22.4.08

Do you hear that Mr. Anderson? That's the sound of inevitability.

E o Benfica não saltou a tempo. Não podia. Se nem sequer queria estar ali, de olhos esbugalhados e adrenalina a correr pelas veias, como uma rês que antecipa o desfecho da sua visita ao matadouro. A sua sobrevivência foi um milagre, ainda para mais depois daquele golo, que provocou o primeiro sound of inevitability.


A naturalidade com que ocorreu foi em si arrepiante. Esse momento fez os jogadores(?) do slb esbugalharem ainda mais os olhos, e o odor do medo pairava no ar; era para todos eles evidente (assim como para todos nós) que a anestesia tinha sido dada. Faltava caminhar pelo corredor ensanguentado, escorregando no sangue de outras reses, que tinham estado de olhos menos esbugalhados, até levar o rebite na testa, na antecâmara do estrebuchar final. O carrasco desleixou-se, e, depois da anestesia, pouca mais mossa fez, chegando a permitir à pobre rês a ilusão de uma possível fuga. Displicentemente cruel, deixou-nos a suspirar pelo rancheiro que se segue, na esperança que este descodifique a matriz.

(Belzebu fc 2 - Benfica 0)

20.4.08

Dorzinha

Os 5-3, ou, no meu caso, os 5-1 (porque só vi a segunda parte), doeram. Mas não passaram de um forte entalão num dedo ou de um pneu furado enquanto chove: maçam intensamente mas são tão morredoiros como qualquer filme do Ridley Scott pós Blade Runner.

Nada que se compare, portanto, com os 7 a 1, esse AVC que ainda hoje me entaramela a voz e que me impede, há 20 anos, de entrar em qualquer imóvel cuja designação comece por “Alval”.
Um questão de expectativas, ou melhor, de falta delas, possivelmente. Uma coisa é, como há 20 anos, esperar ganhar, e ver a nossa rede metralhada pela então única equipa da 2ª circular a não passar do Natal. Outra coisa é um esperar perder tão forte que abafa até a mais desesperada esperança, e que nos prepara para qualquer intempérie. E mesmo com aquela primeira parte luzidia, com o Di Maria com o dedo, persistentemente, no interruptor, a esperança não acordou do seu coma.

Portanto doeu, claro que doeu, mas já passou. Mas, pensando melhor, talvez a principal razão para um tão curto luto não seja, afinal, uma mera gestão de expectativas. Porque se os 7-1 foram um AVC, os 5-0 (da Supertaça) contra a equipa com mais títulos do Porto, foram dois tumores e três hepatites rodeadas de HIV. Hoje, a minha mente já nem se lembra do que se passou nesta semana e está totalmente concentrada na preocupação de não perder por muitos no estádio mais arejado do país. Porque essas doem mais, doem sempre mais. Porque os lagartos, quando nos ganham, não fazem mais do que os lampiões: escrevem centenas de emails e sms sem graça, ligam a todos os que se lembram com um risinho parvo e dão apertos de mão de escola maçónica. Mas não insultam a minha mãe, nem querem queimar a minha cidade, nem muito menos me odeiam.

É, em suma, com o ódio que eu não suporto perder. Com uma simples rivalidade, um par de horas cura-me as feridas.

(Sporting, 5 – SLB, 3)

17.4.08

Limitem-se ao impossível sff (parte II)

Na primeira parte fizeram o impossível.
Na segunda o possível.

15.4.08

Limitem-se ao impossível sff

Chalana: «Vamos fazer o possível e o impossível»

Ou então o que resta é o "Dá-me o telemóbel – já!"

Sucedeu os anos formativos benfiquistas do OSP calharem mais ou menos por alturas do regresso do Chalana ao SLB, depois de as saudades do bacalhau com todos e a Anabela o terem impedido de ter êxito no Bordéus, naquela primeira vaga emigrante de jogadores portugueses. Para os mais novos, é preciso lembrar que não havia internet nos idos de 80: não só era quase impossível encontrar fotos da Victoria Principal nua, como o Chalana não podia pedir a um parente qualquer que lhe mostrasse como estavam os seus pombos favoritos usando uma webcam.

