31.12.07

O Senhor Ferreira Queimado

Talvez já com os pés no novo século, preparava-se uma nova e aparentemente decisiva Assembleia Geral do Benfica. Nela, Vale e Azevedo iria propor a possibilidade de alienar a maioria do capital da SAD benfiquista.
Até lá, a ascensão dessa personagem tão terrífica, como burlesca, era encarada, por quem ainda mantinha uma réstia de bom senso, como um visitante indesejado para jantar, que, finda a refeição, sairia para sempre da nossa vista. Caso a sua proposta vingasse, ele, mais do que passar a viver na nossa casa, passaria a assumi-la como sua.

Nas vésperas desse acontecimento, chegavam-nos notícias de que rufias faziam fila no escritório de Vale e Azevedo, para serem contratados para um determinado papel na Assembleia.
“Vis atoardas de inimigos do Benfica” (como era comum da linguagem utilizada nesses tristes tempos) ou não, o que é certo é que no Pavilhão da Luz se assistiu às novas invasões bárbaras, com personagens com as mesmas barbas, mas com armaduras trocadas por fatos de treino da feira.

E urravam, e insultavam e ameaçavam quem simplesmente parecesse que não apoiava os ideais do seu Messias.
Um dos Vândalos dirigiu-se a um idoso, pequeno, atarracado, que tinha tentado, sem êxito, dirigir-se à enraivecida plateia. Entre a chuva de perdigotos, desfiou insultos e ameaças a um homem que teria pelo menos o triplo da sua idade.
O senhor, amparado num homem bastante mais novo que o tentava arrastar para fora daquele cenário dantesco, encheu o peito encolhido, cresceu 20 centímetros, acendeu os olhos e perguntou ao rufia: “Você é mais benfiquista que eu?” Perante o linguajar estéril, mas com convicção em perda, do outro, insistiu: “Você é mais benfiquista que eu?” O silêncio furioso deu-lhe espaço para o remate final: “Então cale-se!”
E o senhor saiu, agora parecendo que era ele que amparava o homem mais novo.

A sua atitude mostrou que o benfiquismo é bastante mais do que colocar cachecóis ao pescoço e entoar cânticos importados. Benfiquismo é um conjunto de valores centenários que passam pela honra, integridade e liberdade, e cuja defesa não dispensa coragem moral e, por vezes, física.

Aquele Senhor que relembrou (e a alguns ensinou) o que é o Benfiquismo era o Senhor Ferreira Queimado.
Que descanse em paz.

24.12.07

Golpes de pancrácio obrigadosápínticos (MCMIV)

"E sem Quaresma, o FCP é quase tão mau como o Benfica com o Nuno Assis."

FNV in Mar Salgado

22.12.07

Leonardo Lourenço Bastos

Qualquer adepto de um clube de futebol está sujeito a emoções extremas. Esperança, raiva, paixão, ódio, desilusão, saudade, euforia, são-nos injectadas à vez em curtas, mas intensas doses, durante aquela volta e meia de relógio que gastamos semanalmente a admirar milionários em calções.
Para os adeptos do Benfica, tempos houve em que a dose teve um único e contínuo fármaco: o desespero.

A Idade das Trevas benfiquista teve início em 1994 e durou 10 curtos anos de história, mas 10 intermináveis épocas futebolísticas. Primeiro, e de forma marcada, Artur Jorge, mas depois Wilson, Manuel José, Autuori, Heynckes, empurraram o fundo para profundezas inimagináveis até para fantasistas como Tolkien, de tal forma que o Benfica prosseguia em queda livre sem encontrar em que bater.
Os nossos olhos, toldados pela desgraça, até já conseguiam ver potencial em almas futebolisticamente perdidas como Paredão, King, Nelo, Tavares ou Marcelo.
E foi com este Marcelo que, para simplificação de linguagem, vamos classificar como “jogador”, que o Obrigadosápinto se apercebeu da situação desesperante da então moribunda águia.
Recordemos: em Abril de 96, o Benfica jogou em casa a meia-final da Taça de Portugal com um União de Leiria pré-Mourinho (ou seja, banal). O jogo estendeu-se para prolongamento e foi então que o tal “jogador” marcou dois golos. Um deles um hino ao ridículo, com um remate a um linear metro da baliza que ainda acertou na trave antes de se transformar em dado estatístico.
À saída, adeptos houve que foram apitando pela cidade. Já se comemorava uma presença numa final da Taça de Portugal, após bater uma equipa medíocre, devido aos esforços de um “jogador” que só por militante sadomasoquismo se deixava vestir de encarnado.
Mas a humilhação subsistia: no final da época, uns já doentes terminais de desespero abriram uma conta para recolher donativos para um movimento “Fica Marcelo”.

