não se quer poluir falando de política. Nem desviar-se do tema.

Já a televisão mata o futebol, então, porque lhe acaba com o folclore, não deixa espaço para a lenda. Só a terrível tendência actual para o voyeurismo explica que, qual S. Tomé, seja preciso que as coisas apareçam num ecrã para terem realidade (o que é tão verdade para o One Night in Paris como para o tsunami no Índico), mas o facto é que, se calhar, o golo do Eusébio não foi a 40 metros da baliza, se calhar foi só a 32, ou a 28, se calhar o guarda-redes da Juventus deu um frango vítima de hormonoterapia, se calhar a barreira estava mal feita, se calhar ninguém se estava a rir. Qualquer uma destas coisas, se não mesmo uma combinação delas, é muito provável; nenhuma delas, porém, interessa. O importante é que o livre do Eusébio sobrepujou a sua mera concretização física numa tarde em Turim, e, porventura à custa do passa-palavra, à custa da lenda, da tradição oral, a distância para a baliza foi aumentando um nanómetro de cada vez que alguém dela falava.

O golo do Cardozo em Guimarães foi um ganda golo, magnificado pelo facto de o Obrigadosápinto sinceramente não acreditar que o SLB pós-Simão conseguisse marcar golos de livre. Tal como Deus, essa hipótese não era até ontem verificável. Em directo, pareceu, ao Obrigadosápinto, um pontapé ao ângulo que quase furava a rede, o maior livre marcado por um jogador do SLB desde aquela tarde em Turim, do qual, se não houvesse repetição, os benfiquistas ainda falariam como um momento mágico daqui por 50 anos. A repetição mostra, contudo, que a bola entrou a meia altura, a cerca de meio metro do poste, que o guarda-redes do Guimarães não teve asinhas para chegar perto dela e que tentou ir lá com as duas mãos.


Atenção, defender aquele remate era quase impossível (talvez só o Preud’homme… sim, sem dúvida o Preud’homme), e foi de facto um ganda golo. Não foi foi tão bom como pareceu em tempo real, em velocidade real. Se a única repetição mostrada fosse aquele aparente frame a frame da década de 1970/80, com um “R” a piscar e a aumentar e a diminuir no canto superior direito da televisão, este golo seria objecto de estudo por parte da demologia; assim, foi só um ganda golo, a ser consumido – e sublimado – em velocidade real.

(Guimarães, 1 - SLB, 3)

26.1.08

Para quando?

O Cosme gosta do Cajuda.

Um dos desejos mais húmidos e perversos do Cosme é ter o Cajuda como treinador do Benfica.

O Cosme gosta de treinadores que gostam de treinar.

O Cosme gosta de treinadores que realmente fazem o que podem para ganhar.

O Cosme gosta de treinadores que sabem mais de táctica do que um miúdo de dez anos.

A quente

Na primeira parte do Guimarães-SLB, para além dos dois petardos que furaram a rede o de Cardozo e o da claque do Benfica –, o mais impressionante foi o novo penteado de Nélson.

Garantiria entrada imediata nos Boney M.


25.1.08

Me engana que eu gosto

Há uns anos, um documentário sobre os jovens jogadores de um clube qualquer mostrava o treinador a explicar vigorosamente a putos de 14 anos a importância de cair na área. “Sentem um toque”, dizia ele, “e caiem para ganhar o penalty”.
Atentado pedagógico ou atestado de pragmatismo?

No Obrigadosápinto, encaramos o futebol como o resto da vida. Encontramos na ética simultaneamente missão e sustento, um dar e receber que implica esforço, devoção e ausência de glória. Perante aquele ultrajante vociferador vestido de fato de treino Marsil, as nossas mãos ardiam de vontade de lhe acertar nas partes contíguas ao farfalhudo bigode. Pelo vazio dramático de ética e pelo pseudopragmatismo saloio.


O futebol padece de insuficiência estatística. Assumimos, arrogantemente, que o futebol é um jogo diferente. A explicação de um resultado passa, invariavelmente, pelo “futebol é isto”. Mas fosse o jogo mais dissecado e conclusões apareceriam. Uma delas, de certeza certa, é que os mergulhos na área impedem mais golos do que os que provocam. A cena do avançado isolado que ao invés de continuar a corrida e estremecer as redes, encena receber um balázio de uma caçadeira, mais do que estafada é estafante.
E sim, o mergulho de Eusébio arrumou com o Real Madrid e sim, o alongamento de Chalana deu a Portugal o seu primeiro Europeu. Mas por cada dois mergulhos em cheio, 20 golos ficam no chão. E a tristeza não provém apenas da ineficácia mas também da beleza que um golo corrido tem e que um penalty, Panenka à parte, nunca terá.