Quando o Chalana voltou, todos os benfiquistas sabiam que ele não era o mesmo jogador que tinha ido para França depois do Europeu de 1984, e os primeiros jogos dele mostraram-no: o génio estava lá, mas as lesões tinham-lhe levado grande parte do resto. Claro que ele ainda era capaz de sentar um ou outro defesa mais desacautelado até o levar às lágrimas (o OSP aposta que ainda hoje, durante um treino, parado, junto à linha, de mãos nos bolsos e bola no pé, o Chalana seria capaz de fazer o Edcarlos cair sobre o próprio traseiro com um simples meneio de ombro), só que já não era a mesma coisa.

(Hoje em dia, ainda se continua a falar, a torto e a direito, e quantas vezes a despropósito, de não sei quem “dar um nó ao defesa”, mas já quase não se ouve o verbo “sentar” associado a um jogo de futebol. Só que a expressão “sentar o defesa”, sabe quem o viu, foi o Chalana que a inventou. O Padinha que relate em que ela consiste).

Então o Chalana veio de França, corpo e espírito destruídos, e o SLB ao menos recuperou-lhe o segundo – mas o que era mais curioso em relação ao Chalana é que poucas vezes o OSP viu um jogador ser tão abertamente objecto de carinho por parte dos benfiquistas. Nisto, a situação dele poderia ter sido uma espécie de antevisão, estilo filho pródigo, do que viria a ocorrer com o Rui Costa décadas mais tarde, mas o Rui Costa voltou como um vencedor, e o carinho que os benfiquistas têm por ele mistura, em partes desiguais, como é natural, amor, reconhecimento, respeito e gratidão. No caso do Chalana, que é pequeno, acanhado e inseguro, e que voltou como perdedor, o carinho dos benfiquistas por ele tinha amor, é certo, mas pelo menos dois terços de compaixão. E não há como evitá-lo, pois a maior parte dos benfiquistas são portugueses, e a figura do “desgraçadinho” faz parte do seu molde cultural, ideológico e educacional.

(Que fique claro, porém, que o amor benfiquista devotado ao Chalana e ao Rui Costa, seja qual for a distribuição dos ingredientes que o compõem, sempre foi genuinamente obrigadosápíntico. Os benfiquistas amam de forma doentia todos aqueles que mostram amar o SLB sem terem de o dizer em conferência de imprensa.)

Quando regressou, e num dos primeiros jogos que fez, o Chalana marcou um golo, salvo erro de canto directo, ao Académico de Viseu. O antigo animador do Estádio da Luz, que metia músicas da Marina Mota ao intervalo, que chamou “Rui” ao Rui Águas, quando ele foi lá jogar pela primeira vez depois de ter ido para o Porto, e que era, grosso modo, muito mais benfiquista do que o Ricardo Palacin (até porque não fazia o SLB parecer risível), saiu-se com o habitual “Goooooooooooooooooolo do Benfica”, e depois gritou o nome do marcador: “Chalanita!” Talvez pareça tão ridículo hoje como soou na altura, mas naquele diminutivo, nesta assunção de que o Chalana era um de nós, um familiar, um filho do clube, havia carinho suficiente para cimentar, no OSP e nos seus descendentes, uma vida dedicada ao benfiquismo.

Por muito maníaco-depressivo que tenha passado a ser depois do jogo de sábado, o OSP tem, contudo, noção de que o que se passou foi uma aberração (curiosamente, ocorreu no primeiro jogo em que o Chalana, talvez devido aos elogios que vinham sendo feitos à crescente qualidade do jogo da equipa, inventou, ao pôr o Binya na direita ou ao ceder ao peso do nome do Luisão, e deixou de pensar de forma desartificiosa), porque a exibição da Académica não podia ter sido mais irrepreensível, e a do Nélson, do Luisão, do Léo, do Petit, do Nuno Gomes e do Cardozo não podia ter sido mais abjecta. Foi um cenário tipo perfect storm (até porque todos os jogadores da Académica que marcaram golos ainda nunca o tinham feito, e um deles, o Berger, quase nunca joga), por isso não é preciso passar um apagador sobre tudo o que aconteceu anteriormente desde que o Chalana é treinador. O Chalana, é convicção do OSP, e mesmo dando de barato que ele é ingénuo e limitado como estratega, tem tido uma falta de sorte do caraças, mas o desporto vem mostrando ao OSP que a sorte parece ajudar sempre aqueles que tudo enfrentam de peito feito e com soberba – é por isso que o Mourinho e o Scolari parecem ser os treinadores com mais bambúrrio no futebol mundial. Já o Chalana é pequeno, acanhado e inseguro.