Dificilmente se encontraria personagem menos indicado que Marcelo para uma causa desse tipo. Mas fosse o Obrigadosápinto adepto de outras cadernetas que não de cromos da bola e até iria à Caixa Geral de Depósitos abrir uma poupança para investir na permanência daquele a quem apelidaram de Léo.

Há quem, erradamente, classifique Léo como um jogador “à Benfica”. Jogadores “à Benfica” são os Ângelos, Álvaros e Petits desta vida, que, à falta de um pingo de talento para tocar com os pés em objectos esféricos, se dedicam a produzir suor com intensidade fabril. E, no meio de toda a pele (deles e dos adversários) que deixam em campo, lá aprendem a fazer um ou outro passe em condições. Mas, não nos interpretem mal, são eles os baluartes da cultura benfiquista, os “self made men”, símbolos da superação humana, os Davids que uma vez por outra lá derrubam um Golias.
Léo não é, como dissemos, um jogador “à Benfica”. É também um jogador “à Benfica”. Porque além do suor que ele não regateia, exala aromas perfumados com as mais sublimes fragrâncias do saber jogar à bola. Léo sabe quando correr ou parar, passar curto, sempre rasteiro, ou longo, sempre certeiro, driblar, com qualquer pé, ou cruzar, para a área ou para trás.

Perante a certeza da imprensa da saída de Léo, confessamos que o Benfica-Amadora não nos mereceu grande atenção. 3-0 num jogo cuja importância, por uma vez, foi largamente ultrapassada pela flash-interview em que Léo nos disse que falou com o Presidente e que, afinal, há hipóteses de ficar.

No Obrigadosápinto esperamos que assim seja. Até porque, hoje em dia, abrir conta num banco é uma grande maçada.

(SLB, 3 - Estrela da Amadora, 0)

16.12.07

La mala educación

Os resultados de uma sondagem indicaram que os pais contemporâneos incluíram “jogador de futebol” entre as profissões que queriam que os seus filhos adoptassem. É fácil de compreender: os clássicos “médico” ou “advogado” implicam muito estudo, inteligência q.b. e, acima de tudo, demasiado tempo até se ver a cor do dinheiro. Com sorte, um futebolista tem o primeiro ordenado aos 16 anos e a independência financeira (dele e da restante família) aos 20.
Um filho no futebol e todos os sonhos familiares se cumprem: a carreira de empresário do pai, a casa à beira-mar da mãe e a loja de roupa (perdão, de moda) da irmã.
É, por isso, cada vez mais fácil aos clubes de futebol “raptarem” adolescentes habilidosos à sua família, integrando-os nas suas auto-denominadas escolas.
Os clubes passam a tratar da saúde, higiene, alimentação e educação dos petizes. Se pensarmos bem, trata-se de algo que as conservadoras famílias britânicas praticam há séculos: o envio dos seus filhos para colégios internos, só para rapazes, com disciplina rígida, campos de relva com fartura e visitas à família apenas nas épocas festivas. Troquemos Ascot por Alcochete ou Oxford pelo Seixal e ficamos com uma analogia completa.

Não havendo rankings publicados deste tipo de escolas, há, contudo, resultados que poderemos analisar, nomeadamente as carreiras dos antigos alunos.

O Sporting criou o segundo melhor jogador português de sempre (Futre), o mais regularmente competitivo da época de 90 e princípio deste século (Figo) e o segundo melhor jogador actual (Ronaldo). Mas todos eles saíram do seu clube de nascimento antes da consagração. Ou, numa versão mais cínica, todos eles tiveram que sair para alcançar a consagração. O que isto nos diz sobre o tipo de educação da Academia Sportinguista? Educação escandinava, claramente. Cedo são “atirados às feras”, para aprenderem a viver longe da asa materna. Futre, Figo e Ronaldo estrearam-se cedo, todos por volta dos 18 anos na equipa sénior. Depois, são motivados pelos pais a sair de casa e ir à vida deles. Ou ameaçando-os com castigos (empréstimo à Académica), cortando-lhes na mesada (baixo salário) ou por outro pretexto qualquer (primeira proposta de 7 dígitos).
Como qualquer descendente de uma família escandinava, os jogadores de matriz sportinguista guardam pouco afecto à sua casa, não se coibindo de comemorar os seus desaires, ou de se aliarem a famílias rivais.