Calhou na roleta do zapping o visionamento de uns minutos do Sporting-Paços de Ferreira. O inegavelmente miúdo Pereirinha entrou na área e foi vitima de um empurrão que não envergonharia nenhuma vedeta de wrestling. O miúdo, provavelmente pelos muitos jogos passados em pelados, esforçou-se por se aguentar nas pernas e conseguiu. O árbitro manteve-se quedo e mudos os jogadores lagartos. Marcar um penalty por uma falta que não provoca a queda de um jogador não faz, pelos vistos, parte da legislação futebolística.

O árbitro assumiu que gosta de ser enganado. O Pereirinha, depois de o Paulo Bento o esganar, vai passar a fazer-lhe a vontade.

23.1.08

Deve ser...

Ontem, num jogo do Arsenal Emmanuel Adebayor e Nicklas Bendtner andaram à batatada (discreta, mas até houve sangue).

Deve ser porque:
a) O ambiente no balneário é de cortar à faca (embora seja considerado o melhor da Premier).

b) Estão mal classificados (vão à frente, por isso deve ser de estarem em igualdade pontual).

c) O Wenger não tem director desportivo (HAHAHAHAHAHA).

21.1.08

The horror, the horror

O Benfica "diz que é uma espécie de equipa de futebol" continua a aterrorizar os seus seguidores. Confesso que se o Sertanense nos sai na rifa eu borro-me por aí abaixo...


É que parece que os tipos têm...uma equipa. O Benfica não sei, confesso que não sei. O grande Luís Miguel (faz lembrar o Campos...) diz que não é qualquer equipa que põe o Benfica a fazer anti-jogo na luz. O que só atesta uma de duas coisas (ou as duas): ou há muito tempo que não vê o slb a jogar ou então é mentiroso.
Sei que o que se pede ao Benfica é que jogue para ganhar, que seja uma fera, um predador (e, já agora, que faça três passes seguidos), coisa que há muito tempo não vejo por terras gloriosas. Em vez disso, vejo um animal fragilizado, que só mostra ganas para morder nos colegas de galinheiro, uma equipa mariquinhas e que joga como o Charlot andava. A diferença é que não lhe acho piadinha nenhuma.


(SLB, 1 - Feirense, 0)

16.1.08

Tesourinho não deprimente

O Obrigadosápinto não alinha, por enquanto, no Camacho-bashing que vai por essa blogosfera. Prefere esperar para ver se o Camacho consegue redescobrir o viço pastoril que marcou tanto a sua carreira de jogador, como a sua primeira encarnação no SLB. (O Obrigadosápinto atribui o hodierno maior recato camachiano, bem como as suas até agora desconhecidas afectação táctica e substituições pernósticas, às más influências e aos tiques metrossexuais do Pepe Carcelén. Patenteando a natural rejeição da idade de um homem já com 53 anos, o Camacho, de tanto querer mostrar que está in touch, acabou por ceder ao Pepe. Com que melancolia o Obrigadosápinto recorda, suspirante, a ocasião em que se publicaram, na imprensa desportiva, fotografias das férias em conjunto do Camacho e do Luís Filipe Vieira, ambos de calções, na praia, em masculina galhofa no Sul de Espanha. Pareciam tempos mais felizes, menos complicados, veranos azules.)

Quer as coisas acabem por correr mal ao Camacho, quer lhe corram bem, o Obrigadosápinto saudará sempre, porém, a memória que ele deixará em Portugal, sobretudo agora.

Como mudou o padrão: os Gato Fedorento fizeram, há bem pouco, uma canção para o Fim de Ano onde se repetia ad nauseam a palavra “merda”, por isso nada disto é sequer chocante. Por outro lado, tal como no Norte, dizer palavrões em Espanha é normal e considerado parte da identidade cultural do pueblo (sendo amiúde considerado um sinal de espontaneidade rousseauniana, amiúde por parte de alarves).

Não é isso, todavia, que torna este momento único, elevador. Há mais:

Camacho: “E los jugadores tienen que estar fodidos, porque empatámos em casa.”

Legenda: “E é natural que os jogadores estejam chateados, porque empatámos em casa.”

A semântica nunca foi o forte do Obrigadosápinto no que toca aos estudos linguísticos (sempre preferiu ler o alfabeto fonético em voz alta), e a má tradução e legendagem na televisão é um facto da vida portuguesa do princípio deste século e uma prova da falência das instituições de ensino do país, mas parece-lhe que “fodido” é algo mais do que “ficar aborrecido”. Usando a sinonímia para o auxiliar, não parece ao Obrigadosápinto que os jogadores tenham ficado “amolados”, “contrariados”, “enfadados”, “importunados”, “irritados” ou “maçados”; talvez “arrenegados”, “assanhados”, “coléricos”, “danados”, “enraivecidos”, “enxofrados”, “infensos, “puavas”, “rábidos”, “sanhudos” ou “torvos”. As possibilidades são muitas.