O OSP espera que o Chalana fique em qualquer equipa técnica que aí venha, porque o benfiquismo dele, o optimismo dele e a crença dele em jogadores que não a merecem não tem preço. Contudo, aquilo em que o OSP mais tem pensado é no treinador que aí vem, e, vendo um uruguaio que parece estar numa simples passagem de dez meses pelo clube ser o jogador do SLB que mais brio tem, vendo que muitos dos seus companheiros pouco se esforçam, vendo como as derrotas, por mais humilhantes, não lhes parecem doer, chegou à conclusão de que o carinho nada pode no futebol. Não pôde no passado, quando o Mário Wilson foi treinador interino, porque o plantel precisava de amor, e não pode agora, com o Chalana.

Por isso mesmo, e no que toca à escolha do próximo treinador do SLB, o OSP sente-se forçado a deitar para trás das costas as suas tendências libertárias, as suas utopias trabalhistas, e as suas quimeras de comités técnicos no SLB e de comissões dos jogadores do plantel: aquilo de que esta equipa precisa é de um treinador duro, esta equipa não é capaz sem ter atrás um capataz, esta equipa precisa do Scolari. Para o Tó Portela que vive dentro do OSP, a escolha está feita e foi pronunciada em voz alta – já tem substância, não há volta a dar-lhe. É assumida.

O carinho é bom, e o OSP gosta tanto de cafuné como qualquer jogador do plantel do SLB (talvez menos do que o Nuno Gomes, há que admiti-lo), mas o medo é melhor (pelo menos uns anitos, até se desaburguesar o plantel). Talvez, se tivessem medo do que se pudesse passar no balneário, os jogadores do SLB não se tivessem mandado para o chão e deixado voluntariamente que a Académica lhes passasse por cima como um rolo compressor (e depois fizesse marcha-atrás só para os atropelar outra vez). Perder, muito bem. Perder, lutando, encantado. Perder com a Académica, acontece. Agora, perder por 3-0 com a Académica, na Luz, com o Domingos (o Domingos!) no banco deles, com a Académica a jogar à rabia com o meio-campo do SLB durante 80% do tempo, com um jogador do SLB a sair de campo cinco minutos antes de o jogo acabar com uma lesão-fantasma por já não aguentar a vergonha, com uma benfiquista que a televisão filmou com lágrimas a rebentarem-lhe nos olhos, isso já não é admissível.

(O OSP ficou mais afectado por estes olhos marejados – por esta mulher ser arquetípica, simbólica de uma condição que o OSP partilha – do que pela voz embargada do Chalana. E porque não chorar depois do jogo com a Académica, se o ridículo dói tanto? Mais ainda por levar três depois de uma semana em que todo o clube se andou a queixar dos árbitros... O OSP já passou as três décadas de vida, mas confessa que uma visão de choro lhe passou pela cabeça.)

O OSP também se está a cagar se o estilo abrasivo de um treinador-disciplinador acaba por cansar o “jogador moderno”: o Ferguson é-o há 22 anos em Manchester, por isso deve andar a fazer alguma coisa bem; o Mourinho chama publicamente atrasado mental ao Ricardo Carvalho, e o Ricky não deixa de o reverenciar; jogador que não dê tudo ao Capello acaba em consultas de endocrinologia como o Cassano; o Jorge Jesus tem sucesso em todo o lado, porque pura e simplesmente ninguém se mete com um gajo da Amadora que dá todo o ar de ter uma ponta-e-mola nas calças do fato-de-treino; e o Scolari tem as qualidades diplomáticas do John Bolton, contudo os jogadores que ele treina dão tudo por ele (e alguns, como o Ricardo, até lhe devem a carreira, por isso não admira).