No Porto a educação é diferente. É educação à “bairro da lata”, onde os miúdos não vão à escola porque têm que ajudar a sustentar a família. Aprendem a contar com o avô diabético, a escrever meia dúzia de palavras com o tio, quando este está em liberdade condicional, e aprendem, sobretudo, a sobreviver, durante o dia enquanto fogem dos putos mais velhos e à noite do pai alcoólico. Naturalmente, são personagens de Ettore Scola. Tipos raivosos que devolvem na idade adulta as agressões sofridas na infância, especialmente aos afortunados “betinhos” (Bruno Alves a agredir o Nuno Gomes o ano passado, ring a bell?).
João Pinto, Fernando Couto, Jorge Costa, Paulinho Santos, Ricardo Costa, Bruno Alves… um pelotão impressionante de Feios, Porcos e Maus. E Vítor Baia, poderão perguntar, onde é que encaixa nisto? Simples. É o puto esperto, o caso de sucesso do bairro da lata que todas as mães apontam aos filhos que acabam de se iniciar na droga, a excepção que confirma a regra.

Para tristeza do Obrigadosápinto, é no Benfica que se encontra a pior educação. É a do pai frustrado, que estoirou a fortuna dos avós em negócios inviáveis, que descarrega toda a sua fúria no seu filho primogénito. Quer que o seu filho seja tudo aquilo que ele não foi mas, para isso, coloca-lhe todos os obstáculos possíveis e tenta humilhá-lo sempre que pode, porque é assim que ele se fará homem. Quando lhe dá uma hipótese e o filho se safa, lá vai ele para o banco, para ganhar humildade (como o Moreira). E se ele, apesar disso, continua a querer jogar, vamos castigá-lo, enviando-o para a equipa B (como o Maniche). A maior parte dos filhos do Benfica tornam-se nuns indigentes futebolísticos, perdidos nas ruelas das divisões secundárias. Bizarro, Abel, Valido, Resende, Edgar, Bruno Caíres… nem esperanças os deixaram ser. Casos de sucesso, nos últimos 20 anos, apenas dois: o Rui e o fdp.
Mas apenas tiveram sucesso porque, quando meninos e moços, no Benfica estava Eriksson. Um escandinavo, lá está.

Promessa ou ameaça?

"Não vamos ficar por aqui"

Luis Filipe Vieira, in Mística

O cosme é dantas

Basta pum basta!!!

Baste de escrever quando o Glorioso perde, que é só o que o Cosme faz!

Um blogue que consente deixar-se representar por um Cosme não é benfiquista

Abaixo o Cosme!

Morra o Cosme, morra! Pim! (epá, morrer não, que se aleije, pronto)

Um blogue com um Cosme a cavalo é um burro impotente!

Um blogue com um Cosme ao leme é uma canoa em seco!

O Cosme é um cigano! (mas se fosse o Quaresma não havia problema, até para lhe partir aquele pézinho de merda, que marca golos ao Glorioso)

O Cosme saberá gramática, saberá sintaxe, saberá de futebol, saberá de hóquei em patins, saberá tudo menos escrever quando o Glorioso ganha que o único que ele faz!

O Cosme pesca tanto de vitórias que até faz posts quando o Glorioso não ganha, o que é contra-natura!

O Cosme é um habilidoso! (mais de 300 toques!)

O Cosme usa ceroulas de malha! (mas só quando faz frio)

O Cosme especula e inocula os concubinos! (concubinas, "nas"!)

O Cosme é Cosme!

O Cosme é Cosme!

Aleije-se o Cosme, aleije-se! Pim!



P.S. O Homem-Aranha agarrava aquela!

(Belenenses, 1 – SLB, 0)

10.12.07

Causas primeiras

O segundo golo do SLB contra a Académica agitou e emocionou o Obrigadosápinto, fazendo-o, inclusive, saltar do sofá de forma ligeira. (No que diz respeito à sua vida interior, porém, foi o tumulto.) Léo, Binya, Petit, Léo, Nuno Gomes, Léo, Cardozo – sete passes, tudo ao primeiro toque (aliás, quase; diabos te carreguem, Petit, por precisares quase sempre de ajeitar antes de passar), golo.