No mínimo, teria de se dizer que ficaram “muito, mas mesmo muito, chateados”, até porque o Obrigadosápinto compreende que o espectador médio, mesmo da SIC Notícias, poderia encalhar em “estejam puavas”.

Que a tradução seja eufemística, o Obrigadosápinto consegue entender, mas, se não queriam escrever “fodidos”, porque é que permitiram que a palavra fosse ouvida? Porque não editar a conferência de imprensa pondo o Camacho a falar sobre o Katsouranis? Ele também o fez. Uma análise desconstrucionista apontaria para isto como sendo mais um sinal da prevalência do fonocentrismo na análise textual-filosófica moderna, no que terá sido a assunção pública do legendador de que finalmente compreende as leituras de Derrida feitas na sua esfera pessoal.

O editor dos noticiários da SIC, esse, comportou-se de forma magana, e o Obrigadosápinto está certo de que o fez propositada e conscientemente. A deliberação na escolha desta resposta específica do Camacho ofereceu-lhe um prazer proibido magnificado por acontecer ao ouvido, que não à vista, de toda a gente; um momento de escape numa vida controlada pela obrigação de conseguir audiências e pela necessidade de ser politicamente correcto (menos se tiver sido o Mário Crespo, que esse faz o que quer, até enobrecer o 60 Minutes passando-o na SIC Notícias); um estremecimento gelado na espinha de qualidade quase erótica. O Obrigadosápinto até aposta que, nessa noite, ele foi para casa, sentou-se no sofá e, de cuecas, passou a noite na companhia da sua colecção de Playboys antigas e com uma caixa de Tulicreme ao alcance da mão.

Depois do cisma evangélico-ortodoxo (5)

Para gáudio do Obrigadosápinto, enquanto amante de uma língua que se quer dinâmica como uma transição ofensiva do Rodríguez, há sempre a cíclica insinuação de certas palavras (aviventadas ou não) no domínio público. Há uns anos atrás, o Obrigadosápinto festejou as “valências”, depois as “incidências”, e ainda o “direccionar” (em termos de modalidades desportivas, há ainda e sempre o “apronto” para o arrepiar de prazer). Hoje por hoje, a ai-jesus (ou menina-prodígio) do seu plantel vocabular é “bondade”. A bondade de fazer isto ou aquilo, a bondade de uma decisão, a bondade da lei, a bondade da opinião de alguém. Depois de ver a partida que o Luisão cumpriu no sábado, onde o esforço por si despendido não esteve à altura (ficou-se assim pelos joelhos) dos seus pergaminhos de líder do sector mais recuado da equipa, o Obrigadosápinto ficou sem perceber a bondade da bitola adoptada pela Direcção da SAD e pelo corpo técnico de o tratar ao nível dos paninhos quentes e confirmou a bondade da ideia que há pouco expressou de que não teria sido mau de todo se tivessem feito com que ele tirasse uns jogos para reflectir sobre a brevidade da existência humana e do estrelato no desporto-rei. Há mesmo demasiada bondade no SLB para com os jogadores com os melhores lobbys. Hannibal ad portas, de facto.

14.1.08

Fodidos

Se esta época viesse a figurar na história Gloriosa, o Leixões seria uma figura de destaque. Na primeira volta, serviu de desculpa para despedir Fernando Santos. 15 jogos depois, o mesmo Leixões serviu para vermos que nossa equipa não joga uma beata (a analogia não é famosa, mas o facto de ter passado a fumar na rua impele-me para a gíria tabagista).

No sábado, a equipa de Matosinhos nem propriamente se agigantou, como é costume em equipas de bacalhau (recorrendo agora a Manuel Machadês). Jogou o futebolzinho do costume em equipas do Carlos Brito, fiel discípulo de Henrique Calisto, com aquelas trocas curtas de bola a meio-campo que fizeram da Académica dos anos 80 um contínuo candidato à segunda divisão.
E não fosse o árbitro ter um (correcto, mas irritante) arrependimento e o fiscal de linha um momento de miopia e o Porto não gritaria, nesta altura, o hino de campeão. Estaria, apenas, a cantá-lo em voz muito alta.

Que o Porto vai ser campeão, é assunto que não interessa minimamente. O Algarve costuma ser quente no Verão, e isso nunca é assunto de discussão. Quanto chove no Algarve, isso sim, merece comentário. O Benfica não ser campeão, também, infelizmente, não abre a boca a ninguém. Agora, o que se viu no sábado, ou o que se tem visto inclusivamente no sábado, merece umas palavras.