Sim, o OSP está ciente daquela corrente de opinião de que os jogadores hoje têm mais estudos e mais nível e mais mundo e outra visão das coisas e que já não querem que lhes berrem e os tratem como crianças, mas depois lê o Nani elogiar o Paulo Bento por ter sido duro e paternalista para com ele, ou ouve todos os jogadores portugueses a elogiarem o maior rigor dos clubes estrangeiros para onde se transferem, ou lê o Hugo Viana dizer que levou o seu jipe português para Newcastle, porque o seguro automóvel em Inglaterra era muito caro, ou ouve uma entrevista do Hugo Almeida que mostra bem a atenção que ele prestou nas aulas de Português e Meio Físico e Social enquanto andava na escola, e só consegue pensar em palavrões de uma vulgaridade inexprimível.

No que diz respeito a clubes de futebol, e no SLB actual mais que nunca, o OSP prefere um colégio interno a uma escola do Krishnamurti, e é por isso que quer o Scolari no SLB, alguém que faça com que os jogadores sintam que podem bem levar uma punhada se à segunda-feira só lhes apetecer fazer uma sessão de banhos e massagens, em vez de treinarem a sério. Já em relação a mudanças no plantel, o OSP não tem espaço suficiente em disco para entrar por esse tema, mas, se o Aston Villa e a Juventus ainda quiserem o Nélson e o Luisão, é da opinião que a Direcção devia considerar qualquer proposta, mesmo que fosse de apenas 5% do valor da cláusula de rescisão.

(SLB, 0 – Académica, 3)

Jogo de Feira

O Benfica - Boavista é uma instituição que pode recuperar o prestígio de uma futura Feira Popular. Nenhuma outra partida de futebol tem tanto espírito de feira. Faz lembrar aquele jogo de tiro ao boneco. Nos últimos três jogos já vão mais de cinquenta remates e seis golos, numa razoável média de dois por jogo. É pena é terem sido todos marcados na mesma partida.

Mas isso nem me chateia. Saber que os jogadores da minha equipa passaram todos incólumes a três jogos contra uma equipa treinada pelo Jaime Pacheco já me deixa contente. Contente e incrédulo, para dizer a verdade. Soa-me a algo miraculoso, fruto de muitas velinhas e de idas a Fátima. Sair do Bessa com duas perninhas é como sair do Coliseu sem se aleijar depois de confraternizar com um simpático grupo de leões.

Agora só nos resta prestar uma boa bujarda na boca do leão sem ter nenhum tipo do Liechtenstein a interferir. Ele que vá ser produtivo lá para a sua terra! E que deixe o abrutalhado futebol aos embrutecidos portugueses.

P.S. Mas pode levar o tiro ao boneco, a Feira Popular, o Parque Mayer e o Alberto João. Assim à laia de indemnização.

(Boavista 0 - SLB 0)

9.4.08

Uma vitória com cabeça

A falta de tempo atrasou este post sobre o já antigo Benfica-Paços de Ferreira. A falta de tempo de Chalana foi também o que levou à derrota com o Getafe e ao empate com o Marítimo. Porque, com apenas mais uns dias, Chalana conseguiu pôr o Benfica a jogar futebol. Génio táctico? Fantástico líder? Não. Simplesmente, e felizmente, um homem com bom senso. O bom e velho bom senso, tão renegado e esquecido lá pelo imóvel mais famoso do futebol luso.

Explicando: Camacho limitou-se a destruir um esquema táctico, que, não sendo plenamente eficaz, os jogadores tinham assumido. Colocou-os a jogar à anos 60, com dois extremos e um calmeirão (às vezes dois) na frente. Cá para trás, cabia a Quim a distribuição de jogo. Sobre os resultados de tão medíocre escolha, já gastámos bytes suficientes.
Entre um “não esquema de jogo”, o losango ainda lembrado e um qualquer outro novo, Chalana recorreu aquele com resultados práticos imediatos. Usou – imagine-se – a cabeça. E ganhou.

E o golo de Rui Costa que fechou o jogo, veio apenas dar imagem apropriada ao fundamento desta vitória: uma vitória com cabeça.

(SLB, 4 – P. Ferreira, 1)