A jogada ao primeiro toque é quando é mais belo ver futebol: não há tempo para pensar no que pode acontecer a seguir, a informação visual, não filtrada, entra como uma bala no córtex de quem vê, a reflexão é coisa de milissegundos e não chega a tornar-se consciente, o desfrute do prazer é imediato. Na jogada ao primeiro toque, os jogadores envolvidos provam a viabilidade da telepatia, estão a ajudar a materializar um devir que os transcende, no seu harmonioso trabalho em conjunto realizam a utopia socialista, ultrapassam a dualidade corpo-alma, são todos eles instinto. (E como o Obrigadosápinto aprecia voltar à megahipérbole, como se sente confortável no seu regaço.)

Por muito que se queira negá-lo, as preocupações da humanidade relacionam-se sobretudo com as causas primeiras, com o ur, e daí o fascínio pela jogada ao primeiro toque.

Que é, também, como a resposta pronta que se dá a quem nos manda uma boca: nada nos faz sentir melhor connosco próprios, pouco nos faz sentir pior do que quando não nos lembramos do que dizer e somos forçados a retirar-nos, com o orgulho ferido, sentindo os olhares de todos sobre nós e levando o desaforo para casa. O Obrigadosápinto, por exemplo, é um verdadeiro especialista em saber qual a resposta perfeita a dar em todas as situações possíveis; infelizmente, só a imagina seis horas depois de lhe mandarem a boca, e normalmente já aninhado nos lençóis, no conforto e segurança da sua própria casa.

A jogada ao primeiro toque, porém, é não só a reificação instantânea da possibilidade da espontaneidade, a boca mandada na altura certa, como também é tão criativa que quase não se acredita que não seja ensaiada. No fundo, aponta para uma realidade a priori fundamentalmente sadia, para a bondade instintiva que nos ficou do Pays de Cocagne. Contudo, é precisamente o seu desrespeito pela intermediação racional que faz o Obrigadosápinto preferir, quando joga à bola, dar dois ou três ou quatro toques na bola antes de a passar a um companheiro. A bola nem sempre lhe sai com boa conta.

O terno retorno

Durante muito anos, pelo menos parte do Obrigadosápinto perdia tempo, volta e meia, a defender o Nuno Gomes, um dos maiores jogadores amor-ódio que se lembra de ver passar pelo SLB. Maria Alice, Maria Amélia e muitos outros nomes reveladores da imaginação do homem português já foram chamados ao Nuno Gomes, mas há muito quem o considere um símbolo do SLB moderno. O que, de facto, terá o seu quê de responsabilidade no estado do SLB moderno.

Em 2005, parte do Obrigadosápinto viu a final da Taça na bancada central (consequência do conhecido sangue azul do Obrigadosápinto), tendo assistido, por isso, à subida de uma equipa para receber as medalhas (o SLB, que fez, nesse dia, uma exibição patética, igual a tantas outras desse ano em que ganhou o campeonato) e de outra para levantar a taça (o Setúbal de Rachão, camisa aberta a revelar o fio de ouro com crucifixo pendente que decerto lhe foi oferecido pelo padrinho, a pior equipa que o Obrigadosápinto já viu ganhar a Taça, que, inclusive, levaria cinco ou seis do Estrela de 1990).

Quando a equipa do SLB descia para o relvado, o Nuno Gomes envolveu-se numa discussão com um espectador, ficando furioso e tendo mesmo de ser levado para longe dali pelos companheiros de equipa. A parte do Obrigadosápinto que foi ao Jamor estava longe demais para perceber o que se passou, mas consegue especular, mesmo assim, sobre qual a bottom line que levou ao desaguisado: o espectador que (sem dúvida) ofendeu o Nuno Gomes fê-lo questionando a sua masculinidade (de certeza).

E é este, no fundo, o problema do Nuno Gomes: é demasiado bonito para alguma vez ser consensual ou sequer aceite pela maioria dos benfiquistas. A pele dele é demasiado esfoliada, e os traços do seu rosto, que até podem ser descritos como ligeiramente femininos, são tudo aquilo de que o benfiquista médio se lembra, quando chega a hora de atribuir culpas depois de uma derrota ou empate.

Este axioma está metaforicamente contido no facto de o Nuno Gomes ser, juntamente com a Sandra Cóias, “embaixador” do perfume Unum, a fragrância do SLB. Parte do Obrigadosápinto não usa perfume, mas consegue adivinhar que o Unum terá um odor moderno, leve, fresco – e é por coisas deste género que o Nuno Gomes também não se ajuda a si próprio: usasse ele Old Spice depois de fazer a barba ou espalhasse um Brut, talvez até um Jovan Musk Oil, no peito e nos punhos, os benfiquistas perdoar-lhe-iam tudo mais facilmente.