O Camacho fez parte daquela equipa do Real Madrid que transformou, por momentos, o futebol numa completa manifestação de aleatoriedade. Levava 4 na pá duma equipa jeitosa qualquer e 15 dias depois espetava-lhe com 5. Era a fúria espanhola, dizia-se. E essa é claramente a escola do espanhol vivo mais parecido com o Chefe Silva.

Segundo consta, Camacho quer que a sua equipa conquiste o primeiro canto e faça o primeiro remate. A fúria, lá está. E a equipa responde, porque fúria é o que não falta por ali. Viu-se isso bem contra o Setúbal e no fim do jogo com o Leixões.


Camacho é, então, um Anger Manager, não no sentido tradicional do termo, porque ao invés de a querer controlar, ele fomenta-a.

Mas não é Manager de mais nada. O homem escolhe 11, mete-os no tabuleiro – 4 lá atrás, 2 mais à frente, 2 nas alas e 2 na frente ou só um na frente e um mais atrás – e quanto ao resto desenrasquem-se.
Troca de posições, compensações, umas jogadas ensaiadas, umas simples tabelinhas, nada disto se vê numa equipa de Camacho. Nem na outra que ele treinou há uns anos, melhor do que esta, mas apenas porque tinha melhores jogadores (Simão, Moreira, Miguel e Tiago), porque a interacção entre os jogadores era a mesma. Nenhuma.

Calhou há uns 15 dias passar os olhos pelo Real Madrid-Saragoça. Os jogadores do Saragoça jogavam uns com os outros, tinham dinâmica, criavam oportunidades. Casillas ia defendendo golos enquanto o resto da sua equipa lá andava. Entretanto, Robinho lá recebeu uma bola redonda, desmanchou um defesa e mandou o Nistelrooy contar mais um. Passados uns minutos, o brasileiro repetiu a cena, mas desta vez dispensando o holandês.

Ora, é para isto que Camacho está sempre a exigir melhores jogadores: para disfarçar, com o génio de alguns, a incúria de todos, quando juntos.
E como nunca teremos Robinhos, nem tão cedo sequer um Simão, passamos a citar o Camacho: estamos fodidos.

(SLB, 0 - Leixões 0)

13.1.08

Deve ser da relva

Daqui a uns anos haverá um doutoramento em «Secretariologia» na FMH, ou mesmo no ISCTE. Durante anos a fio, seminários e conferências serão organizados tentando explicar o «mistério» da presença do Secretário na selecção nacional e no Real Madrid. Note-se que não tenho nada contra esse «mistério»; até porque é um «mistério» que me dá mucha ilusión. Se o Secretário pode ser jogador da selecção, eu seguramente que posso chegar a Secretário-Geral da ONU.

Mais tarde, quando o Papa morrer (o verdadeiro, não o que está no Vaticano), depois de se ter salgado o corpo, espetado uma estaca no coração e um balázio de prata na nuca (não vá o Diabo tecê-las) poder-se-á estudar o fenómeno que leva as equipas portuguesas da 1ª divisão jogarem ao nível dos distritais sempre que jogam com o fcp. É uma maravilha. Contra o glorioso (e até contra os desgraçados de verde) esfalfam-se de tal modo que até mete dó. Contra as criaturas do Tinhoso parecem uns putos de doze anos. Mistério....

12.1.08

Depois do cisma evangélico-ortodoxo (4)

Katsouranis: Diz lá outra vez que não há um grande filósofo grego desde o século III, diz, palhaço! Diz-me na cara, se tiveres coragem! Então e o Proclo?

Luisão: O Proclo? Estás doido. A única coisa que ele fez foi requentar o sistema plotiniano, já de si um requentamento do platonismo, e acrescentar-lhe uns enfeites de Lógica. Só tu é que não queres ver que a regressão do pensamento clássico se acentuou de forma irreversível depois do Plotino.

Katsouranis: Eh pá, eu parto a boca a este gajo, eu mato-o. Larguem-me!

Luisão: Anda cá, então, que eu não sou só virtuosismo dialéctico; também sou capaz de cuidar de ti à espartana. Por muito que estrebuches, a verdade é que, 1800 anos depois do Plotino, a Grécia está lado a lado com Portugal em alguns indicadores da União Europeia.

Depois do cisma evangélico-ortodoxo (3)

O Obrigadosápinto sempre soube que, esta semana, os jogadores tentariam desdramatizar a situação e os jornalistas incendiá-la, mas não suspeitava de que o Katsouranis fosse de tal maneira cordeiro sacrificial na praça pública. A diferença de tratamento em relação ao Luisão chega a ser indecorosa, e não só por ser reveladora de tão pouca inteligência por parte do SLB. Ademais, obriga toda a gente no clube a meter os pés pelas mãos.