“O futebol não é para meninas”, gritavam, no báratro asfaltado do recreio ou no terrulento de um pelado, a parte do Obrigadosápinto (enquanto esta se contorcia com dores após sofrer uma entrada com o pé à altura do pente), e é precisamente a feminilidade aparente do Nuno Gomes que é o problema, não o facto de ele jogar melhor com outro ponta-de-lança, mais à frente ou mais atrás, com flanqueadores ou sem flanqueadores, de ter ou não saudades do Brian Deane. Que benfiquista – talvez sem o prazer com que o fazem sportinguistas e portistas – não fez já, afinal, uma imitação do Nuno Gomes a pôr o cabelo atrás das orelhas?

Um homem de 1,81 metros e 76 quilos que foge do contacto, um avançado que pensa como um médio de ataque, que tabela melhor do que chuta, que usa a cabeça sobretudo para pensar futebol e não para cabecear – como é que o benfiquista médio o poderia aceitar como um dos seus avançados míticos? Ao Obrigadosápinto, apetece-lhe invocar, por momentos, o espírito futebolístico do Nené, que sofria da mesma falta de agressão masculina e, sendo muito melhor do que o Nuno Gomes, o mesmo abuso por parte dos adeptos.

O futebol não é para meninas, relembra parte do Obrigadosápinto com alguma tristeza, não só esperando que o SLB um dia abrace o futebol feminino, mas também que os benfiquistas evoluam o suficiente para perceberem que a ulterioridade dos motivos que os levam a falar mal do Nuno Gomes diz mais sobre eles do que sobre o Nuno Gomes. A afirmação da masculinidade é, bem vistas as coisas, tão importante para o adepto médio do futebol como o não-tão-ocasional comentário racista, e a maledicência e o boato em Portugal, vejam-se os casos do Mourinho, do Calado ou do Sócrates, são sempre feitos pondo em causa a assumida orientação sexual do visado.

No SLB, a competência ou o mérito acabam por ser relativos, com algumas excepções, se o jogador não é um exemplo de virilidade a jogar, não faz carrinhos capazes de fracturarem os ossos de vários jogadores da equipa contrária em simultâneo e não corre atrás de bolas que, 20 metros à sua frente, estão a um metro de saírem de campo pela linha lateral. (Isto não é de somenos: o Petit, por exemplo, tem crédito ilimitado à conta disto, mesmo se, quando chegou ao SLB, desequilibrava constantemente a equipa com correrias sem sentido.) Se, além de não fazer isto, tiver uma carinha laroca, soam as trombetas.

Na Luz, então, é como uma doença – o que mais uma vez se provou esta época: o Cardozo, apesar de alto, é macio como algodão doce, e não o avançado grande, bruto e desdentado por que sempre anseiam os adeptos do SLB, esperançados em verem no relvado o tal avançado que ganha todas as bolas de cabeça, que obriga todas as equipas a terem de jogar com três centrais só para o pararem (o que nunca acontece), que se limita a sacudir o pó dos ombros após cada entrada assassina, que, se encontra o Pedro Emanuel perto de si na marcação de um canto, o faz desandar com a mera frieza metálica do seu olhar.

Que me lembre, aliás, ele nunca existiu no SLB ou em qualquer sítio que não nas divisões inferiores do País de Gales.

Já o adepto que quer um homem-homem para o ataque do SLB povoa Portugal: pode ser visto a cuspir para o chão nas ruas de Gondomar; a chamar nomes no trânsito na rotunda de Algés; a fumar com um bebé ao colo em Santarém; a comover-se, no recato da sua casa em Peso da Régua, com um filme em que o Chuck Norris salva uma criança que perdeu os pais; a voltar bêbado para casa em Valongo; ou a dizer “um homem é um homem, um bicho é um bicho”, em Canas de Senhorim, enquanto vê o José Castelo Branco na televisão de canto no café. Na verdade, o Obrigadosápinto crê que, para muitos homens assim, o Nuno Gomes inspira medo por ser uma sublimação de desejos profundos, uma ameaça de que algo latente saia do armário.

No jogo com a Académica, o Nuno Gomes esteve nos três golos: obstruiu o guarda-redes no primeiro, criou o espaço para a jogada do Léo no segundo (mercê de uma tabela, arte na qual é o melhor avançado português dos últimos 25 anos) e fez um cruzamento para o terceiro que o Luís Filipe apenas consegue ver em fantasias que terminam com a correcção do seu estrabismo por um oftalmologista renomado.

Como tantas vezes, claro, o Nuno Gomes não marcou, demonstrando sempre mais vontade de passar a bola do que de falhar mais um golo (como, de forma indigna, fez logo no primeiro minuto do jogo com o Porto). E é por isso que ele nunca chegará lá, é por isso que tudo o que ele faça nunca será o suficiente, é por isso que nunca será o tal. Será como sempre foi: médio, às vezes médio-alto, não o símbolo que dele os dirigentes querem fazer, mas longe de ser a razão de todos os males do SLB.

Apesar de apreciar as suas qualidades de futebolista – e menos as suas de avançado –, esta parte do Obrigadosápinto tem de admitir que já não defende o Nuno Gomes como dantes. O facto indesmentível, afinal, é que ele joga futebol de forma cada vez mais amaricada e cada época foge mais da mera possibilidade de encontro físico com um qualquer rude central adversário. Esta parte do Obrigadosápinto atribui a culpa ao seu segundo casamento: agora matrimoniado com uma advogada de boas famílias que decerto lhe contra-indica que meta o pé, o Nuno Gomes terá decerto perdido a bravura que nascia do temor do que lhe aconteceria se não marcasse um golo para dedicar, beijando a aliança, à Isméria. Esta parte do Obrigadosápinto compreende esse temor.

(SLB, 3 – Académica, 1)

9.12.07

"Luís Filipe foi noticiado como estando referenciado no Vélodrome"

Na Luz, Luís Filipe já está completamente "referenciado".


6.12.07

É preciso ter laca

Octávio Machado inundou os nossos indefesos ouvidos com denúncias de um sistema Matrixiano que dominava o futebol. E nós, insistia ele, sabíamos do que ele estava a falar.

Na verdade não sabíamos, não sabemos e, no Obrigadosápinto, não queremos saber.

Para nós o futebol é a actividade que consiste em alinhar 11 jogadores em cada metade de um grande rectângulo relvado, tentando-se acertar com uma bola numa rede segura por uns paus.

Tudo o que se passe em balneários vaporosos, escritórios escuros, hotéis movimentados e restaurantes à beira-mar é tema para quem não utiliza o tempo para desfrutar do futebol.
Não nos interessa, por isso, o grau de veracidade do que José Veiga veio agora afirmar. O que poderemos adiantar é que José Veiga continua a ter falta de lata e excesso de laca.

Vocês sabem do que estamos a falar.

4.12.07

Uma vitória infantil

O lado infantil dos adultos merece aclamações, sonetos, refrões, prosas, pinturas quando não hossanas. Desde a rebeldia infantil de James Dean até à visão de criança de Spielberg, passando pelo erotismo lactente de Dali, ser miúdo é uma bênção em qualquer actividade que possa merecer o epíteto de arte.
Mas não no futebol. No futebol ser criança é pecado. "Infantil" é insulto e precede sempre o "erro". A intensidade desta forma socialmente aceite de pedofobia é de tal ordem, que os jogadores mais jovens são apenas dignos de elogios quando lhes são reconhecidos sinais de maturidade.
O que é considerado como uma bênção para qualquer arte, não pode encontrar excepção no futebol. E, obviamente, não encontra.
O abençoado Benfica 2007 é um conjunto de crianças que poderiam trocar um campo de futebol por um parque infantil sem qualquer esforço de adaptação. As correrias frenéticas de Nélson, os dribles excessivos de Di María, a desfaçatez das finalizações de Cardozo ou o egoísmo de Rui Costa, podem ver-se em qualquer brincadeira de qualquer pátio de qualquer escola primária.

E foi com correrias frenéticas, dribles excessivos e finalizações com desfaçatez que o Benfica ganhou em Donetsk (ou "Dounéte", na versão Pedro Gomes da TSF).

Ao ver os jogos deste Benfica, o Obrigadosápinto sente-se como um pai da Opus Dei, vendo os seus 11 filhos a brincar num qualquer jardim. "Não corras para longe, Nelson!"; "Empresta a bola aos outros meninos, Rui"; "Não empurres a menina, David."
E, apesar do cansaço provocado pelos constantes alertas, aflora um sorriso paternal na nossa face. Porque ser pai, mesmo de miúdos tão mal comportados, acaba sempre por ser recompensador.