O Obrigadosápinto teme agora que, como aconteceu no caso do Simão, o SLB acabe por ter de vender o passe do Katsouranis mais barato. Que saudades tem o Obrigadosápinto, por momentos, de quando todos os jornais falavam em tons reverenciosos da “grande capacidade negocial” do Vale e Azevedo.

Depois do cisma evangélico-ortodoxo (2)

Por outro lado, o Luisão e o Katsouranis contribuíram e muito (a jogada do golo do Setúbal nasceu e foi concluída pelo meio, porra!) para que não houvesse vindita pela boca suja do Carvalhal. E isso fez o Obrigadosápinto ficar fodido.

Depois do cisma evangélico-ortodoxo (1)

Ah, e os benfiquistas que não venham dizer ao Obrigadosápinto, como ele já ouviu dizer esta semana, que no Porto isto nunca aconteceria. Quando se ganha (e como eles ganham agora...), tudo corre bem, e o Jesualdo desculpa o Bosingwa as vezes que forem precisas, mas na época a seguir ao Mourinho ir para o Chelsea, quando pelo Porto até andou o Couceiro a passear a sua combinação blazer-camisola de gola alta e a fazer passar-se por treinador, o Luís Fabiano não andou propriamente a ser um companheiro-modelo.

Spin doctor


Um dos mantras do Camacho é que a equipa do SLB tem de aprender a circular bem a bola e a não a perder, sendo segura no passe. Isto, meus senhores, é uma mentira pegada, e o Obrigadosápinto nunca deixa de se espantar com o facto de nenhum jornalista perguntar ao Camacho, se é esse o caso, que raio faz o plantel do SLB nos treinos durante toda a semana?

No SLB, "manter a bola" é sinónimo de "passá-la ao Rui Costa quando estivermos quase sem ela para ele decidir o que fazer", e é talvez por isso que o SLB empatou em Setúbal, por ter recuado caninamente depois do golo do Mantorras (quando ainda faltavam 20 minutos para o jogo acabar) e por ser incapaz de, ao fazê-lo, esconder a bola do Setúbal. Uma equipa cuja ambição é passar a bola de pé para pé e mantê-la em seu poder não pode ter como estratégia pôr o Quim, o David Luiz, o Luisão e o Petit a chutarem bolas longas para os avançados, não pode encarar o jogo como o Preston North End circa 1927.

Os cristãos evangélicos fazem os melhores companheiros de equipa

"Most people go through life dreading they'll have a traumatic experience. Freaks were born with their trauma. They've already passed their test in life. They're aristocrats." Diane Arbus

Para despachar os prolegómenos e explicar a sempre pomposa acção de usar epígrafes, o Obrigadosápinto tem desde já de dizer que o faz porque lhe estão a faltar termos para descrever o vazio que sente e porque já não se acha capaz de aguentar muitos mais traumas relacionados com o SLB. O Obrigadosápinto viu o Toni ser despedido depois de ser campeão; viu a camisola dez do Rui Costa, entretanto vendido à Fiorentina, passar a ser usada pelo Nelo na época imediatamente a seguir; aguentou não um, mas dois interinados do Mário Wilson; sentado na primeira fila no Estádio da Luz, num derby com o Sporting, viu puro terror nos olhos do Rojas sempre que lhe passavam a bola; ficou eufórico por ter sido campeão há três anos depois de uma temporada em que o único jogo do campeonato de que se lembra é o SLB-Marítimo – mas o descambação actual está a ser demais, sobretudo porque surge depois de uma vera recuperação (financeira e de credibilidade) do clube, numa altura em que as coisas pareciam estar a melhorar.

Contudo, o principal efeito do “incidente” ocorrido no jogo com o Setúbal foi o de fazer com que o Obrigadosápinto se sentisse velho. Não por achar, como os idosos e os monárquicos, que antigamente havia mais respeito e valores autênticos, mas sobretudo por o “incidente” o ter feito lembrar-se do Elzo (um trinco monofíntico que o Obrigadosápinto, por ver nele o homem raçudo que ele próprio é, apreciava sobremaneira), que passou pelo SLB no fim da década de 1980 e nunca mais jogou pelo clube depois de, num jogo em que foi substituído – contra uma equipa não grande e estando o SLB a jogar horrivelmente nesse dia, se a memória não atraiçoa o Obrigadosápinto –, ter mandado a camisola do SLB ao chão, já no túnel, depois de ser substituído.

Exagero? Talvez se possa dizer que sim. Extremo? Sem dúvida (até porque o Obrigadosápinto, profano, rejeita a exaltação de símbolos e a glorificação de ídolos, além de, humanista, acreditar na possibilidade de alguém ter um acto impensado, cometer uma falha, ou até um delito, e se poder regenerar), mas uma punição era devida: o Elzo prevaricou em privado, é certo, mas quem quer que tenha decidido vender o seu passe achou que o SLB tinha valores que faziam parte da res publica e que era importante defendê-los. Que valia a pena defendê-los. E o Obrigadosápinto, um libertário envergonhado, acha o mesmo.

O Obrigadosápinto não quer, naturalmente, dar mais importância ao “incidente” do que ele realmente teve/tem, mas não deixou de se sentir um pouco envergonhado pelo que se passou, por o lado público do SLB ter sido desconsiderado de forma tão evidente. O resto, os bastidores que tantos jornais vendem, nunca interessou ao Obrigadosápinto. Se desse demasiada importância ao “incidente”, o Obrigadosápinto sabe que pareceria velho e uncool, no que significaria a sua morte social, mas também não o pode fazer porque, e até atendendo à sua relação com o treinador Artur Jorge Braga Melo Teixeira, tem noção de que as desinteligências fazem parte das relações laborais. Porém, hipócrita (ou bem-criado, de acordo com o código monárquico), prefere que estas sejam resolvidas em privado, com decoro.

Ciclicamente, foi em Setúbal que o Obrigadosápinto, anteriormente desapontado com o Camacho, se reconciliou de alguma forma com o enrubescido treinador do SLB, que, no seguimento do “incidente”, substituiu o Luisão e o Katsouranis, provando uma vez mais que, quanto mais verdadeiro e menos sofisticado for o seu comportamento, melhor é para o SLB. Agiu bem, agiu obrigadosápinticamente.

Quanto ao “incidente” em si, o Obrigadosápinto, apesar de desconfiar de Atletas de Cristo que se sentam ao volante com 1,44 g/l, tem, como todos os benfiquistas, uma dívida de gratidão para com o Luisão que jamais poderá ser paga de forma adequada, mas sabe que ser companheiro de equipa de um jogador como ele é absolutamente insuportável. Há muitos jogadores assim, que reclamam por tudo e por nada com os companheiros de equipa, com e sem razão – o Liedson será o caso mais próximo, temporal e geograficamente, o Schmeichel o mais conhecido –, e o Obrigadosápinto lembra-se, por exemplo, de ver o Moreira, quando começou a jogar na primeira equipa do SLB, quase em lágrimas porque o Luisão estava a gritar com ele antes de um pontapé de canto. E depois o Luisão é daqueles que, quando são eles a fazerem porcaria, ficam com ar de quem foi apanhado a roubar dinheiro da carteira do pai. O Obrigadosápinto já jogou com muitos assim. Já respondeu à letra a muitos assim.

O Schmeichel não era nenhum Preud’homme, mas foi tão importante e carismático para as equipas pelas quais passou que ganhou o direito a obrigar os companheiros de equipa a terem de o aturar; o Liedson, apesar de ser intolerável, há cinco anos que não faz mais nada senão safar o Sporting (e a intolerabilidade dele é, de alguma forma, deleitante, porque permite regularmente ver como o Sporting dobra a espinha e contorce os seus nobres princípios de “clube diferente” para não o antagonizar); já o Messi, se algum dia quiser jogar no SLB, pode espancar, em campo, qualquer companheiro de equipa à sua escolha que não haverá problema, podendo até ser o Obrigadosápinto a fornecer-lhe o objecto contundente que ele mais deseje ou considere mais apropriado para o tipo de sevícia em questão.

No que toca ao Luisão, nesta fase do seu percurso no SLB, não tem legitimidade para reclamar com quem quer que seja. O Obrigadosápinto sempre o apreciou como jogador, mas tem bem noção de que a sua carreira alteou com o Koeman, que não tinha verecúndia nenhuma de pôr o SLB a jogar com quatro centrais e dois trincos (como com o Lille, em Paris) se achasse que isso era necessário para alcançar o seu objectivo, pelo que o centro da defesa ficava bem mais resguardado. A partir daí, o Luisão tem vindo a decair de forma progressiva – e bem pronunciada desde que, em Março passado, se magoou no primeiro jogo da Taça UEFA com o Paris Saint-Germain, uma lesão nunca muito bem explicada e cuja recuperação demorou para aí três vezes mais do que o previsto. E ele nunca mais foi o mesmo.

Também o Katsouranis, a única pessoa no código postal 1501-805 que tem saudades do Fernando Santos, devia, nesta altura, guardar para si a iracúndia que, bem no íntimo, lhe provocam os seus companheiros do SLB; lhe provoca o facto de, no SLB, já não estar o Karagounis para lhe fazer companhia; lhe provoca a indesmentível decadência da civilização helénica depois do século IV a. E.C. Esta época, o Katsouranis está muito, mas mesmo muito abaixo do que mostrou na época passada, e a sua falta de dinâmica e, se calhar, de vontade de andar por Lisboa é evidente.