(Shakhtar Donetsk, 1 – SLB, 2)

3.12.07

O Homem-Aranha para guarda-redes do Benfica

Não se passou nada.

Sábado foi um não dia marcado por um não jogo, que não foi jogado por ninguém de encarnado. Triste sina do Cosme de começar em tão nefasta não data.

Sábado, o Cosme andou a ver elefantes cor-de-rosa a voar e uma equipa à nandinho no relvado.

Se realmente tivesse existido um jogo, teria sido palco da habitual segurança do Joaquim Silva que defende o alvo dos adversários do glorioso. Tem aquele costume irritante de estar sempre no caminho da bola, sinal de que sabe do seu mester. Outros dizem que se limitou a ter sorte nos últimos 20 anos, mas que qualquer dia isso desaparece. Os mesmos que dizem: “Epá, outro guarda-redes qualquer tem uma impulsão de 3,5m. E em repouso!”

Deve ser o único gajo que é criticado por não ter poderes sobrenaturais.

O Cosme vai iniciar uma petição:
O Homem-Aranha para guarda-redes do Benfica!


(SLB, 0 – Porto, 1)

2.12.07

A necessidade de o Camacho ser 99% perspiração

O Obrigadosápinto pôde confirmar duas coisas durante o jogo de ontem: a) o facto de o Porto ser a única equipa no universo capaz de o fazer ficar indisposto; b) o seu desejo ardente de que o treinador do SLB deixe de-uma-vez-por-todas-por-amor-de-Deus-coño de se armar em Almodóvar e volte a ser Manolo.

O Obrigadosápinto está bem ciente de que elaborar esta visão redutora, tipo yin-yang, de todo um país apenas para fazer uma graçola é algo de fundamentalmente errado e pode até ser visto como ligeiramente xenófobo, mas quer afirmar, em sua defesa, que o Camacho podia perfeitamente ser um taberneiro beirão. Ou transmontano. Ou ribatejano.

Porque é que não ponho o Jesus a jogar? Para ponta-de-lança, acho-o muito defensivo.

O Obrigadosápinto admira os jogadores que são diferentes dos outros (mesmo quando não são melhores do que os outros) e é tão apreciador dos grandes craques como qualquer pessoa. Porém, nos tempos em que seguia o Milan, já depois de ter seguido a Fiorentina, sempre nutriu um ódio secreto pelo Kaká por ele ter tirado a indiscutibilidade ao Rui Costa (e por ser um fundamentalista religioso, também). Depois do jogo de quarta-feira, porém, o Obrigadosápinto confessa que ficou chocado com a capacidade de acelerar com a bola no pé do Kaká (já conhecia a sua inteligência a passar e a mover-se em campo e a sua capacidade de remate) e percebe que foi essa a razão por que ele passou a ser titular em vez do Rui Costa. Por enquanto, o Obrigadosápinto consola-se em imaginar como será o Kaká quando tiver 35 anos, e a sua velocidade o abandonar. Aí, o Obrigadosápinto verá se Jesus o salva.


Psicologia metaforense (questões de sexo e não de sexismo fazem com que este ensaio aborde a relação pai-filho e não pai-filha)

Carregando o lastro de ser agora, ao mesmo tempo, uno e trino, o Obrigadosápinto, também por causa deste peso extra, só hoje conseguiu escrever sobre o jogo com o Milan. Sendo três pessoas distintas que, afinal, são uma só e uma pessoa que se divide em três, a confusão ontológica que lhe foi criada por esse facto ajudou, também, à morosidade do Obrigadosápinto.

Pegando neste seu novo estatuto, o Obrigadosápinto poderia, inclusive, fundar uma seita, mas o jogo com o Milan fez antes os seus pensamentos encalharem por completo noutro tipo de sacerdócio. Não sendo, naturalmente, um freudiano (até porque aceita o Rui Costa como fazendo parte de estruturas da psique que são partilhadas por toda a humanidade e encontra a figura dele, por exemplo, em diversos mitos e lendas, formadores ou não), o Obrigadosápinto não deixou de ver o jogo do SLB com o Milan pensando na interpretação psicanalítica do Oδίπoυς τύραννoς.