Deve, pois, ter-se em mente que o “incidente” teve como protagonistas dois jogadores que estão em baixa e que fazem parte de uma equipa em baixa. Ganhar, como se sabe, é o melhor desodorizante, e o Luisão e o Katsouranis estariam a abraçar-se, como se tresandassem a Rexona, se o SLB andasse a ter sucesso em campo. Todos os casos mais conhecidos de tentativas de peleja in vivo entre companheiros, afinal, envolveram jogadores de equipas desorientadas, e o Obrigadosápinto não tem dúvidas de que chegar a este ponto significa que há gangrena no balneário no SLB.

Saber de quem é a culpa dificilmente é o mais importante aqui, mas é indiscutível que há toda uma cultura no SLB que está errada: quando um jogador que chega atrasado das férias, como o Katsouranis, joga, como se nada se tivesse passado, no jogo seguinte (quando ao Léo, um über-profissional cujo pai ia ser operado ao coração, foi dito para voltar de imediato para Portugal), alguma coisa não está bem. E o Obrigadosápinto até aposta que, com o Leixões, o Luisão vai jogar sem questões nenhumas. Há hoje, no SLB, uma certa decadência fin de siècle.

Estudioso atento de fenómenos de realpolitik, o Obrigadosápinto não é ingénuo a ponto de querer que todos os jogadores se dêem bem, almocem juntos, com as respectivas famílias, duas vezes por mês e entoem, em cânone à oitava, o Ser Benfiquista; não, ao Obrigadosápinto basta-lhe que os jogadores joguem de forma decidida e que dêem tudo o que puderem dentro de campo, o que se faz jogando com e para os colegas. No balneário, podem nem se falar, mas à vista de todos, no campo, aí têm de correr uns pelos outros, têm de sofrer pela equipa (e, no fim, pelo clube). Se se recusarem a correr para emendarem a falha do companheiro do lado, se lhe apontarem o dedo em vez de lhe assegurarem que, se ele falhar novamente, ali estarão para tentar corrigir o erro dele, então o espírito do que é uma equipa já está corrompido. Ah, e quem se recusar a fazê-lo podia, não sei, tipo não jogar na jornada seguinte.

O Obrigadosápinto lembra-se de um caso, no Manchester United, há uns anos, de companheiros de equipa que nem se podiam ver, no caso porque um acusou o outro de ser culpado de um golo da equipa adversária. Aconteceu em 1997; em 1999, porém, o Cole e o Sheringham ajudaram a equipa a ganhar tudo o que havia para ganhar. O Luisão e o Katsouranis, em Setúbal, não fizeram mais do que revelar a putrefacção que, sem qualquer dúvida, alastra hoje em dia entre o plantel do SLB. E, no caso deles, o que é o pior, não fizeram mais do que ajudar a um empate em Setúbal.

(Setúbal, 1 – SLB, 1)

5.1.08

Manual de utilização do OQEQOAJFNS

Os destinos do Obrigadosápinto e do treinador de futebol Artur Jorge Braga Melo Teixeira estão ligados por mais do que um mero passado histórico-desportivo partilhado; não, entre eles existe algo maior, que, de forma paradoxal, entra no domínio do infracutâneo, do celular, do intuitivo. Como se fossem Eternos, parecem partilhar uma unimente (nesta alegoria muito pessoal, o Obrigadosápinto é o Ikaris, o Artur Jorge o Druig), ou então é como se a sua ligação fizesse parte da própria estrutura do ADN de ambos.

Pensa-se, afinal, que o genoma humano tenha entre 30 e 40 000 genes, e toda a humanidade é, em termos genéticos, 99% idêntica. No caso do Obrigadosápinto e do Artur Jorge, há ali um 0,0000000000001% adicional que só eles partilham em todo o universo. Prová-lo? Seria difícil convocar o Artur Jorge para uma colheita de sangue para posterior comparação com uma do Obrigadosápinto (se a colheita fosse feita em simultâneo, na mesma sala, o Obrigadosápinto nem sabe como reagiria), mas este último pode pelo menos demonstrá-lo empiricamente, uma vez que, alertado por premonitória dor no joelho, um fruto de uma lesão antiga, simplesmente soube esta semana que algo se iria passar na vida do Artur Jorge. E passou-se mesmo.

Estes francamente entediantes prolegómenos servem tão-somente para introduzir uma nova rubrica neste blogue. Para concluir os prolegómenos (o Obrigadosápinto, como amante da palavra escrita, garante que, daqui por diante, irá escrever tantas vezes quanto lhe for possível “prolegómenos”, devido ao prazer que lhe dá fazê-lo), o que se passa é que o despertar de memória provocado pela tal pontada no joelho, aliado à actual míngua de avançados no SLB, fez com que o Obrigadosápinto decidisse divulgar uma prática que ele adoptou há anos e que, julga, neste caso poderia ter ajudado, há poucos dias, o próprio Camacho.

Com as lesões do Nuno Gomes e do Cardozo e a dispensa de um atleta argentino que, no Verão, veio jogar futebol para o SLB, falou-se na hipótese de o Mantorras poder ter de ser o ponta-de-lança da equipa em Setúbal. O Camacho, mestre do matter-of-factly, limitou-se a dar uma resposta com a sensaboria de quem fala do tempo: “Espero que [o Mantorras] possa ser importante no Benfica esta temporada.” Claro que o Camacho mais facilmente adaptaria o seu fétiche Maxi Pereira a ponta-de-lança do que poria o Mantorras a jogar de início, mas isso não interessa para o caso: o que importa aqui é a oportunidade que o Camacho perdeu de sofrer uma ascensão espiritual do tipo arturjorgiano. (Em vez disso, continuará num vulgar nível vocabular, intelectual, retórico e sofístico.)

O Obrigadosápinto não se recorda das palavras exactas, mas há muitos anos, quando o Artur Jorge era seleccionador nacional, perguntaram-lhe, antes de um jogo (contra o Azerbaijão, ou a Irlanda do Norte, talvez a Arménia… no fundo, era um adversário acessível), quem é que ele iria pôr a jogar a ponta-de-lança. O tema da falta de avançados em Portugal é clássico, e a resposta também o foi: "Vamos jogar com o Figo a ponta-de-lança, com o João Pinto a ponta-de-lança, com o Rui Costa a ponta-de-lança…”

Magnifico, Arture Giorgio, e, se o Obrigadosápinto fosse, à época, jornalista e estivesse presente na conferência de imprensa, ter-se-ia levantado, batido palmas de forma enérgica, mas afectada, e gritado “Bravô” (assim à francesa, como na ópera ou no teatro) repetidas vezes. O silêncio e os olhares alheios não incomodariam, aliás, o Obrigadosápinto, figura independente da opinião de outrem que, no final, arriscaria, inclusive, levar um grande e grosso ramo de flores ao balneário com cheiro a linimento do treinador.

Esta réplica, aliás, está perto do cume no que toca às citações do Artur Jorge de que o Obrigadosápinto se lembra, Obrigadosápinto que vai agora revelar o que o Camacho deveria ter dito – e, ao mesmo tempo, inaugurar a rubrica OQEQOAJFNS neste blogue. Isso mesmo: O Que É Que O Artur Jorge Faria Nesta Situação?

Já bastas vezes na sua vida o Obrigadosápinto recorreu a esta acrónimo-mnemónica em situações de desespero e/ou de mero desconforto – e nunca se deu mal. O Obrigadosápinto numa situação de estar numa estática bicha nas Finanças? OQEQOAJFNS: ouvia música clássica no walkman (hoje em dia, num iPod). O Obrigadosápinto numa situação potencialmente íntima com uma rapariga? OQEQOAJFNS: declamava um verso romântico do Novalis ou, se a ocasião a isso fosse propícia, um mais lúbrico do Goethe (convém lembrar aos mais novos que o Artur Jorge é licenciado em Filologia Germânica). O Obrigadosápinto numa situação de ser treinador de uma equipa de futebol acabada de ser campeã? OQEQOAJFNS: punha seis trincos a jogar, abdicava dos extremos, dispensava os melhores e mais representativos jogadores do plantel, contratava o professor Neca e o Filipovic para adjuntos e dava o seu aval às contratações de Nelo, Tavares, King e Paredão, entre outros.

Por isso, numa próxima ocasião, à pergunta: “Camacho, com as lesões do Nuno Gomes e do Cardozo, o Mantorras pode jogar a ponta-de-lança em Setúbal?”, a resposta é só uma: recorrer ao OQEQOAJFNS. Ergo: “Vai jogar o Rodríguez a ponta-de-lança, o Petit a ponta-de-lança, o Katsouranis a ponta-de-lança…” Poderá seguir-se um "Bravô".

P.S. Amante, também, da palavra falada, o Obrigadosápinto admite que a única justificação para esta perfeitamente dispensável nova rubrica é, na verdade, a oportunidade de ele poder dizer “OQEQOAJFNS” em voz alta. Tem qualquer coisa de homo ergaster, de primal scream, e é bastante libertadora.