O Obrigadosápinto, a quem incomodam as manifestações forçadas de fair play, confessa que não gosta de ver as equipas entrarem juntas em campo. Sendo uma pessoa pacífica, embora com garra, de alguma forma sente falta do elemento tribal do futebol do passado, quando as equipas entravam em campo sozinhas e se ouvia o tipo de assobiadela que hoje desapareceu dos estádios. É compreensível, uma vez que, naquele momento em que se subiam as escadas ou se saía do túnel, as atenções de toda a gente estavam viradas para um único objecto, ou a equipa da casa ou a equipa de fora, e não havia cá ambiguidades. (Os árbitros, esses, esses sempre sofreram.)

Com o Milan, não foi tanto que o SLB tivesse entrado em campo lado a lado com o adversário – foi mais tê-lo feito de mão dada, como um filho que passeia com o pai. E é aqui que se vai basear o regresso do Obrigadosápinto a geniais, mas entediantes, metáforas.

Nos primeiros 15 minutos do jogo, aquilo a que se assistiu foi, na verdade, à completa infantilização do SLB, que, como um filho demasiado respeitoso, foi incapaz de dizer ao pai que quer viver a vida (jogar o jogo) nos seus próprios termos. Imagens de incontinência SLBiana causada por temor ao pai entravam e saíam da mente do Obrigadosápinto.

O desenrolar do jogo até ao golo do Pirlo foi espinhoso para o Obrigadosápinto, que via o SLB assumir-se de forma voluntária como uma equipa da II Divisão, talvez mesmo da II B, europeia, tal era a quantidade de éter que parecia separá-la da do Milan. Voltando ao mote, era como quando uma criança joga à bola com o pai e lhe tenta tirar a bola, e ele nunca deixa, fazendo a criança – que, por sê-lo, só tem olhos para a bola – correr atrás dela em círculos fracassados. (O que o pai não sabe, claro, é que a raiva e a frustração, que tantas vezes acabam em lágrimas e ranho, sentidas pelo filho se acumulam, se misturam com o medo e dão origem a uma vontade de poder, ao desejo de suplantar o pai – de lhe tirar aquela bola. O pai é, afinal, um obstáculo à concretização do desejo do filho.)

A naturalidade com que surgiu o 0-1 foi uma ofensa a tudo o que o Obrigadosápinto representa, já que o Milan estava a tratar o SLB como uma equipa de juvenis trata uma de infantis. Um momento, porém, serviu para mudar o jogo todo, o momento em que o SLB matou o pai. Metaforicamente, claro.

Claro que todos os jornais o identificaram como sendo o do golo do Maxi Pereira, mas faltou-lhes subtileza analítica; o momento em que o SLB ultrapassou o medo da castração pelo Milan foi um choque do Gattuso com o Petit em que quem ficou no chão foi o Gattuso. Na colisão, tão arrepiante como o nanosegundo de silêncio que se segue a uma travagem brusca de um carro, mesmo antes do impacto, quem teve de cerrar os dentes para se pôr de pé não foi o filho, mas sim o pai.

O Petit e o Gattuso são, claro, dois duros do futebol moderno (a ênfase, aqui, deve ser colocada em “moderno”, pois aqueles que acusam o Petit de ser açougueiro não se lembram do André, do Rui Filipe, do Paulinho Santos ou, no SLB, do Nunes), mas o facto de o primeiro ter sido mais duro que o segundo empolgou toda a equipa do SLB, fê-la concretizar a aspiração de infância de mandar o pai ao tapete e ver que este não era mais do que um velho (no caso do Milan, então, não há aqui qualquer metáfora).

Em termos simbólicos, pois, o pai estava morto, e o SLB libertou-se e fez uma exibição que não chegou para ganhar, é verdade, mas que foi empolgante. O Obrigadosápinto só pede, agora, que o SLB não se assuste com a enormidade do acto por si cometido e não reprima o que levou à sua geração, passando, como tantas vezes acontece, a identificar-se com a figura do pai. A emancipação conseguida frente a uma equipa como o Milan pode dar frutos muito doces para quem, como o Obrigadosápinto, às vezes se cansa de jogar bem e não ganhar.

Voltando ao mote, o Obrigadosápinto espera ainda que o SLB consiga continuar na UEFA, pois teme que a equipa entre em prolongado estado de depressão se tiver de voltar a fazer torneios no Dubai e a passar solitárias noites de semana em casa, em frente à televisão. A actividade física liberta endorfinas, úteis no combate a depressão, o que talvez seja melhor que o divã.

(SLB, 1 – Milan, 1)